Como uma empresa pouco conhecida desligou “metade” da internet
Na terça-feira, alguns dos sites mais visitados do mundo, incluindo jornais, e até o ECO, ficaram inacessíveis durante uma hora. A origem do problema esteve numa empresa pouco conhecida do público.
Foi na terça-feira. Pouco faltava para as 11h00 quando surgiu o primeiro alerta: “O site está com problemas”, lia-se no chat interno da redação do ECO. Por essa altura, o Chartbeat, a plataforma que mede as audiências em tempo real, já confirmava o pior: o número de pessoas a ler o jornal estava a cair a pique.
Nessa fatídica manhã de 8 de junho de 2021, os jornalistas do ECO perceberam rapidamente que não eram os únicos a ter o problema. Por toda a internet, vários jornais, e até alguns dos sites mais visitados em todo o mundo, apresentavam mensagens de erro semelhantes às do ECO. Um sinal de que algo ainda mais grave se passava.
Sem outra forma de comunicarem com os leitores, as primeiras notícias da falha foram divulgadas no Twitter. O The Verge partilhou um ficheiro do Google Docs que usou para reportar as notícias (o que parecia estar a resultar até que um jornalista ter dado, por engano, permissões de edição a todos os leitores). Entre as “vítimas” estavam ainda o The New York Times, o Financial Times e o The Guardian, assim como a Amazon, o Reddit e o Twitch, e sites do Governo britânico e até da Casa Branca.
A intuição dizia que a falha só poderia estar num grande fornecedor de serviços. E as primeiras suspeitas apontavam — erradamente — para a Amazon Web Services (AWS), a subsidiária global da Amazon que fornece alojamento e serviços de cloud. Foi então que surgiram os primeiros dedos a apontar para a Fastly, uma empresa norte-americana praticamente desconhecida fora do setor da tecnologia.
Está tudo ligado
A internet é dada como garantida. Por isso, tendemos a esquecer que a rede global é isso mesmo: uma gigantesca rede de computadores espalhados por todo o planeta (e até fora dele). O que aconteceu na terça-feira é um lembrete de que, a cada dia que passa, essa a rede fica mais complexa. E interligada.
O serviço fornecido pela Fastly é conhecido tecnicamente por três letras: CDN, a sigla inglesa de rede de distribuição de conteúdos. Um detalhe importante que ajuda a entender como uma empresa pouco conhecida do público em geral desligou, durante quase uma hora, sites tão diversos e importantes para o público.
Em linhas muito gerais, a Fastly acelera o acesso a páginas na internet através de uma rede de servidores espalhados pelo mundo. Assim, quando um determinado utilizador tenta aceder a um site, como o do ECO, o conteúdo pode ser fornecido a partir de um servidor da Fastly mais perto do local onde se encontra, ao invés de um centro de dados centralizado.
A Fastly admitiu ter estado na origem da falha e descartou qualquer ocorrência de ataque informático. Na verdade, explicou a empresa, o problema teve origem num erro de software desconhecido até então: o apagão foi desencadeado por um cliente que alterou, legitimamente, um conjunto de configurações no serviço.
“O apagão foi grande e severo e lamentamos verdadeiramente o impacto para os nossos clientes e para todos os que dependem deles”, desculpou-se o engenheiro sénior da Fastly, Nick Rockwell, num comunicado publicado no mesmo dia. Não se conhecem mais detalhes técnicos sobre o erro em concreto. Mas a falha já foi corrigida, para que não volte a causar problemas, prometeu o responsável.
Surpresa na bolsa
A Fastly é cotada na bolsa de Nova Iorque e a falha aconteceu numa altura em que os mercados ainda estavam fechados para a generalidade dos investidores. Isso não impediu as ações da empresa de caírem mais de 7% nas negociações antes da abertura.
A surpresa veio depois. Quando as bolsas abriram, as ações da Fastly rapidamente inverteram a tendência e começaram a subir. Nesse dia, a empresa valorizou 10,85%, atingindo uma capitalização bolsista superior a seis mil milhões de dólares, deixando muitos investidores de queixo caído.
Numa rede social, um utilizador resumiu bem o sucedido: as ações da Fastly subiram porque os investidores entenderam que uma empresa que consegue desligar metade da internet (em sentido figurado) vale, provavelmente, muito mais do que se pensava. De acordo com o Financial Times, a subida em bolsa somou 600 milhões de dólares ao valor de mercado da companhia.
O jornal recorda também que as próximas semanas serão críticas para a empresa e para a respetiva cotação no mercado. O serviço premium garante aos clientes 100% de tempo de acessibilidade (uptime). Processos em tribunal podem estar a caminho.
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