Os quatro nós que faltam desatar para OE de Costa passar no Parlamento
Com o voto contra do PSD garantido, o Governo precisa mesmo dos seus habituais parceiros para que o Orçamento do Estado para 2021 passe no Parlamento. Eis os nós que ainda falta desatar.
António Costa já tinha dito que o Governo acabava se fosse depender do PSD para aprovar o Orçamento do Estado, mas esta quarta-feira Rui Rio afastou esse cenário: o PSD vai mesmo votar contra o Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021), pelo menos com esta proposta do Executivo entregue a 12 de outubro. Assim, sobe a pressão sobre o PS e os seus parceiros parlamentares para chegarem a acordo. As reuniões desta semana serviram para alguma aproximação e reduzir a crispação do discurso, mas continuam a existir divergências.
A luta mediática tem sido intensa entre BE e PS, mas PCP e PAN também definem obstáculos à proposta do Governo. As garantias que o Executivo possa dar nos próximos dias sobre a fase da especialidade poderão ser fulcrais para o sentido de voto na primeira votação na generalidade, cuja viabilização permitirá que o OE seja discutido no Parlamento, sendo alvo de propostas dos partidos. O BE deverá tomar a decisão a 25 de outubro, o PAN pela mesma altura, embora não haja data definida, e o PCP não abre o jogo.
A votação acontecerá a 28 de outubro, após dois dias de discussão no plenário, já o voto contra do PSD, CDS e IL garantido. Até lá, a calculadora da matemática parlamentar irá ser usada pelo Governo que precisa da abstenção do BE ou, em alternativa, da abstenção do PCP, PEV e PAN em conjunto. Um voto favorável dos deputados comunistas poderia bastar, mas esse cenário está longe de acontecer. Segundo o Público, o cenário em cima da mesa em São Bento é que o BE concretize o voto contra, mas que o OE possa ser salvo pelo PCP, PEV e PAN.
Novo Banco e proibição de despedimentos para empresas com lucro
O PCP não traça uma linha vermelha e o PAN gostaria que houvesse uma renegociação do contrato, mas é a reivindicação do BE que tem estado no centro do debate: os bloquistas querem que não haja nenhum empréstimo do Fundo de Resolução para o Novo Banco. Ainda na reunião desta terça-feira o Governo voltou a recusar essa hipótese, segundo o bloquista Pedro Filipe Soares, argumentando que viola o contrato assinado com a Lone Star em 2017. São 476,6 milhões de euros (0,1% do PIB a mais no défice) que dividem o Executivo e o BE.
Outra nega que o Governo deu ao BE na reunião desta terça-feira foi a proibição de despedimentos exigida pelos bloquistas. Executivo recusa-se a proibir os despedimentos nas empresas com lucros que recebam algum tipo de apoio do Estado, tendo optado por as obrigar a devolver os apoios caso avancem esse tipo de medidas. Dificilmente haverá avanços nesta área uma vez que o Executivo considera que já fez a aproximação necessária ao BE.
Contratações líquidas para o SNS, novo apoio social e outras medidas
Estas são duas áreas onde pode haver avanços nos próximos dias. O Governo fez contra propostas, alargando do período de execução no novo apoio social extraordinário e fixando um calendário para as contratações do SNS. A bola está agora do lado dos partidos que estão a analisar o que foi apresentado. Na saúde, a exigência é que a contratação de 4.200 profissionais seja líquida, ou seja, tenha em conta as saídas, compensando-as, e que haja obrigação do Governo cumprir metas de contratação. Os partidos têm criticado o Executivo por estar a anunciar sempre as mesmas contratações e por não cumprir o acordado em orçamentos anteriores.
No caso do novo apoio social (que vai custar 450 milhões de euros), o desenho atual, segundo o BE, é mais penalizador do que os apoios que existem atualmente. Os bloquistas consideram que, com esta proposta, há trabalhadores que poderão ficar abaixo do limiar da pobreza (pouco mais de 500 euros). O Governo já admitiu abertura para negociar na especialidade mudanças a este novo instrumento, nomeadamente prolongando a sua execução além dos seis meses inicialmente previstos.
No caso do PCP, Jerónimo de Sousa deixou claro que o aumento de seis a dez euros está “distante na abrangência e extensão da aplicação do que o PCP defende“. O subsídio de risco para os profissionais de saúde também merece críticas por deixar de fora outros trabalhadores da “primeira linha” de combate à pandemia. Há outras medidas que os comunistas consideram de “limitadas” como a gratuitidade das creches até ao segundo escalão, o aumento do valor mínimo do subsídio de desemprego, as contratações de funcionários públicos, entre muitas outras.
O PAN também notou que houve avanços nas bandeiras do partido, nomeadamente com a duplicação da verba de cinco para dez milhões de euros para os centros de recolha oficial de animais, campanhas de esterilização e hospitais veterinários públicos e ainda “alguns avanços” no programa Universidade Segura e em questões ambientais. Contudo, segundo o Público, não houve acordo sobre uma tara a aplicar às máscaras descartáveis, por exemplo, entre outras medidas reivindicadas pelo PAN como o fim da isenção do ISP para o setor da aviação e marítimo.
Medidas do passado por concretizar
É uma questão transversal a todos os partidos que negoceiam o Governo: BE, PCP e PAN queixam-se que o Executivo assume compromissos nos orçamentos, nomeadamente no OE 2020, que depois não cumpre ao longo do ano. O Governo tem concretizado algumas dessas medidas nas últimas semanas, ao mesmo tempo que negoceia o Orçamento do próximo ano, mas os partidos exigem mais. O BE foi o partido mais vocal nestas exigências durante o verão, tendo o Executivo cumprido algumas medidas como o fim do fator de sustentabilidade para as profissionais de desgaste rápido e a redução do IVA da eletricidade para consumos baixos.
Já o PCP disse ainda esta terça-feira que o Governo teve uma “consideração parcial e limitada” das propostas apresentadas “nos últimos meses” pelos comunistas — note-se que o partido votou contra o Orçamento Suplementar, já descontente com as opções do PS em plena pandemia. Em entrevista ao ECO, a 5 de outubro, o comunista Duarte Alves explicava que faltava, por exemplo, concretizar totalmente a suspensão dos pagamentos por conta para as PME e devolver o pagamento especial por conta.
No caso do PAN, segundo um balanço feito pela líder parlamentar, “só cerca de 27% das medidas propostas tinham de ser executadas“, disse Inês Sousa Real em entrevista ao ECO a 1 de outubro. Era o caso da medida housing first, por exemplo, ou a licença para as vítimas de violência doméstica, onde apenas foi criado um grupo de trabalho, queixava-se a deputada do PAN.
Medidas fora do OE podem ser determinantes
O que está em causa é a viabilização do OE 2021, mas os partidos que negoceiam o Governo quiseram também ter garantias noutras áreas cuja legislação não se enquadra na lei do Orçamento, como é o caso da legislação laboral. “Falta saber, verdadeiramente, qual é a perspetiva que o Governo tem para a resposta global para esses problemas, dentro do Orçamento do Estado e fora dele“, alertou esta quarta-feira João Oliveira, líder parlamentar do PCP.
Esta terça-feira os comunistas já tinham colocado a tónica em medidas que estão fora do âmbito do Orçamento como o salário mínimo (no OE apenas tem de ficar previsto o aumento do salário mínimo na função pública), cujo aumento previsto de 23,75 euros pode ficar aquém das expectativas do PCP, e a renacionalização dos CTT dado que o contratação de concessão termina no final deste ano.
Relativamente à legislação laboral, o Governo avançou com várias medidas como a moratória que suspenda prazos de caducidade das contratações coletivas por 18 meses. Mas tal fica aquém das pretensões do BE e PCP que queriam acabar definitivamente com esta caducidade. As reversões da reforma da lei laboral feita durante a troika foram sempre um ponto de discórdia na geringonça e uma linha vermelha que o Executivo nunca quis abdicar.
Há ainda o alargamento da negociação coletiva a trabalhadores em regime de outsourcing, a legislação do teletrabalho para proteção dos direitos dos trabalhadores, o novo limite de três renovações aos contratos de trabalho temporário e reforço dos poderes de fiscalização e meios da Autoridade para as Condições do Trabalho com mais 60 inspetores.
Apesar de todas estas divergências que existem entre o Governo e os partidos que podem viabilizar o Orçamento, tudo dependerá da avaliação global que estes façam relativamente ao OE 2021 e às medidas que possam ser incluídas durante a fase da especialidade com o aval do PS. O PCP recusou sempre definir linhas vermelhas, o PAN hesitava em as colocar diretamente (revelando algumas) e o BE definiu-as claramente em público, mas os três partidos admitem que o sentido de voto dependerá da avaliação do OE como um todo. Dia 28 a avaliação tem de estar feita.
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