“Isto é histórico”. TAP fecha “acordos de emergência” com todos os sindicatos
Todos os sindicatos, incluindo o SITAVA, afeto à CGTP, chegaram a um acordo com a TAP e o Governo. Está assegurada a paz social para um plano de reestruturação que tem de passar ainda por Bruxelas.
“Isto é histórico”, é assim que a administração da TAP e o ministro Pedro Nuno Santos classificam os “acordos de emergência” assinados com todos os sindicatos da companhia, incluindo o SITAVA, afeto à CGTP, e que pressupõem cortes salariais agravados e rescisões amigáveis como contrapartida de planos agressivos de despedimento coletivo. Os chamados “acordos de emergência” são a condição necessária para evitar a suspensão imediata da contratação coletiva pelo facto de a TAP ser uma empresa “em situação económica difícil, e permitir a execução do plano de reestruturação, que está ainda em processo de negociação em Bruxelas, num contexto de paz social.
As negociações entre a TAP e a dezena de sindicatos da companhia decorreram nas últimas três semanas, mas particularmente na última semana, à medida que se aproximava o fim do prazo definido para uma negociação, os encontros intensificaram-se e prolongaram-se. Reuniões sucessivas de 15 horas, pela noite dentro, que envolveram o presidente da TAP, Miguel Frasquilho, o presidente interino, Ramiro Sequeira, o secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Hugo Mendes, o advogado especialista em direito do trabalho, Guilherme Dray, e claro, o próprio ministro Pedro Nuno Santos à distância de um telemóvel ou de uma mensagem.
Inicialmente, o Governo e a TAP acreditavam ser possível negociar com dois dos principais sindicatos, o SPAC (que representa 1243 pilotos) e o SNPVAC (que representa 2471 tripulantes), mas admitiam ser difícil um acordo com o SITAVA (791 trabalhadores de aviação e aeroportos) e o SITEMA (723 técnicos de manutenção de aeronaves). Só aqui, somados aos cerca de 2550 trabalhadores não filiados, estavam em causa cerca de 7800 trabalhadores da TAP. Mas à medida que as negociações avançavam, e particularmente depois de ser claro que o sindicato dos pilotos fecha um acordo, as perspetivas mudaram, para melhor.
Do lado da TAP e do Governo, é salientada a disponibilidade, inédita, dos sindicatos para a negociação de um plano de reestruturação que é difícil. Cada caso é um caso mas, por exemplo, o sindicato dos pilotos disponibilizou-se a aceitar cortes salariais acima dos 25% para proteger emprego, como de resto o ECO já tinha avançado em primeira mão. E o sindicato dos tripulantes aceitou um modelo de part-time que começa já com um horário reduzido a 85%, a que se somam os cortes de 25% no salário. Em ambos os casos, o que está previsto é a redução das medidas acrescidas ao corte salarial inicialmente previsto ao longo dos próximos quatro anos. E do lado da TAP a contrapartida é a redução do número de trabalhadores que têm de sair.
E qual foi a negociação mais difícil? “A Plataforma de Terra, liderada pelo SITAVA (CGTP), o SPAC (Pilotos) e SNPVAC (Tripulantes), por razões diferentes”, diz ao ECO uma fonte que participou nas negociações. “A Plataforma, porque o SITAVA é um esteio da CGTP e estava em causa a aplicação de cortes salariais. O SPAC, porque era o mais bem preparado quer em termos jurídicos, quer em termos financeiros. E o SNPVAC, porque não poderia ficar de fora de um acordo”, acrescenta. “Agora, a sublinhar a responsabilidade de todas as associações sindicais. Devem ser elogiados, porque tiveram um enorme sentido de responsabilidade. Nunca tinha visto”.
Os termos dos acordos — apesar de terem uma base comum, as condições são diferentes para cada categoria profissional — ainda não são conhecidos, mas o ECO revelou, e já foi confirmado oficialmente, que os trabalhadores da TAP vão ter um corte nos salários apenas a partir dos 1.330 euros (em vez dos 900 euros inicialmente previstos). Esta foi outra das cedências da TAP na negociação com os trabalhadores.
Qual era o ponto de partida para estas negociações? A saída de três mil trabalhadores sendo que, só em contratos não renovados, estavam em causa 1.259 pessoas (entre janeiro de 2020 e março 2021). Em simultâneo, haveria uma redução de mais dois mil efetivos: 500 pilotos, 750 tripulantes de bordo, 450 da manutenção e engenharia e 250 trabalhadores de outras aéreas. Só em massa salarial, a poupança acumulada esperada até 2024 é de 1,4 mil milhões de euros.
Estes acordos permitem assentar a reestruturação nas rescisões por mútuo acordo (com indemnização acima da lei), part-time e licenças sem vencimento ou reformas antecipadas. Já na próxima semana a administração da TAP vai desencadear o processo para avançar com estes mecanismos de negociação, e só para rescisões a TAP tem um envelope financeiro de 83 milhões de euros.
Os “acordos de emergência” são uma condição necessária, mas não suficiente, para assegurar a execução do plano de reestruturação. “Era muito importante assegurar que o plano tivesse um enquadramento de paz social, e esta 3ª vaga da pandemia também foi um dado importante nestas negociações”, revela outra fonte. A TAP está outra vez com 93% da frota em terra e está a avaliar as condições do recurso ao lay-off, não estando decidido ainda que instrumento será utilizado. “Quando é que a CGTP aceitou um corte de salários?”, questiona a mesma fonte que participou nas negociações. “É histórico, e provavelmente não ser possível repetir, também porque está em causa uma empresa que se chama TAP”. E, já agora, que já consumiu 1.200 milhões de euros de fundos públicos em 2020 e vai precisar de novos financiamentos, provavelmente públicos, de mais 3.3750 milhões de euros nos próximos anos, até 2024, isto se o processo de reestruturação correr como está previsto.
Há ainda dois passos a faltar para os “acordos de emergência” ficarem assinados. Em alguns casos, os sindicatos têm de os fazer aprovar nas respetivas assembleias gerais, o SPAC é um desses exemplos. Depois, ficam a faltar os acordos com os sindicatos da Portugália, previsivelmente menos difíceis. Depois disso, o ministro Pedro Nuno Santos deverá comunicar publicamente os resultados destas negociações, em conferência de Imprensa ou por comunicado oficial.
Os “acordo de emergência” têm também uma dimensão política, até dentro dos equilíbrios de força dentro do Governo. Pedro Nuno Santos vai capitalizar um acordo sindical que nunca tinha sido conseguido, depois de ter tentado que o plano de reestruturação fosse aprovado no Parlamento para garantir um apoio político alargado, coisa que nem o primeiro-ministro aceitou. Agora, com os acordos sindicais na mão, não tem apoio político mas tem apoio laboral e sindical, até da CGTP. Recupera a capacidade política interna, dá um novo fôlego político a António Costa e ao Governo, que está sob pressão por causa da pandemia e da fragilidade em que está a ministra da Saúde e o ministro da Educação, e ganha também uma ferramenta negocial inesperada nas discussões com Bruxelas.
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