O adeus a uma das centrais a carvão mais poluentes da Europa
Chegou a ser a 17ª central a carvão com maiores emissões de CO2 da UE. "O problema sempre foi o CO2, mas diziam que era um poluente verde, por ser capturado pelas árvores e transformado em oxigénio".
Fechou portas definitivamente de quinta para sexta-feira, mas foi na véspera de Natal, a 24 de dezembro de 2020, que a central termoelétrica da EDP em Sines queimou carvão pela última vez. Nesse dia esgotou o stock dessa fonte de energia fóssil e altamente poluente, que era já residual, apesar de ter licença para operar até às 23h59 de 14 de janeiro de 2021.
Nelson Silva, de 63 anos, está agora na pré-reforma mas lembra-se bem dos tempos áureos da maior central de produção de energia do país. Funcionário da EDP e vindo da central da EDP de Setúbal — alimentada a fuelóleo e com custos de operação muito mais caros caros — chegou a Sines em 1987, estavam já os dois primeiros grupos em funcionamento, o terceiro prestes a entrar em operação e o quarto ainda em construção. O seu posto de trabalho era na mesa de comando da central e era assistente de condução de centrais térmicas.
Lembra-se bem que a central de Sines foi construída porque “era perigoso o país depender apenas do petróleo e derivados”, provenientes de países onde a instabilidade política era enorme. Portugal queimava nessa altura 5.280 toneladas de fuelóleo por dia em Setúbal para garantir o abastecimento de energia elétrica ao país. Mas as crises petrolíferas da década de 70 fizeram entrar o carvão em cena para assegurar um nível de “potência instalada” no país necessária à satisfação dos consumos nacionais e permitir a diversificação das fontes de energia primária.
O carvão tinha a desvantagem de ser mais poluente, reconhece Nelson Silva, mas na altura as preocupações climáticas estavam ainda bem longe de dominar a opinião pública. “No início não havia qualquer controlo das emissões em Sines. Via-se o fumo amarelado a sair das chaminés, por causa do enxofre, o horizonte manchado por cima do mar. Mais tarde foi retificado, foi feito um investimento enorme. O enxofre passou de 2500 mg por m3 para menos de 200 mg por m3, as emissões de óxido de nitrogénio (NOx) foram reduzidas em mais de 10 vezes, as cinzas foram sempre capturadas. O problema era o CO2, mas na altura dizia-se que era um poluente verde, porque era capturado pelas árvores e transformado em oxigénio”, conta ao ECO/Capital Verde.
De acordo com a associação ambientalista Zero, a central de Sines era responsável em média por 12% das emissões de gases de efeito de estufa em Portugal. “Produzia eletricidade recorrendo à queima de carvão através de quatro grupos geradores, com uma potência elétrica instalada total de 1.256 MW. Apesar dos equipamentos de despoluição instalados, a central a carvão de Sines era fonte significativa de emissão de diversos poluentes, como os óxidos de azoto, dióxido de enxofre, partículas e metais pesados, cujas quantidades lançadas para a atmosfera em Portugal sofrerão agora uma redução importante”, refere a Zero.
Para a história, Sines fica como um colosso energético. Um terço da energia elétrica consumida em Portugal chegou a vir de lá: 29% nos anos 90, 20% na década de 2000 e 15% na década de 2010. Ao longo da sua vida, produziu 294TWh, tendo emitido para a rede nacional 274TWh (5,5 vezes o consumo nacional do ano de 2019, segundo dados REN), o que equivale a abastecer uma população de 60 milhões de pessoas durante um ano.
“Havia anos em que a central trabalhava sempre no máximo, de dia e de noite, todos os dias. E só não trabalhava mais porque não dava. Às vezes lá abrandava no inverno, quando havia muito vento e muita chuva e as eólicas e as barragens entravam em funcionamento. Agora não temos energia que chegue, estamos a importá-la de Espanha e mais de 50% dependentes das centrais a gás natural”, diz Nelson Silva.
A central a carvão da EDP também há de ser lembrada como a instalação com maior peso nas emissões de carbono em Portugal: em 2018, foi a 17ª central térmica a carvão e a 22ª instalação com maiores emissões de dióxido de carbono da União Europeia. Em 2020 foi responsável pela emissão de 1,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono, menos 2 milhões de toneladas (menos 54%) que em 2019.
Nelson Silva lembra-se também que tudo lá dentro era grande, enorme, as salas, as oficinas, o refeitório, “muito maior do que na central de Setúbal”.
“Até os comunicados do Conselho de Administração eram impressos em folhas A3. Tudo era gigante“, conta Nelson Silva ao ECO/Capital Verde. Sines era como uma pequena cidade, onde diariamente habitavam cerca de 400 pessoas, que com o passar dos anos e das décadas foram “desaparecendo” à medida que se iam reformando, sem serem substituídas. Os serviços administrativos foram os primeiros a ficar desertos e a vir para Lisboa, veio depois a automação e as tarefas que antes eram feitas por duas ou três pessoas ficaram concentradas apenas numa.
“O refeitório estava sempre cheio e havia turnos para almoçar. Nos últimos anos era um deserto, almoçavam lá 10 ou 20 pessoas”, lembra.
Em Sines já não há carvão. “Após o fecho, inicia-se agora a fase de descomissionamento e, posteriormente, os trabalhos de desmantelamento da central que levarão cerca de cinco anos a estar concluídos”, garante a elétrica, que vai ainda receber uma parte dos 200 milhões do Fundo de Transição Justa que vem para Portugal para ajudar na transição energética.
Quanto à central propriamente dita, com as suas imponentes chaminés com 225 metros de altura, fonte oficial da EDP tinha já revelado ao ECO/Capital Verde que não será reconvertida para “queimar” nenhum outro combustível, poluente ou não poluente, para a produção de energia elétrica.
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