Vírus já chegou ao lixo. Governo admite que metas da reciclagem podem “ser prejudicadas”
A Novo Verde defende que as metas de reciclagem terão de ser revistas em baixa, enquanto a Sociedade Ponto Verde diz que o sistema de recolha de resíduos está a adaptar-se à "nova realidade".
O ministério do Ambiente e Ação Climática (MAAC) admitiu que “as atuais metas de reciclagem poderão ser prejudicadas” em função das novas regras para a deposição e recolha de lixo instituídas no país por causa da pandemia de Covid-19. Por seu lado, a entidade gestora de resíduos Novo Verde defende que as metas de reciclagem terão de ser revistas em baixa, para poderem ser cumpridas, enquanto a Sociedade Ponto Verde diz que o sistema de recolha de resíduos está a adaptar-se à “nova realidade”.
Os resíduos domésticos que neste momento são depositados no contentor dos indiferenciados (dito lixo “normal”) podem conter materiais contaminados pelo novo coronavírus e, por isso, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) ditaram, a 17 de março, que os sacos de lixo deixassem de ser abertos para tratamento manual ou mecânico, como acontecia antes. Ou seja, segue tudo diretamente para incineração ou aterro.
Resultado? Menos embalagens estão a seguir para reciclagem. Neste momento, só são recicladas aquelas que forem depositadas diretamente nos ecopontos subterrâneos ou de superfície, e não tenham estado em contacto com o restante lixo comum. Em Lisboa, a recolha seletiva de recicláveis (papel, plástico e vidro) porta-a-porta foi mesmo cancelada pela autarquia.
“Dependendo do período de tempo associado à aplicação destas medidas, as atuais metas da reciclagem poderão ser prejudicadas. Não obstante, encontrando-se toda a Europa em situação de emergência e a executar medidas semelhantes no que respeita à gestão de resíduos, é expectável ou possível que possa haver um reajuste da trajetória referente ao cumprimento de metas determinadas aos vários Estados-Membros“, explicou ao Capital Verde, do ECO, fonte oficial do MAAC.
O ministro do Ambiente e da Ação Climática, José Pedro Matos Fernandes, admite que se registou já um aumento substancial da produção de resíduos em zonas residenciais: “Este é um momento em que, como consequência do recolhimento a que estamos obrigados, há mais gente em casa. E haver mais gente em casa, significa produzir mais lixo doméstico”.
Números não há ainda, mas “o MAAC está a acompanhar a situação e aguarda, a qualquer momento, dados sobre a situação atual da recolha seletiva de resíduos, bem como dados sobre a recolha dos resíduos indiferenciados, em todo o país. A recolha de resíduos é uma competência municipal ainda que relativamente à recolha seletiva de resíduos essa responsabilidade esteja, em vários casos, a cargo de empresas concessionárias ou intermunicipais”, sublinhou fonte ministerial.
Quanto ao lixo indiferenciado (aquele que vai todo misturado nos sacos de plástico), refere a mesma fonte oficial, “as orientações das entidades competentes são no sentido de que estes resíduos sejam diretamente encaminhados para eliminação por incineração ou em aterro, por poderem conter materiais contaminados. Isto significa que os sacos contendo esses resíduos não devem ser abertos para tratamento prévio manual ou mecânico”.
O MAAC garante que “a capacidade disponível nos aterros nacionais é compatível com as medidas” impostas e sobre um eventual aumento da poluição atmosférica em virtude de maiores volumes de lixo incinerado diz que “as instalações de incineração de resíduos urbanos e hospitalares têm implementadas as melhores tecnologias e cumprem os valores limite de emissão previstos nas suas licenças”.
Nas regiões de Lisboa e do Porto, os resíduos urbanos estão a ser eliminados preferencialmente nas instalações de incineração da Valorsul e da Lipor, respetivamente. Já as instalações de incineração de resíduos hospitalares estão localizadas na Chamusca. Nas restantes regiões do país, os resíduos devem ser depositados diretamente em aterro, adianta fonte do MAAC.
Recentemente, Matos Fernandes tinha anunciado que o valor da taxa de gestão de resíduos (TGR) seria aumentada para o dobro (de 11 para 22 euros por tonelada), precisamente para desincentivar a deposição de resíduos em aterro, uma medida que fica para já sem efeito. “O valor da TGR […] não será objeto de alteração durante a vigência do estado de emergência”, confirmou o ministério, justificando: “Encontrando-se Portugal numa situação absolutamente excecional decorrente da declaração do estado de emergência algumas das medidas previstas para execução a curto prazo poderão ser suspensas ou alteradas. Findo o estado de emergência o Governo deverá reavaliar o sentido das medidas a adotar”.
Ricardo Neto, presidente da Novo Verde, diz que “a suspensão de diversas formas de recolha e tratamento de resíduos irá afetar as quantidades de resíduos de embalagem retomados, mas, ainda assim, estamos em crer que a revisão em baixa das metas estará alinhada com o decréscimo das retomas”. Ou seja, “será possível serem cumpridas” as metas de reciclagem mas só se as mesmas forem revistas em baixa. “As metas de reciclagem de embalagens são aferidas pela colocação de produtos embalados no mercado. Na situação em que vivemos, com o abrandamento acentuado de diversos setores de atividade e consequentemente com a quebra das vendas, as metas serão forçosamente mais baixas do que seria expectável” frisa o responsável.
Ana Isabel Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, opta por uma abordagem mais otimista: “Portugal tem estado a seguir um bom caminho no que diz respeito ao cumprimento das metas de reciclagem de embalagens. É disso exemplo a taxa de reciclagem específica de embalagens de plástico que atingiu os 44,4%, superando assim as metas europeias para 2020. Contudo, nesta fase de pandemia a prioridade no setor está em acautelar todas as medidas necessárias à segurança da população e dos trabalhadores do setor”.
Para isso, sublinha, importa dar a conhecer aos cidadãos duas regras que agora são básicas: todos os resíduos produzidos em casas com casos de infeção ou suspeita de contaminação devem ser colocados no lixo comum, sendo que saco do lixo não deve ser completamente cheio e deve ser colocado dentro de outro saco; luvas, máscaras e os lenços de papel (mesmo sem estarem contaminados) devem ser sempre colocados no lixo comum e não no ecoponto ou na sanita.
Uma coisa é certa, garante a CEO da Sociedade Ponto Verde: “O sistema de gestão de resíduos mantém-se ativo, com os trabalhadores do setor, por todo o país, a desempenhar o seu papel diariamente quer na sua recolha quer na limpeza das ruas. Continua a funcionar, mas está, naturalmente, a adaptar-se à atual realidade, tal como a grande maioria dos serviços no nosso país”. Daqui deriva a adaptação dos serviços de recolha seletiva disponíveis (como é caso da suspensão temporária da recolha porta-a-porta em Lisboa). Ana Isabel Trigo Morais deixa a recomendação: “Aconselhamos que a população esteja atenta às medidas adotadas por cada Câmara Municipal e/ou Sistema de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) da sua área de residência – cuja lista está disponível no site da APA”.
Quanto à incineração e deposição em aterro, não é o cenário ideal, mas o necessário neste momento. “Embora a reciclagem tenha posição privilegiada na hierarquia da gestão de resíduos, a incineração é ainda uma forma de valorização energética dos resíduos. Opções como as referidas (incineração, aterros) são excecionais e estão como tal a ser utilizadas como soluções neste momento excecional para Portugal, em que o mais importante, nesta fase, é conter e reverter o cenário de pandemia”, rematou a CEO da Sociedade Ponto Verde.
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