UTAO, BdP e TdC pedem separação da despesa Covid e não-Covid. Porquê?
As instituições que acompanham as finanças públicas pedem que haja uma separação clara entre a despesa relacionada com a pandemia e a restante. O objetivo é tornar possível o escrutínio público.
“Guardem o recibo”. Este foi o aviso feito pelo Fundo Monetário Internacional no Fiscal Monitor quando avançou com previsões para os défices orçamentais deste ano. A ideia é que seja possível haver escrutínio público dos gastos públicos relacionados com a pandemia, separando-os dos demais gastos, até porque a fatura terá de ser paga no futuro. Em Portugal, o alerta já foi dado pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), pelo Banco de Portugal (BdP) e pelo Tribunal de Contas (TdC).
“A nossa mensagem é: gastem tanto quanto puderem, mas guardem os recibos. Não queremos que a contabilidade e a transparência sejam relegadas nesta crise“, disse a diretora-geral do FMi, Kristalina Georgieva, numa teleconferência de imprensa do FMI sobre as Perspetivas Económicas Mundiais.
Em Portugal, o primeiro aviso chegou pela mão da UTAO. Na primeira análise que fizeram ao Programa de Estabilidade 2020, os técnicos do Parlamento endereçaram um pedido público ao Ministério das Finanças para, “em nome da transparência e da boa gestão das finanças públicas”, avançarem com uma “inovação no registo contabilístico que promova a segregação do relato financeiro das medidas Covid-19”.
“Mandam a transparência e a boa gestão das finanças públicas que não se corra o risco de diluir nos mesmos agregados, sem segregar, a execução do que é política Covid-19 com o que é a execução de todas as demais operações económicas em que as administrações públicas intervêm”, argumentava a entidade liderada pelo economista Rui Nuno Baleiras, assinalando o perigo de se encobrir gastos “normais” no esforço relacionado com a crise pandémica.
O mesmo alerta foi dado pelo ainda governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, cujo mandato vai terminar em breve, com o argumento de esta segregação iria ajudar à compreensão dos mercados financeiros face à situação financeira dos Estados. “Tem de ficar claro que há uma segregação de dívida que resulta de um facto particular, que não é recorrente e que vai ser absorvido de forma determinada por uma afetação de receitas futuras ao longo de um período longo, e assim o mercado compreende”, afirmou à Lusa.
E vai mais longe na recomendação: “O orçamento de 2021 não deve ter por base o orçamento de 2020 mais o retificativo, deve ter por base o orçamento de 2019 e deve ficar lá uma categoria à parte” para os gastos relacionados com a pandemia, que é um “orçamento de resposta ao meteorito que nos atingiu“. Esta seria uma forma de evitar “tentações de tomar o défice de 2020 como métrica dos défices seguintes” junto dos investidores.
Carlos Costa também considera que esta segregação é importante para “impedir que haja uma gestão irracional das finanças públicas no futuro, porque se vão confundir questões que resultam do choque com questões correntes”, acrescentando que isso “não significa política austeritária”, mas “apenas consolidação das finanças no horizonte que já vinha de trás”.
Na semana passada, o Tribunal de Contas juntou-se neste apelo no relatório sobre os “Riscos na utilização de recursos públicos na gestão de emergências”: “Conhecer a dimensão e o impacto financeiro das medidas associadas à crise é importante por razões de transparência e de boa gestão financeira bem como de calibração, acompanhamento e avaliação das próprias medidas“, argumentava a entidade liderada por Vítor Caldeira, para de seguida criticar “algumas situações que dificultam a mensuração rigorosa”.
Segundo o TdC, não há normas contabilísticas ou de informação financeira que permitam a classificação desagregada das despesas ou impactos relacionados com políticas ou medidas específicas” nem identificação e quantificação de medidas que implicam perda de receita. Além disso, não há contabilização “adequada” das dotações e injeções de capital de empresas públicas reclassificadas.
Até ao momento, a Direção-Geral do Orçamento emitiu uma circular em abril onde apelava à evidenciação das dotações e das despesas relacionadas com a Covid-19, criando duas novas medidas contabilísticas: “Contingência Covid 2019 – prevenção, contenção, mitigação e tratamento” e a “Contingência Covid 2019 – garantir normalidade”. Ainda assim, o Tribunal de Contas alerta para “os riscos de que a desagregação da informação financeira associada às medidas Covid-19 possa não ser total, uniforme e verificável“.
O ECO questionou o Ministério das Finanças sobre se irá seguir as recomendações destas instituições, mas não recebeu resposta até ao momento.
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