Energias renováveis já custaram 11 mil milhões às famílias portuguesas
Está ainda por pagar uma dívida acumulada com a chamada Produção em Regime Especial no valor de 2,4 mil milhões de euros, mostram os números da ERSE.
Em 2020, mais de um terço do valor que as famílias pagam todos os meses na sua fatura de eletricidade diz respeito aos custos de interesse económico geral (CIEG). De acordo com a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), estes custos pesam assim 37% nos preços pagos pelos clientes, com a maior fatia de todas (26,7%) a dizer respeito ao sobrecusto com a produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis.
Só nos últimos oito anos, os portugueses já pagaram nas suas faturas quase 11 mil milhões de euros por causa deste sobrecusto revelou a ERSE ao ECO/Capital Verde: “O valor total (juros e amortizações) incorporado nas tarifas desde 2012 (o primeiro ano em que parte do sobrecusto da Produção em Regime Especial (PRE) [renováveis] foi adiado ao abrigo da legislação atualmente em vigor) corresponde a cerca de 10.756 milhões de euros”, esclarece fonte da ERSE.
No entanto, sublinha o regulador, este valor deverá ser muito mais elevado, já que “desde o primeiro ano para o qual a ERSE definiu tarifas, 1999, as tarifas de acesso incorporam valores de sobrecusto de PRE”. Este sobrecusto diz respeito ao diferencial do custo da energia adquirida a produtores em regime especial com tarifa fixa, “baseado em acordos estabelecidos no passado quando a energia elétrica estava muito mais cara antes da crise financeira de 2008”, explica Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN).
Em 2019 os consumidores domésticos saldaram 1,3 mil milhões de euros relativos ao sobrecusto com as renováveis, e mais 1,2 mil milhões em 2020. Apesar disso, neste momento está ainda por pagar uma dívida acumulada com a chamada Produção em Regime Especial (PRE) no valor de 2.374 milhões de euros, mostram os números da ERSE.
Tendo em conta este valor acumulado e “os efeitos adversos da crise pandémica”, que impactaram as variáveis tidas em conta no cálculo das tarifas de eletricidade — consumo de eletricidade, preços da energia primária e preços da eletricidade nos mercados grossistas –, o Governo decidiu autorizar a ERSE a adiar os custos com renováveis e assim travar a subida do preço da eletricidade. O objetivo é minimizar as consequências da pandemia de Covid-19 nas faturas dos cidadãos e das empresas.
Em pleno cenário de pandemia, a queda abrupta no consumo de eletricidade em 2020 levou a uma descida dos preços nos mercados grossistas, o que aumentou ainda mais o sobrecusto com as renováveis. Já para as tarifas de energia o efeito foi positivo, com a ERSE a ditar uma descida de 3% em abril. Por outro lado, a quebra do consumo acaba por ter um efeito negativo sobre as tarifas de acesso às redes, que recuperam os custos de interesse económico geral, onde se insere o sobrecusto da PRE.
"Alteração [legislativa] permite que a ERSE possa continuar, como até agora, a proceder ao alisamento do sobrecusto da PRE pelos exercícios tarifários subsequentes (até 5 anos), evitando-se, assim, que este sobrecusto seja integralmente repercutido nas tarifas de eletricidade do próximo ano [2021].”
Com todas estas “pressões adicionais e inesperadas sobre as tarifas do setor energético” previstas para os próximos anos, o mais recente diploma governamental prevê então o “prolongamento da aplicação do mecanismo de alisamento do custo da energia adquirida a produtores em regime especial”. Na prática, isto quer dizer que os sobrecustos com renováveis registados até 31 de dezembro de 2025 podem ser repercutidos de forma faseada nas tarifas ao longo dos anos seguintes.
“Atendendo ao atual contexto, é necessário prorrogar o prazo de aplicação deste mecanismo por forma a evitar uma alteração abrupta nas tarifas de acesso às redes, a qual prejudicaria a estabilidade da trajetória tarifária alcançada nos últimos anos, sem prejuízo de se manter como objetivo a eliminação da dívida tarifária no horizonte temporal mais próximo possível”, pode ler-se no Decreto-lei nº 79/2020, de 1 de outubro.
Ao ECO/Capital Verde, fonte do Ministério do Ambiente e Ação Climática explicou que “esta alteração permite que a ERSE possa continuar, como até agora, a proceder ao alisamento do sobrecusto da PRE pelos exercícios tarifários subsequentes (até 5 anos), evitando-se, assim, que este sobrecusto seja integralmente repercutido nas tarifas de eletricidade do próximo ano [2021], o que, dada a sua expressão atual, iria gerar um aumento significativo das tarifas de acesso às redes”.
Até ao próximo dia 25 de outubro a ERSE vai apresentar a proposta para os preços da eletricidade do ano seguinte, que depois é submetida ao Conselho Tarifário.
De acordo com o Governo, “este alisamento quinquenal não agrava automaticamente a dívida tarifária, havendo outros fatores que concorrem para a sua evolução, designadamente as medidas mitigadoras consignadas ao Sistema Elétrico Nacional, como por exemplo a contribuição extraordinária para o setor elétrico (CESE) e as receitas da venda de licenças de emissão de CO2)”.
A mesma fonte do MAAC esclarece ainda que a medida não tem qualquer impacto para a SU Eletricidade (ex-EDP Serviço Universal) enquanto comercializador do mercado regulado, que deverá continuar a recorrer a “operações de titularização do défice tarifário”. Em julho, a EDP acordou precisamente a venda de 23,4% do défice tarifário de 2020 relativo ao sobrecusto com a produção em regime especial, por 273 milhões de euros. Em março, tinha já anunciado a venda de 70,6% do mesmo défice tarifário – de 2020, com ajustes relativos aos dois anos anteriores, por 825 milhões de euros.
Do lado da APREN, Pedro Amaral Jorge garante que “há muita gente que quer denegrir as renováveis por via do sobrecusto que é pago como parte dos CIEG, que têm muito mais do que a PRE, têm também os contratos de aquisição de energia (CAE) e os custos de manutenção do equilíbrio contratual ( CMEC)”.
“À medida que a procura de eletricidade baixa, o mercado grossista tem aumentado a incorporação de renováveis, e isso faz com que o preço médio baixe. Ou seja, a tarifa ao cliente também baixa. Os CIEG incluem o sobrecusto da PRE, que mais não é do que o diferencial de custo baseado em acordos estabelecidos no passado quando a energia elétrica estava muito mais cara antes da crise financeira de 2008”, defende o presidente da APREN, sublinhando que as renováveis representaram quase 70% da produção em Portugal nos primeiros seis meses do ano, “o que fez com que baixasse o preço da eletricidade”.
E explica porquê: “As renováveis quando entram no mercado grossista baixam o preço médio da eletricidade, e por outro lado Portugal poupa o pagamento das licenças de emissão ao estar a produzir energia renovável em vez de fóssil. Estes dois efeitos reduzem o preço da eletricidade, mas só olham para as renováveis nos CIEG e este outro efeito positivo na fatura também tem de ser contemplado”, remata.
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