Há funcionários públicos que só vão receber dois euros de aumento líquido
Há funcionários públicos cujos salários líquidos só sobem dois euros, em 2021, porque grande parte dos aumentos será "absorvida" por impostos e contribuições sociais. Maioria perde 15% com descontos.
O Governo vai aumentar, em 2021, os salários de 148 mil funcionários públicos. As atualizações variam entre dez e 20 euros, mas apenas uma parte desses valores chegará efetivamente à carteira dos destinatários. Segundo os cálculos do ECO, em descontos, a maioria dos trabalhadores do Estado vai perder até 15% das anunciadas atualizações salariais. E há funcionários públicos que verão mesmo mais de 80% do seu aumento “absorvido” pelos impostos e contribuições, recebendo em termos líquidos menos de dois euros dos aumentos prometidos.
Depois de ter a anunciado um aumento de 30 euros do salário mínimo nacional (para 665 euros), o Governo chamou os sindicatos que representam os funcionários públicos para discutir as remunerações praticadas no Estado.
Inicialmente, o Executivo colocou em cima da mesa uma proposta que previa a subida em 20 euros do “salário mínimo” da Administração Pública para 665 euros e um aumento de dez euros do nível remuneratório imediatamente seguinte para 703,13 euros.
Nesse encontro, o secretário de Estado José Couto sinalizou, ainda assim, margem para uma “melhoria ligeira” dessa proposta, o que se acabou por traduzir num alargamento do universo de beneficiário de atualizações salariais em 2021.
Ou seja, este ano, há quatro níveis da tabela remuneratória única da Função Pública que serão aumentados. O quarto nível (na prática, o “salário mínimo” praticado no Estado) subirá 20 euros para 665 euros, isto é, igualando pela primeira vez desde 2018 o salário mínimo nacional. O quinto nível subirá dez euros para 703,13 euros, o sexto nível aumentará também dez euros para 750,26 euros e o sétimo nível crescerá dez euros para 801,91 euros.
Tudo somado, todos os funcionários públicos que hoje recebem menos de 800 euros terão aumentos em 2021, segundo fez notar a ministra Alexandra Leitão. Serão 148 mil os trabalhadores do Estado com atualizações salariais (dos quais cerca de 100 mil com aumentos de 20 euros, de acordo com os dados anteriormente divulgados pelo Governo), uma medida que custará 41 milhões de euros aos cofres públicos.
Em contrapartida, os sindicatos questionaram o Governo sobre o “retorno” que o Estado terá, por via de impostos e contribuições sociais, com estes aumentos — procurando aferir, assim, o custo líquido da medida em causa –, mas o Governo não deu resposta, garantiu aos jornalistas a líder do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE).
Os cálculos do ECO mostram que, em descontos para a Segurança Social (ou para a Caixa Geral de Aposentações), ADSE e IRS, a maioria dos funcionários públicos “perderá” cerca de 15% dos aumentos prometidos.
É o caso de um trabalhador solteiro, sem dependentes, que esteja no quarto nível da tabela remuneratória. Em 2020, recebia 645,07 euros, todos os meses, em termos brutos. Desse valor, quase 94 euros não chegavam ao seu bolso, sendo “absorvidos” pelos referidos descontos. Ou seja, em termos líquidos, recebia 551,53 euros.
Em 2021, passará a ganhar, também em termos líquidos, 568,58 euros, mais 17,05 euros do que em 2020. Ou seja, dos 20 euros de aumento prometidos para este nível remuneratório, 14,5% (quase três euros) serão “absorvidos” pela ADSE e Segurança Social (ou Caixa Geral de Aposentações).
Neste caso, não se aplica qualquer taxa de retenção na fonte, razão pela qual também os trabalhadores casados (um ou dois titulares), com ou sem dependentes, com este salário terão a mesma fatia do aumento “absorvida” pela ADSE e pelas contribuições sociais.
Há, por outro lado, funcionários públicos aos quais os referidos descontos irão “roubar” uma fatia bem mais significativa dos aumentos. De acordo com as simulações feitas pelo ECO, há um grupo de trabalhadores que sobe de nível nas tabelas de retenção na fonte com os salários aumentados, aumentando, assim, o IRS a pagar mensalmente.
Em causa estão os funcionários públicos casados (um titular), com menos de três dependentes, e que estejam no sétimo nível da tabela remuneratória, isto é, cujo salário subirá de 791,91 euros para 801,91 euros, este ano.
Para estes trabalhadores do Estado, uma grande parte do aumento será “absorvido” pelos descontos mensais. No caso de um contribuinte nessas condições (casado, um titular, na sétima posição da tabela da Função Pública) ter, por exemplo, um filho, a taxa de IRS passará de 1% para 1,8%, o que significa que terá de reter 14,43 euros do salário, em 2021, mais 6,52 euros do que em 2020.
Assim, dos dez euros de aumento prometido, 7,97 euros (6,52 euros de IRS, aos quais se soma o acréscimo da ADSE e das contribuições sociais resultante da subida do salário) não chegarão ao seu bolso, isto é, quase 80% do aumento não será sentido pelo funcionário.
E se esse mesmo trabalhador não tiver filhos? Nesse caso, a taxa de retenção na fonte em 2020 era de 4,8% e passará agora a ser 5,6%. Esse funcionário público passará a descontar, todos os meses, em IRS mais 6,9 euros do que no último ano.
A esse valor soma-se o acréscimo da ADSE e contribuições sociais resultante da subida do salário. Resultado: dos dez euros de aumento (bruto), este trabalhador receberá, em termos líquidos, 1,65 euros, ficando uma fatia de 83,45% da atualização salarial retida nos vários descontos.
Já se esse mesmo trabalhador tiver dois dependentes, quase 87% do aumento é “absorvido” pela ADSE, IRS e contribuições sociais.
Neste caso, o trabalhador passa a ter de fazer retenção na fonte (exigência que não era colocada em 2020), descontando todos os meses 7,22 euros do seu ordenado. No total, “perde” em descontos 123,49 euros do seu salário bruto, todos os meses, isto é, o seu vencimento líquido em 2021 será de 678,42 euros, apenas mais 1,33 euros do que em 2020.
Já para os trabalhadores que estão no quinto e no sexto níveis da tabela remuneratória da Função Pública, a fatia do aumento que ficará retida em impostos e contribuições tende a ser menor, até porque a atualização não é suficientemente expressiva para saltarem de escalão nas tabelas de retenção na fonte de IRS, como acontece com o grupo anterior.
Por exemplo, um funcionário público casado (dois titulares), com dois dependentes e um salário de 791,91 euros descontava, em 2020, 142,54 euros todos os meses (87,11 euros em contribuições sociais, 27,72 euros para a ADSE e 27,72 euros em retenção na fonte de IRS), ficando com uma remuneração líquida de 649,37 euros.
Este ano, terá um aumento de dez euros, passando a receber, em termos brutos, 801,91 euros. Em termos líquidos, receberá 658,37 euros, mais nove euros do que em 2020, ou seja, um euro (quase 10%) do aumento prometido será absorvido pelos impostos e contribuições sociais.
Questionada sobre o impacto dos impostos e contribuições sociais nos aumentos, a ministra da Função Pública deixou a garantia de que nenhum dos funcionários públicos terá, em termos líquidos, um valor mais baixo do que aquele que recebia em 2020, o que se confirma pelas simulações feitas pelo ECO.
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