Bancos verdes não podem financiar emissões poluentes, diz Matos Fernandes
Na abertura do ciclo de conferências “Empowering Sustainable Growth”, promovido pela Euronext Lisbon e pela AEM, Matos Fernandes disse que "a ligação entre ambiente e economia é cada vez maior".
Os bancos têm de olhar mais para a indústria nacional e seguir os seus esforços de descarbonização, deixando de financiar projetos que promovem emissões poluentes, e o mercado de capitais “tem de ser muito exigente nos investimentos que faz”. Estes foram os dois grandes desafios deixados pelo ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, na abertura do ciclo de três conferências digitais “Empowering Sustainable Growth”, promovido pela Euronext Lisbon e pela AEM – Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado.
Dedicada ao tema “A reconstrução da economia: novos dilemas da sustentabilidade”, a primeira conferência teve lugar esta terça-feira, 22 de setembro, e contou com a presença do ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, como keynote speaker. No painel de debate estiveram também Filipe Santos, dean da Católica SBE e Miguel Maya, CEO do BCP e Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisbon
“A ligação entre ambiente e economia é cada vez maior. Quando se fala de sustentabilidade, economia circular ou descarbonização, fala-se de investimentos, mas não só. É isso que estamos à espera do setor financeiro. As empresas, independentemente do setor, têm de ser avaliadas pelos seus critérios de compromisso para com a sustentabilidade e a governance“, disse o ministro na sua intervenção inicial, deixando bem claro: “Um banco não pode querer ser verde e apoiar projetos que não o são. Tem de se orgulhar das suas contas, mas também dos investimentos verdes que apoiou e ser transparente sobre os que deixou de apoiar. O mercado de capitais tem de se orientar para novos produtos sustentáveis. Temos de deixar de financiar investimentos em combustíveis fósseis, indústria extrativa tradicional, e outros que promovam emissões”.
Matos Fernandes apontou como um bom exemplo a indústria portuguesa e o seu “evidente” compromisso para com a descarbonização. No entanto, acrescentou, “o elogio que faço à indústria, não consigo fazer ainda ao setor financeiro. O novo contexto mundial vai fazer com que novos investimentos surjam e isso será provocador para o mercado de capitais. O mercado de capitais não pode ter “boa boca”. Tem de ser muito exigente nos investimentos que faz. Se aceitar projetos que são muito castanhos ou cinzentos, a situação vai piorar e a bomba vai rebentar-lhe na mão. As empresas e as famílias dependem do setor financeiro e do mercado de capitais para fazer investimentos”, disse o ministro.
Sustentabilidade e economia não são incompatíveis, diz ministro
Logo na abertura da conferência, Abel Sequeira Ferreira, diretor executivo da AEM, tinha já desafiado o governante responsável pela pasta do Ambiente a dinamizar o mercado de capitais, ao que Matos Fernandes reconheceu que “há uma forte expectativa sobre o contributo que as questões ambientais e da sustentabilidade podem dar para a economia e, como uma parcela muito significativa do investimento a ser feito é privado, seja das empresas e ou das famílias, o mercado de capitais tem de ter uma importância grande”.
“Os projetos mais complicados de pôr em prática, e que são transformacionais, estão nas mãos da esfera privada. Temos mais dificuldade em promover estes projetos em áreas como a bioeconomia, a descarbonização da indústria, a transformação do setor da distribuição alimentar, do e-commerce e da logística urbana. Estamos a definir novas estratégias, setor a setor”, revelou.
Na opinião do ministro, o reforço da sustentabilidade e a necessidade de a economia crescer já não são incompatíveis e apresentou números para o provar: em 2019 a economia portuguesa cresceu 2,2%, acima da média na zona euro, e as emissões do país reduziram 8,7%, enquanto a UE só conseguiu reduzir 4,3% das suas emissões. “No pós-pandemia a economia tem de crescer, mas não como fez até aqui. Temos de construir um modelo em que o PIB cresce mas de forma hipocarbónica. Nos três cenários que estudámos para sermos neutros em carbono em 2050, o que nos dá mais garantias é aquele em que a economia mais cresce, gerando mais riqueza e mais emprego qualificado. Isso implica um investimento extra calculado em dois mil milhões de euros por ano, do qual 85% é investimento privado”, rematou Matos Fernandes.
Em resposta direta ao ministro, Miguel Maya, CEO do Millennium bcp, lembrou que “o setor financeiro está exposto a grandes riscos, por causa das alterações climáticas e ambientais que têm um impacto direto no valor dos ativos dos bancos, sem esquecer os riscos de transição. Ou seja, damos crédito às empresas, mas se elas não fizerem também um esforço de adaptação e transição vão deixar de ser competitivas e esses ativos perdem-se”.
Sobre a recuperação verde da economia num cenário pós-Covid-19, o banqueiro reconhece que “a mera retoma do PIB para os níveis anteriores não é um objetivo ambicioso porque não dá garantia de futuro. Temos de aproveitar este momento para mudar. E não há tempo para uma transição progressiva, vamos ter de queimar etapas, fazer bem e depressa. A recuperação do PIB assente no modelo anterior não garante a sustentabilidade da retoma, nem a melhoria da qualidade de vida das pessoas, nem o sucesso das empresas”.
Miguel Maya sublinhou ainda o papel da banca de “transformar poupanças em investimento, para aplicar no crédito à economia” e manifestou vontade de “apoiar as empresas na emissão de green bonds, como é o caso da EDP,”. Para isso, o banco criou já um novo centro de competências para conseguir chegar a mais empresas e levá-las ao mercado de capitais. “O BCE já disse que vai incluir obrigações verdes no seu programa de compra privada, e isso vai ter impacto na capacidade de baixar preços das emissões de dívida verde e criar incentivos para que empresas vão para o mercado. Até agora as green bonds tinham o mesmo preço, mas com mais trabalho de reporte. Agora há mais incentivo vindo do BCE e o preço baixa porque há liquidez”, explicou o CEO do Millennium bcp.
Falta vontade política de criar preço para o carbono
Abel Sequeira Ferreira, diretor executivo da AEM, voltou a frisar que as empresas cotadas têm estado sempre na “linha da frente” e a importância de construir em Portugal uma agenda para o desenvolvimento do mercado de capitais, que deverá ter um papel vital no financiamento da transição para uma economia mais resiliente e mais sustentável. “Este desafio, se já era enorme antes, ganhou agora dimensões colossais. Os volumes de financiamento e de capital necessário para esta transformação não podem prescindir dos mecanismos de mercado. Contamos com o Governo para facilitar os processos, minimizar custos para empresas e famílias, para criam ambiente regulatório mais flexível e dessa forma assegurar a competitividade e inovação das empresas”, disse.
Do lado do mercado de capitais, Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisbon, garantiu que os grandes investidores mundiais já deixaram claro que até 2023 terão todas as suas carteiras com critérios de sustentabilidade. “Cabe ao mercado criar novos instrumentos para que isso possa ser uma realidade. Só é possível se as empresas que tenham investimentos cotados em mercado sejam mais transparentes e comuniquem melhor indicadores de sustentabilidade”, disse a responsável, acrescentando: “As obrigações verdes têm vindo a ganhar popularidade nos últimos dois anos. A Euronext já era um dos maiores centros de listing de green bonds na Europa e no mundo, com mais de 160 mil milhões de obrigações cotadas. Em junho alargamos a oferta para mais tipologias de obrigações sustentáveis: sociais, sustentáveis, azuis (economia do mar) e ligadas aos ODS, que financiam atividades e empresas”.
Já Filipe Santos, dean da Católica SBE, garantiu que não há falta de capital para investir e financiar a sustentabilidade. “Entre o privado e o público, há mais capital disponível do que alguma vez houve, à procura de boas oportunidades de investimento. As melhores são as que estão alinhadas com os desafios da sustentabilidade”, disse apontado também baterias para o tema da fiscalidade verde e do preço do carbono. “É uma ferramenta económica poderosa para a transição energética e a descarbonização. Mas parece não haver vontade política de criar a nível global um preço para o carbono que permita ao mercado adaptar-se e investir”, rematou, deixando assim o recado ao Governo.
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