Pacote anticorrupção de Costa avança apesar do atraso provocado pela pandemia
Separação de megaprocessos, tribunais especializados em corrupção e colaboração premiada são algumas das medidas que seguirão brevemente para consulta pública.
O pacote anticorrupção do Governo vai mesmo avançar. Depois da fase de audições em que se encontra, seguirá para consulta pública. Apesar da pandemia — e do atraso que acabou por causar — António Costa e Francisca Van Dunem não desistiram de levar por diante questões como a separação de megaprocessos, juízos especializados em corrupção e colaboração premiada. “Estamos em audições, seguindo depois a proposta para consulta pública”, garantiu ao ECO fonte oficial do gabinete da ministra da Justiça.
Desta feita, o primeiro-ministro insiste no que chamou de “estratégia nacional de combate à corrupção”, numa altura em que já se antecipa que o verão vai ser quente na área da Justiça. E com alguns contornos políticos. Para além do regresso da fase de instrução da Operação Marquês — que envolve o ex-primeiro ministro socialista, José Sócrates, em suspeitas de corrupção –, também o processo EDP conta como arguido o ex-ministro da Economia do mesmo Governo socialista, Manuel Pinho, suspeito de seis crimes, entre eles dois de corrupção passiva. Os arguidos deste processo — entre eles António Mexia — conhecerão na próxima semana as medidas de coação a que estarão sujeitos. Para o mês de julho espera-se ainda a acusação de um dos maiores e mais longos processos em fase de inquérito do universo GES, com Ricardo Salgado como principal arguido.
Outra acusação que estará para breve, segundo avançou esta terça-feira a TVI, será a de Teixeira dos Santos, Carlos Costa Pina, Mário Lino, António Mendonça e Paulo Campos – todos ex-ministros e secretários de Estado de Sócrates – que por estes dias estão a ser chamados à vez para interrogatórios na Polícia Judiciária, presididos pelo juiz Carlos Alexandre. Em causa o processo das Parcerias Público-Privadas (PPP) rodoviárias, cuja investigação começou há nove anos e que aponta que as renegociações dos contratos terão lesado o Estado em mais de 3 mil milhões de euros nos acordos que celebraram com as concessionárias de 11 autoestradas, entre 2009 e 2011.
O pacote apresentado por Francisca Van Dunem em dezembro passado, começou logo por causar algum frenesim na classe política e jurídica num ponto específico: colaboração ou delação premiada. Apesar de já constar na lei, esta requer alterações para ser mais fácil de aplicar, explicou na altura a titular da pasta da Justiça.
E o que é a delação premiada?
Delação premiada” é um termo importado do Brasil, embora seja também aplicado nos Estados Unidos e Reino Unido. É um mecanismo usado no processo penal onde passa a ser permitido premiar suspeitos envolvidos em atividades criminosas, se estes colaborarem com a Justiça na investigação desses crimes. No Brasil, esse prémio inclui não só uma potencial redução ou até dispensa da pena (negociada com o Ministério Público), mas inclusivamente um prémio financeiro, pago a partir dos ativos que se recuperarem em resultado das investigações.
Basta recuar no tempo seis anos e apontar a Operação Lava Jato como uma das primeiras — sendo muito mediática — a usar esse mecanismo. Os acordos nesse processo surgiram em 2014 com o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, seguido de Alberto Youssef e de dezenas de suspeitos. No total, através desta ‘negociação’ com os delatores da Lava Jato, o Estado brasileiro conseguiu a devolução de 3,83 mil milhões de reais (647,28 milhões de euros), desde o início da investigação.
Em Portugal, o que está em causa não é a existência destes prémios financeiros a pessoas envolvidas em atos de corrupção, por mais que colaborem para a descoberta da verdade. Mas sim uma atenuação da pena a quem colabore de forma eficaz com a Justiça. E apenas em casos de combate ao crime organizado, incluindo a corrupção e os crimes conexos. Por isso, o termo mais correto é o da “colaboração premiada” ou “acordos de sentença”.
O que quer o Governo?
Para isso, logo no final do ano foi criado um grupo de trabalho sobre a tutela de Van Dunem, constituído por académicos e representantes do Ministério Público, do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho de Prevenção da Corrupção e da Polícia Judiciária. Cujos trabalhos acabaram por ficar atrasados, devido à propagação da Covid-19 e consequente estado de emergência.
Contudo, tal como está concebida na lei, torna-se difícil de aplicar, uma vez que impõe um prazo de 30 dias entre a prática do crime de corrupção e o momento em que a denúncia é feita. Assim, a forma de introduzir uma melhoria passa por retirar da lei a existência desse prazo para a denúncia. A ideia é contrariar as condenações irrisórias pelo crime de corrupção, devido à dificuldade da prova.
Mas há ainda outros entraves como o facto de a lei não dar as devidas garantias a quem opte por denunciar o crime. Nas mudanças que deverão ser feitas, será mantida a possibilidade de o juiz reduzir a pena ao denunciante. Assim, ser-lhe-ão dadas garantias, isto sem que seja posto em causa, nem sacrificado, o princípio da presunção de inocência.
Outras das medidas que serão apresentadas é a separação dos megaprocessos em vários mais pequenos. O objetivo é desmontar os processos por forma a evitar os “casos gigantes”, como o caso BES ou a Operação Marquês.
O Ministério da Justiça quer também que seja feita uma alteração à legislação em vigor, no sentido de criar juízos especializados em crimes de corrupção.
A juntar à já existente possibilidade de os arguidos beneficiarem da suspensão provisória do processo, através da aplicação de uma injunção para o pagamento do que é devido ao Estado, poderá ainda ser possível criar um acordo negociado de sentença, isto é, o arguido admite o crime e a culpa, dispõe-se a devolver o produto conseguido através do crime económico e em contrapartida o juiz propõe uma pena efetiva reduzida.
O que é que já está previsto na lei portuguesa?
Na alteração de 2017 à chamada lei da corrupção no fenómeno desportivo, a Assembleia da República aprovou um regime próximo à delação premiada, ao ficar consagrado que as penas podem ser atenuadas “se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisiva para a identificação ou a captura de outros responsáveis”.
Esta figura está igualmente prevista no Código Penal para o crime de corrupção ativa, prevendo-se também uma “pena especialmente atenuada” ao agente do crime que “até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância, auxiliar concretamente na obtenção ou produção das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis”. Também no regime das contraordenacional da Autoridade da Concorrência está previsto um “regime de clemência”.
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