Obrigações de cobertura devem ser dirigidas à dinamização da economia e não ao populismo
"Se não estamos a criar as condições para que exista investimento, se não estamos a criar condições para que exista um desenvolvimento sustentado do 5G em Portugal", diz Miguel Almeida, CEO da Nos
O presidente executivo da Nos defendeu, em entrevista à Lusa, que as obrigações de cobertura do 5G devem ser dirigidas “à dinamização da economia” e “não ao populismo” e alertou para o risco do desenvolvimento desta tecnologia falhar.
O regulamento do leilão de quinta geração (5G), cujo prazo das candidaturas termina na próxima semana, tem sido alvo de críticas dos operadores de telecomunicações históricos, não só por causa do “roaming” nacional para os novos entrantes, como também pelas obrigações de cobertura da rede, que consideram exigentes.
“Obrigações de cobertura, sim, dirigidas à dinamização da economia, e não ao populismo, que é a palavra-chave de tudo isto”, afirmou Miguel Almeida, em entrevista à Lusa, aludindo ao regulamento.
Para o gestor, as obrigações de cobertura da rede deveriam ter em conta o contexto atual, em que o “mundo mudou” perante uma pandemia que ninguém consegue prever quando irá terminar.
Obrigações que garantissem “servir parques empresariais, por exemplo” seria coisa “sensata” nas obrigações de cobertura da quinta geração, mas “em contrapartida não adianta levar 5G para cobrir um pasto com meia dúzia de ovelhas”, referiu Miguel Almeida.
As obrigações de cobertura de 90% da população nas freguesias de baixa densidade, previsto no regulamento, “é absolutamente estúpido, não tem outro nome, nenhum país do mundo fez isto”, criticou o presidente executivo da NOS.
“O facto de estar a obrigar as operadoras, não todas – que o novo entrante não tem obrigação nenhuma -, a cobrir 90% da população das freguesias de baixa densidade e a totalidade dos municípios que tenham pelo menos uma freguesia de baixa densidade, é a utilização dos ativos económicos mais imbecil que vi, e já vi muita imbecilidade ao longo da vida“, considerou.
Miguel Almeida apontou que “não há nada no regulamento” que ajude a aumentar a coesão territorial.
E o “roaming” nacional, previsto no regulamento, que permite que os novos entrantes tenham acesso às redes dos operadores que já existem, indica que “não vai haver cobertura adicional” nas zonas mais remotas.
“Há esta importância estratégia” do 5G para o país “e perante a necessidade de ter empresas a investir” na quinta geração “o que é o Estado começa por fazer? Pura simplesmente abdica do contributo dos novos entrantes”, apontou o gestor.
“Algo nunca visto da Europa. Como? Atribui-lhes espectro [bem público, escasso] e atribui a esta ‘troika’ de fundos de investimento. Em troca de quê? De nada, não há uma obrigação de investimento, não há uma obrigação de cobertura, não há uma obrigação de lançamento de serviços, isto é um roubo aos portugueses”, criticou Miguel Almeida.
Para o gestor, “a primeira coisa que está profundamente errada” no regulamento é a “não existência de obrigações para os novos entrantes”.
Mas esta não é a pior característica: “O pior vem a seguir, que é a expropriação da propriedade privada a favor de um agente económico privado desta ‘troika’ de fundos de investimento”, o que considera imoral e ilegal.
“Se amanhã, quando eu investir na minha rede, quem beneficiar disso forem os clientes do meu concorrente direto, não vou investir”, disse.
Este regulamento “é desincentivador ao investimento” porque os operadores “têm de abrir rede ao novo entrante” e este “não tem compromisso de investir”, destacou Miguel Almeida.
Por exemplo, a Optimus, que se fundiu com a Zon resultando na Nos, entrou no mercado em 1998, tornando-se no terceiro operador móvel. “Entrou com uma obrigação de construir rede própria, mas mais do que isso, uma obrigação dessa rede cobrir 99% da população portuguesa ao fim de três anos”, recordou Miguel Almeida.
“Não teve acesso a redes de ninguém, nem da Telecel, nem da TMN, que eram concorrentes na altura. E cá estamos, fizemos o nosso caminho”, rematou.
O gestor sublinhou que o que está em causa não é a ‘guerra’ entre os operadores e o regulador Anacom, mas sim o futuro de todos.
“O 5G tem um conjunto de características que, quando somadas a outros desenvolvimentos tecnológicos que estão a acontecer”, vai “introduzir uma disrupção tecnológica muito significativa, aquilo que muita gente chama de uma revolução digital”, prosseguiu.
A quinta geração “será o pilar da dita sociedade hiper conectada do futuro”, o que significa que “o 5G é que vai ser o catalisador da transformação de muitas empresas, de muitos modelos de negócio, de muitas cadeias de valor”, salientou o gestor.
“A forma como produzimos produtos, serviços, como comercializamos, tudo isso vai ser revolucionado pelo 5G”, esta tecnologia “vai dar origem a novas empresas, novas atividades”.
Por exemplo, foi o 4G que possibilitou a criação de empresas como Twitter, Instagram, “grandes empresas mundiais” que não existiriam sem a quarta geração móvel.
“Quando falamos de que o 5G está em risco, estamos a falar que não afeta exclusivamente o setor, nem o consumidor individual, afeta toda a economia”, disse,
Então, “se não estamos a criar as condições para que exista investimento, se não estamos a criar condições para que exista um desenvolvimento sustentado do 5G em Portugal, na realidade aquilo que estamos a pôr em causa é o nosso futuro, de todos”, alertou Miguel Almeida.
“Eu sei que é difícil para as pessoas [perceberem isso], mas se não tivermos um 5G competitivo, se o setor das comunicações não tiver as condições certas para investir nas redes, nos serviços, na colaboração com as empresas, instituições, isso terá consequências para economia e o que tem consequências dramáticas para economia tem para toda a gente. É isto que está em causa”, sublinhou.
A NOS tem vários processos na Justiça por causa do regulamento do 5G, entre eles uma providência cautelar contra as regras do leilão.
“Isto é tudo muito irreversível, sabe como é que funciona a Justiça em Portugal. Podemos ter razão, mas ter razão daqui a oito anos o que vai mudar de fundamental no 5G na economia digital? Nada”, comentou.
Quando questionado sobre o que esperava de todo este processo, o presidente da Nos afirmou: “Esperava que isto não tivesse acontecido e que o coadjuvante neste processo, que é a Anacom, tivesse sido posto no lugar por quem tenha responsabilidade política, que é o Governo“.
“Admito que já não espero muito que isso aconteça”, comentou.
Instado a comentar o silêncio do Governo, já que o Ministério das Infraestruturas, que tutela o setor, não fará comentários até ao final da fase de qualificação do leilão, que termina na próxima semana, Miguel Almeida questionou: “Mas alguém no seu perfeito juízo acha que os atuais operadores não vão pelo menos qualificar-se, independentemente do tipo de investimento que vão fazer no leilão?”.
Questionado sobre o facto da transição digital ser uma aposta do Governo e o 5G uma peça fundamental, a par de um regulamento que os operadores consideram desincentivador ao investimento, o gestor disse haver “uma incoerência política” fruto de “uma diferença muito grande entre o discurso e a prática”.
O 5G “é um pilar fundamental do digital e vai ter consequências graves, sistémicas para todas as áreas, não tenho a mínima dúvida”, concluiu.
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