Juízes defendem crime de “ocultação de riqueza” para políticos e magistrados
Proposta da Associação Sindical dos Juízes defende que a lei, tal como está, não é eficaz e aconselha alterações, agora que os magistrados são também obrigados a declarar ganhos e património.
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) considera necessária uma alteração da Lei do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos — publicada em julho de 2019 — de forma a que o crime de ocultação de riqueza seja efetivamente investigado e punido. Rejeitando a designação de “enriquecimento ilícito” ou “enriquecimento injustificado”, já que estes remetem para “normas inconstitucionais”.
Esta proposta — entregue à Assembleia da República — “não resulta de uma qualquer intenção deslocada, imprópria e populista de justicialismo penal ou de uma cruzada moral contra os políticos“, diz o documento, a que o ECO teve acesso. “É uma proposta apresentada pela associação que representa os juízes e destinada, também, ao controlo do exercício, pelos mesmos, das funções judiciais”. Isto porque uma das alterações da lei publicada há ano e meio, passou por incluir os magistrados judiciais e do Ministério Público nestas obrigações de justificação de rendimentos e património.
Os juízes não poupam críticas ao que chamam de regras “ineficazes” dizendo que, por exemplo, esta lei não obriga à declaração de “vantagens patrimoniais futuras cuja promessa de aquisição ocorra no período do exercício do cargo.” No entanto, para a ASJP, tornar obrigatória essa declaração será essencial para “uma melhor proteção do valor da transparência e também para assegurar melhor a prevenção dos fenómenos corruptivos.
Dizem ainda que a atual lei prevê que o titular de uma alta função pública pode receber a prestação de serviços gratuitos de elevado valor durante o exercício de funções – por exemplo, a reconstrução de um imóvel – sem que tenha de o declarar e sem que a ocultação dessa vantagem económica seja punida como crime. E justifica: se, por exemplo, relativamente a alguém que tiver exercido altas funções públicas, “se vier a detetar cinco anos depois a posse de património de valor elevado e incongruente que não foi declarado no momento devido, a eventual responsabilidade criminal estará extinta por prescrição”.
Razões da proposta apresentada pela ASJP
- Esta proposta surge depois da Lei do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos (de Julho de 2019) passar a incluir os magistrados judiciais em exercício de funções nos tribunais;
- A lei atual apenas contempla a obrigação de discriminar os rendimentos e o património, sem que seja obrigatório identificar os factos que os geraram, que a ASJP considera insuficiente;
- O titular de um cargo deve declarar um aumento no seu património superior a 50 salários mínimos mensais – por exemplo, a aquisição da propriedade de um bem ou a liquidação de um empréstimo bancário – sem ter de explicar a proveniência dos respetivos meios financeiros. Os juízes acham que também não é suficiente.
- Atualmente, se houver uma investigação criminal para encontrar uma explicação para um aumento de riqueza e se descobrir a prática de algum crime, o arguido não será obrigado a justificar nesse inquérito a origem do dinheiro ou do bem, porque a lei diz que ninguém é obrigado a auto-incriminar-se ou a contribuir para a sua própria condenação;
- Diz a ASJP que a ordem jurídica portuguesa continua a não dar cumprimento à Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, que recomenda aos Estados membros a adoção de medidas legislativas que se revelem necessárias para classificar como infração penal, quando praticado intencionalmente, o enriquecimento ilícito, isto é o aumento significativo do património de um agente público para o qual ele não consegue apresentar uma justificação razoável face ao seu rendimento legítimo”;
- “Conhecem-se as dificuldades de investigar e provar a prática de crimes de corrupção no exercício de altas funções públicas”. Diz o documento que é reduzido o número de casos investigados e punidos, quando comparado com a perceção existente sobre a dimensão do fenómeno. “Daí resulta que as normas penais incriminadoras e a multiplicação dos tipos legais para prevenir e reprimir comportamentos dessa natureza são reconhecidamente tidos como ineficazes”;
- O conceito de enriquecimento ilícito não é constitucionalmente viável. Porque “não respeita o princípio da proporcionalidade”, por “violação do princípio da subsidiariedade do sistema penal” e porque “não respeita o princípio da legalidade, pois não identifica a ação ou omissão proibida. E “não respeita a proibição da presunção de inocência, pela inversão do ónus da prova, do in dubio pro reo e do “direito ao silêncio e à não auto-incriminação”;
Que alterações são necessárias, segundo a ASJP?
- Nas declarações previstas neste artigo deve constar a descrição de promessas de vantagens patrimoniais futuras que possam alterar os valores declarados, em montante superior a 50 salários mínimos mensais, cuja causa de aquisição ocorra entre a data de início do exercício das respetivas funções e os três anos após o seu termo;
- Nas declarações previstas neste artigo deve constar também a indicação dos factos geradores das alterações que deram origem ao aumento dos rendimentos ou do activo patrimonial, à redução do passivo ou à promessa de vantagens patrimoniais futuras.
- A tipificação penal da omissão de entrega de declaração ou de ocultação de rendimentos e património deve ser feita em norma autónoma.
Desde o ano passado que todos os magistrados do Ministério Público — titulares do inquérito e da investigação criminal — incluindo os jubilados (aposentados), são obrigados a entregar a declaração “de rendimentos e património”. A periodicidade para apresentação de declarações é de cinco anos mas a partir do momento que começam a exercer funções, têm dois meses para entregar essa declaração. E sempre que haja alguma alteração da sua situação patrimonial, terão de avisar o Conselho Superior do Ministério Público.
Já para os magistrados judiciais (juízes), o Código de Conduta aprovado em plenário do Conselho Superior da Magistratura, em junho do ano passado, engloba a questão da obrigação dos juízes entregarem uma declaração de rendimentos, património e interesses junto do CSM, à semelhança do que os titulares de cargos públicos têm de fazer junto do Tribunal Constitucional.
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