EUA: Comércio, clima e segurança cruciais para relançar parceria transatlântica
Uma maior firmeza com a China, com crescentes posições de afirmação de potência mundial, é também vista como um eventual ponto de concórdia entre a UE e os EUA.
O comércio, o clima e a segurança são temas primordiais para se relançar a relação transatlântica, consideram responsáveis europeus e norte-americanos ouvidos pela Lusa, sustentando que são necessários “pequenos passos, pouco controversos” para reconstruir a confiança.
“Estou muito otimista relativamente ao que podemos fazer. Há uma longa lista de assuntos sobre os quais podemos trabalhar imediatamente: (…) é altura de resolvermos a disputa Boeing-Airbus, que já dura há demasiado tempo, e temos também de suspender as taxas multilaterais sobre o aço e o alumínio”, referiu Anthony Gardner, antigo embaixador dos Estados Unidos da América (EUA) para a União Europeia (UE) entre 2014 e 2017.
Gardner, que contribuiu “com ideias para a campanha de (Joe) Biden” à presidência dos Estados Unidos , sublinhou, em entrevista à Lusa, a necessidade de “ser pragmático e focado” em termos de comércio, descartar “tratados ambiciosos”, mas procurar acordos em matérias “específicas, significantes e pouco controversas”.
Entre essas matérias referiu a “reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC)” ou a necessidade de se forçar a China a ser “mais séria no seu acesso abusivo aos mercados e nas suas práticas de investimento”.
Também Cecilia Malmström, antiga comissária europeia do Comércio – e que negociou com Anthony Gardner o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), que acabou por não ser ratificado – descarta a possibilidade de uma nova “negociação do estilo do TTIP”, por existir agora “muito ceticismo no partido Democrata relativamente a grandes acordos comerciais”, preferindo insistir na necessidade de procurar “acordos mais pequenos, para tentar reconstruir a confiança”.
“Talvez possamos chegar a acordos que se foquem sobretudo em barreiras técnicas ao comércio, e que não sejam politicamente muito controversos, como padrões e certificados comerciais, licenças conjuntas… Começando aí, depois logo veremos até onde podemos chegar”, considerou Malmström em declarações à Lusa.
A ex-comissária do Comércio, cargo que ocupou entre 2014 e 2019 e que lidou tanto com a administração Obama como com a do Presidente ainda em exercício, Donald Trump, refere que “há uma ânsia na UE para se reconstruírem as relações [transatlânticas]” e que isso passa pelo “trabalho em conjunto numa série de desafios”, não apenas no comércio, mas também “na segurança e no clima”.
Medidas como a retirada de cerca de 12.000 militares norte-americanos do solo alemão – decidida sem aviso prévio pela administração Trump em julho – “terão de parar”, segundo o vice-presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros do Parlamento Europeu, Urmas Paet. Na opinião deste responsável europeu, “ações unilaterais dos EUA que afetaram a segurança da UE” minaram a confiança no parceiro norte-americano.
“Políticas comuns baseadas em valores comuns têm de ser restauradas. (…) Temos de juntar esforços na luta contra o aquecimento global, no Médio Oriente, na política relativa ao Irão e à Coreia do Norte, e também em questões relacionadas com [a energia] nuclear”, referiu o eurodeputado estoniano.
Uma maior firmeza com uma China, com crescentes posições de afirmação de potência mundial, é também vista como um eventual ponto de concórdia entre a UE e os EUA, aspeto em que Anthony Gardner concorda com Cecilia Malmström, quando a ex-comissária refere ser preciso um trabalho conjunto “para se exercer pressão sobre a China”.
“Acho absurdo os EUA ainda não terem estendido a mão à Europa, e não terem envolvido a UE, numa resposta comum à China, porque a nossa margem de manobra, juntos, é muito maior”, sublinhou nas declarações à Lusa o embaixador.
O restabelecimento de acordos pontuais entre a UE e os EUA, segundo Susi Dennison, diretora do programa ‘European Power’ do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), é “importante” para os dois parceiros porque ambos devem procurar “reintroduzir certezas no atual clima internacional” de pandemia.
“Trazer alguma certeza à componente da saúde, ou à componente da segurança, é algo em que a relação transatlântica pode contribuir. E, se se conseguir uma agenda comum no clima, também ajudará a acrescentar um pilar de enquadramento para as economias ‘recuperarem melhor’, como têm argumentado os governos”, frisou a investigadora.
Anthony Gardner também salientou ser “muito importante” o restabelecimento de uma relação saudável entre a UE e os EUA no combate à pandemia de covid-19.
“Há muito que podemos fazer juntos [relativamente à pandemia]: não apenas na investigação ou na elaboração de regras para a distribuição de vacinas quando estiverem prontas, mas também nas regras de comércio, na eliminação de taxas sobre equipamentos de proteção ou sobre medicamentos relevantes [para o combate à pandemia]”, sublinhou o diplomata americano.
“Tudo isto foram temas que estiveram ausentes [nos últimos meses] porque Trump voltou a dizer ‘nós não precisamos de aliados’. Isto foi um erro profundo: nós não somos uma ilha”, concluiu Anthony Gardner.
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