Plano de Recuperação de Costa está feito à medida de Bruxelas
O Governo revelou mais pormenores sobre o Plano de Recuperação e Resiliência, cujo esboço terá de entregar até 15 de outubro. Para já, do que se sabe, o plano encaixa nas regras da Comissão Europeia.
“Não é um cheque, é um contrato com a União Europeia”. Foi assim que o primeiro-ministro resumiu esta terça-feira a forma como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) tem de estar alinhado com as regras europeias, dando ênfase ao facto de ter de haver metas específicas e uma monitorização constante para que o dinheiro seja libertado. Do que se sabe, o esboço do PRR encaixa nas regras que a Comissão Europeia já revelou.
“Este programa tem um sistema de gestão que nada tem a ver com o dos fundos comunitários normais”, avisou António Costa, explicando que “cada um destes investimentos tem de estar inserido numa reforma que tem de ter metas, calendários e objetivos”. A chegada do dinheiro a Portugal estará, portanto, depende do cumprimento das metas a que o país se propõe, o que o chefe do Governo entende ser uma “enorme oportunidade”, mas também uma “gigantesca responsabilidade”.
Na prática, isto significa que, por exemplo, “não vamos investir em novas respostas sociais só como medidas de ativação social em situação de crise ou de desemprego”, disse Costa, referindo que esse investimento nas “respostas sociais tem de ter uma capacidade transformadora da realidade social”.
Na apresentação que fez ontem aos partidos, o Governo já admitia a “necessidade de alinhamento com as disposição regulamentares [europeias] do Mecanismo de Recuperação e Resiliência Europeu (ainda em discussão)”. E o que está em parêntesis não é um pormenor: como ainda não há um acordo final — falta o “sim” do Parlamento Europeu, que está a negociar com o Conselho Europeu (Estados-membros) e a Comissão Europeia –, o desenho final poderá ser diferente do divulgado por Bruxelas na semana passada.
Porém, é possível já perceber se os planos do Governo português estão em linha com as regras anunciadas pela Comissão Europeia, as quais não deverão sofrer grandes alterações. Desde logo, o Executivo alinhou as suas prioridades com as europeias: o plano divide-se entre a resiliência, a transição climática e a transição digital, contribuindo para o “crescimento potencial e a criação de emprego”, o que encaixa nas prioridades e orientações definidas pelas instituições europeias.
Além disso, toca nos pontos identificados pela Comissão nas recomendações específicas por país de 2020, outro dos critérios que os técnicos de Bruxelas usarão para avaliar os planos nacionais, cujo esboço terá de ser entregue até 15 de outubro. Foram sete as recomendações divulgadas maio e todas se encaixam nas medidas agora anunciadas. Por exemplo: a recomendação de “reforçar a resiliência do sistema de saúde” encaixa-se no bloco da resiliência, dentro das “vulnerabilidade sociais”, com os milhões que serão investidos na rede nacional de cuidados continuados e nos cuidados de saúde primários.
Mais em concreto, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, comprometeu-se no discurso do Estado da União a dedicar 37% das verbas para a recuperação em despesa relacionada com a transição climática e 20% na transição digital. Apesar do bloco da transição climática só ter ficado com 21% das verbas totais (2,7 mil milhões em 12,9 mil milhões de euros) no plano português, Costa garantiu que há medidas dos outros blocos — como as intervenções com vista a colmatar os incêndios — que também são “elegíveis” para serem classificadas como promotoras da transição climática. Já o montante destinado à transição digital (3 mil milhões em 12,9 mil milhões de euros, cerca de 21%) até ultrapassa a percentagem definida a nível europeu.
O dinheiro que é canalizado para a digitalização da Função Pública também está em linha com a prioridade da Comissão Europeia de “modernização” com a “digitalização da Administração Pública e dos serviços [públicos], incluindo a Justiça e a Saúde”, tal como o Governo define, sendo que este acrescenta a Segurança Social nas suas prioridades. No documento, a Comissão Europeia também explica que o investimento não tem de ser em obras públicas uma vez que o conceito de reforma é mais lato, incluindo investimentos intangíveis (software ou I&D, por exemplo), nas qualificações dos recursos humanos ou reformas para melhorar o funcionamento dos mercados.
Contudo, os técnicos poderão ter dúvidas sobre outros aspectos que ainda não são claros no que se sabe do PRR português, nomeadamente sobre se outros investimentos previstos são neutros em termos ambientais (o princípio “do no harm“) — outra das exigências europeias –, ou sobre a distribuição dos montantes face às prioridades definidas. O “diabo” poderá estar nos pormenores quando se discutir metas, prazos e calendários, até porque a Comissão Europeia exige um nível de detalhe bastante elevado, como demonstra este “template” para o PRR divulgado também na semana passada.
Este alinhamento com as regras europeias do Fundo de Recuperação europeu é importante uma vez que a Comissão Europeia irá avaliar o plano nacional cuja versão final terá de ser entregue pelo Governo até abril do próximo ano. Posteriormente, essa avaliação será alvo de discussão e votação no Conselho Europeu, órgão que reúne os Estados-membros da UE, para que os planos possam ser executados.
Como vai funcionar a relação entre as metas e a chegada do dinheiro?
Haverá metas e prazos para cumprir, os quais devem ser “claros, realistas, bem definidos, verificáveis e diretamente determinados ou influenciados por políticas públicas”, segundo a Comissão Europeia. Após a conclusão das metas e dos prazos acordados entre as duas partes, o Estado-membro poderá apresentar um pedido à Comissão para receber o apoio financeiro, neste caso na forma de subvenções, ou seja, a fundo perdido. Para tomar a decisão sobre a libertação da verba, a Comissão Europeia irá preparar uma avaliação e pedirá a opinião do Comité Económico e Financeiro, órgão que reúne técnicos da Comissão, dos bancos centrais e dos países.
“Em circunstâncias excecionais, quando um ou mais Estados-membros considera que há desvios sérios do cumprimento satisfatórios das metas e prazoes relevantes de outro Estados-membros, podem pedir ao presidente do Conselho Europeu para discutir o tema na próxima reunião“, explica a Comissão, referindo-se ao travão de emergência que foi aprovado no acordo de julho entre os Estados-membros. Tal poderá levar a que durante no máximo três meses os pagamentos sejam suspensos, o que poderá levar a atrasos (e já se sabe que o calendário é apertado e que os fundos perdem-se se não forem contratados até 2023 e executados até 2026).
Após estes procedimentos, a Comissão Europeia irá tomar uma decisão sobre a libertação das verbas. Caso o Estado-membro não cumpra “satisfatoriamente” com as metas e os prazos com que se comprometeu, a Comissão irá suspender todo ou parte do pacote financeiro desse país.
A expectativa de Bruxelas é que possa começar a libertar os fundos “no primeiro semestre de 2021”, mas ainda há muitos passos até lá chegar. O Conselho Europeu terá de aprovar a legislação relativa aos recursos próprios (e ao famoso “headroom“), a qual terá de ser viabilizada também em vários Parlamentos nacionais. Só depois é que a Comissão poderá ir aos mercados endividar-se em nome da UE, transferindo posteriomente o pré-financiamento de 10% do pacote financeiro para os Estados-membros, tal como ficou acordado no Conselho Europeu de julho.
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