Violar confinamento é crime de desobediência? Advogados dizem que “sim, mas…”
Advogados explicam que violar o confinamento obrigatório é crime de desobediência, se for de uma ordem dada por uma autoridade pública, designadamente a PSP ou a GNR.
Com a declaração de um novo Estado de Emergência por parte do Governo, os portugueses têm de permanecer nas suas casas em confinamento durante os períodos estabelecidos e, caso não o façam, podem incorrer em crime de desobediência à lei, previsto no Código Penal. Mas recentemente, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu no sentido oposto, dizendo então que não é crime. Afinal é ou não um ilícito criminal? À Advocatus, os advogados dizem que sim, mas só for não obedecer a uma ordem dada por uma autoridade pública, como a PSP e GNR. Ou seja, se o cidadão estiver no espaço público no período decretado como sendo de confinamento, encontrar um agente da PSP ou militar da GNR que o obrigue a ir para casa e optar por não o fazer, aí sim está a incorrer num crime.
“A violação da obrigação de confinamento pode traduzir a prática de crime de desobediência desde que, em primeiro lugar, tal esteja previsto em Lei da Assembleia da República ou em Decreto-Lei publicado no uso de autorização legislativa da Assembleia da República, o que não sucedeu. Foi por esta razão que a norma jurídica respetiva foi declarada inconstitucional e, em minha opinião, bem”, explicou Henrique Salinas, sócio da CCA Law Firm e professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica.
Ou seja: o sócio da CCA partilhou da opinião do Tribunal da Relação de Guimarães que sentenciou, na semana passada, que a violação do confinamento obrigatório não constitui crime de desobediência, porque o decreto governamental que criou aquele novo ilícito criminal “está ferido de inconstitucionalidade orgânica”.
“O Governo não se mostrava habilitado a definir matéria criminal”, pelo que a norma do decreto que define como crime a violação do confinamento obrigatório “está ferida de inconstitucionalidade orgânica” e “é inválida”, lê-se no acórdão.
Nos concelhos de risco elevado, muito elevado e extremamente elevado, o recolher obrigatório entra em vigor às 23h00, todos os dias, até às 5h00 ddo dia seguinte. Já nos concelhos de risco elevado e muito elevado é ainda proibido circular na via pública aos fins de semana e nos feriados de 1 de dezembro e de 8 de dezembro, entre as 13h00 e as 5h00.
"É crime não cumprir com a ordem da autoridade que ordena que se cumpram as medidas legitimamente adotadas ao abrigo do estado de emergência.”
Também para José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS Advogados, a violação do confinamento nos horários referidos não é crime. “O que é um crime é a desobediência a uma ordem dada por uma autoridade pública, designadamente a PSP ou a GNR, por exemplo para regressar ao domicílio”, explica.
Segundo o advogado o crime é de desobediência a uma ordem de autoridade competente e não de desobediência à lei. “Ou seja, é crime não cumprir com a ordem da autoridade que ordena que se cumpram as medidas legitimamente adotadas ao abrigo do estado de emergência“, nota José Luís Moreira da Silva.
Para o sócio da SRS Advogados não pode haver uma proibição sem uma fiscalização e uma sanção. “E o estado de emergência permite que se proíbam determinados comportamentos que podem por em perigo a saúde de todos. Desde que não se ultrapasse a proporcionalidade e necessidade da medida imposta”, completa.
" O que o decreto governamental meramente faz é uma referência a este crime a fim de alertar os cidadãos para as consequências do incumprimento legislativa.”
O último Decreto diz expressamente que as forças policiais devem recomendar o cumprimento do confinamento, pelo que é apenas aquilo que a Jurisprudência fala de uma “recomendação agravada”, mas “a violação da ordem da autoridade já tem de ser um crime, senão ninguém leva a sério a autoridade, desde que não haja violação da proporcionalidade ou abuso de autoridade”, acrescenta.
Também Paulo Brilhante Santos, sócio da Valadas Coriel & Associados, concorda que a desobediência dos cidadãos a ordens legítimas das autoridades sanitárias e policiais, que obrigam ao confinamento, recolher obrigatório, quarentena e isolamento profilático, são um crime de desobediência.
“Na verdade, o crime de desobediência a ordens legítimas emanadas das autoridades competentes encontra-se já previsto e punido no Código Penal. O que o decreto governamental meramente faz é uma referência a este crime a fim de alertar os cidadãos para as consequências do incumprimento legislativa das ordens das autoridades respeitantes ao confinamento, não estando, pois, a criar nenhum novo tipo de crime”, conclui o advogado.
No decreto, o Governo determina ainda que ficam m confinamento obrigatório, em estabelecimento de saúde ou no respetivo domicílio, os doentes com Covid-19 e os infetados com SARS-Cov-2, e os cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde tenham determinado a vigilância ativa.
Diz ainda que “a violação da obrigação de confinamento, nos casos previstos no número anterior, constitui crime de desobediência”.
A decisão da Relação de Guimarães surge na sequência da decisão em primeira instância — no Tribunal de Chaves (Vila Real), em que um homem foi condenado, com base daquele decreto, a 120 dias de multa, a taxa diária de 15 euros, por um crime de desobediência, por ter violado o isolamento profilático que tinha sido determinado pela autoridade local de saúde.
O arguido acabou por recorrer para a Relação de Guimarães. A Relação sublinha que a preocupação em conter a propagação do vírus não pode fazer esquecer “o respeito devido pelos fundamentos democráticos da sociedade”, porque “a democracia não poderá ser suspensa”.
A pandemia de Covid-19 já provocou mais de 1,3 milhões de mortos no mundo desde dezembro do ano passado, incluindo cerca de 4 mil em Portugal.
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