Jorge Miranda e Bacelar Gouveia contrariam Governo. Deputados podem propor aumento de despesa no OE Suplementar
Os constitucionalistas Jorge Miranda e Bacelar Gouveia entendem que o Parlamento pode propor um aumento de despesa no âmbito do Orçamento Suplementar porque se trata de uma lei de caráter reforçado.
O Governo enviou para a Assembleia da República um parecer que determina que os deputados, no âmbito da discussão da proposta de Orçamento Suplementar, não podem aprovar medidas que impliquem uma redução da receita ou um aumento da despesa. Mas, nem todos os constitucionalistas concordam com esta posição. Jorge Miranda e Bacelar Gouveia, contactados pelo ECO, são muito claros na sua análise: o Orçamento Suplementar tem um estatuto idêntico ao do Orçamento do Estado e, como tal, os deputados podem propor aumentos de despesa.
“Quando há um Orçamento em vigor e há uma lei qualquer, não orçamental, que aumente a despesa, não há menor dúvida que se trata de uma inconstitucionalidade. Agora se é um Orçamento Suplementar, que tem a natureza de Orçamento, não vejo que haja aí qualquer inconstitucionalidade. Os deputados em face das mudanças ou das vicissitudes económicas e financeiras, podem perfeitamente aumentar ou diminuir as despesas. Um Orçamento Suplementar é ainda uma lei orçamental, não é uma lei ordinária qualquer”, explica Jorge Miranda.
Caso de tratasse de uma lei “de apoio às universidades ou à TAP, tal não seria possível”, exemplifica o constitucionalista, muitas vezes apelidado de pai da Constituição. O Orçamento Suplementar é, na sua opinião, “uma lei equiparável à lei Orçamental originária”. “Não vejo que haja aí qualquer problema, os deputados podem propor aumento de despesa“, conclui.
Para ambos os constitucionalistas, neste caso, não se aplica a norma-travão inscrita na Constituição no número 2 do artigo 167º que defende que não pode haver alterações que impliquem o aumento de despesa em relação ao orçamentado, tal como defende o parecer pedido pela Secretaria de Estado da Presidência de Conselho de Ministros ao Centro de Competências Jurídicas do Estado e que foi entregue na sexta-feira no Parlamento, como revelou Marques Mendes no seu comentário semanal na Sic. Um parecer a que o ECO teve acesso.
“Não estou de acordo com o Governo”, diz Bacelar Gouveia, justificando a sua oposição com o facto de, neste caso, não se aplicar a norma-travão, exclusiva para leis não orçamentais. Se assim não fosse, “então a Assembleia da República nunca poderia fazer nada”.
“As regras determinam que a iniciativa é sempre de fora, do Governo, mas assim que entra, a entidade que delibera tem todo o direito de aumentar ou diminuir a despesa como muito bem entender”. O que o artigo da Constituição salvaguarda é que “não o pode fazer fora do ambiente do Orçamento, de forma avulsa”. Mas, “este é o segundo processo orçamental, é como se fosse um orçamento inicial”. “Esta norma nunca se pode aplicar a iniciativas orçamentais, seja Orçamentos Suplementares ou Retificativos”, concluiu Bacelar Gouveia.
Bacelar Gouveia estranha ainda o facto de o Executivo querer limitar este direito a “um órgão titular da soberania, onde se decidem os destinos do país”.
Em cima da mesa está uma proposta de Orçamento que prevê uma quebra de 9,1% das receitas para 86,6 mil milhões de euros e um aumento da despesa em mais 4,39 mil milhões face ao Orçamento apresentado em dezembro. Por isso, o Executivo quer travar o ímpeto dos deputados de apresentar propostas mais despesistas que poderiam elevar a fasquia do défice além dos 6,3% do PIB e da dívida pública acima dos 134,4%, previstos no documento entregue a semana passada.
Entendimento diferente tem Tiago Duarte. O constitucionalista que fez a sua tese de doutoramento sobre esta matéria defende o ponto de vista de Carlos Blanco de Morais, o autor do parecer pedido pelo Executivo. Admite que seja “discutível” que no caso de um Orçamento Suplementar os deputados não possam propor um aumento de despesa, mas essa proposta terá sempre de ser inferior à sugerida pelo Executivo. Em causa está um aumento de despesa face ao Orçamento inicial, mas é menor face à proposta apresentada pelo Executivo.
Num exemplo simplista, Tiago Duarte sublinha que se o Executivo sugere aumentar a despesa na Saúde de 100 para 500, os deputados poderão propor que o aumento seja apenas de 400. Mas também lhes está vedado sugerir que esse aumento fosse feito, por exemplo, na Educação, ainda que fosse inferior ao sugerido. Além disso, “a Constituição não prevê medidas compensatórias. O aumento tem de ser na mesma rubrica sugerida pelo Governo”, conclui.
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