Presidente da agência de fogos alerta para novas tragédias
Se nada for feito, vão existir novos incêndios como o de Pedrógão Grande, avisa o presidente da Agência Integrada de Fogos Rurais. Em entrevista, Tiago Oliveira apela à mobilização de todos.
O presidente da Agência Integrada de Fogos Rurais (AGIF) alertou para a possibilidade de continuarem a existir grandes incêndios, como os de 2017, se nada for feito nos terrenos florestais, que pertencem maioritariamente a privados.
Para evitar um cenário que chamou “céu negro para sempre” e novas tragédias, como os incêndios de 2017 em Pedrógão Grande e em outubro em vários locais da região centro, foi publicado na semana passada em Diário da República a resolução do Conselho de Ministros que aprova o Programa Nacional de Ação (PNA) do Plano Nacional de Gestão Integrada dos Fogos Rurais para os próximos dez anos.
Em entrevista à agência Lusa, Tiago Oliveira disse que o PNA, cuja elaboração foi da responsabilidade da AGIF, já está em vigor e mobiliza mais de sete milhões de euros de vários fundos europeus, nomeadamente do Plano de Recuperação e Resiliência.
“A questão não é se vai haver [incêndios com a dimensão de Pedrógão], é quando é que vai. Porque se não nos tornarmos todos – portugueses proprietários, empresas, organizações não-governamentais do ambiente e florestais, sociedade civil, poder político – determinados a mudar aquilo que está errado, a situação vai-se acumulando de vegetação e vamos muito provavelmente ter outros Pedrógãos”, disse o responsável da AGIF.
Tiago Oliveira sublinhou que, entre as principais medidas do PNA, está “logo à cabeça” aquela que mexe na propriedade e passa pela revisão do regime sucessório, uma lei em vigor desde 1927, e que fazia sentido quando “as pessoas viviam da terra e um hectare era dividido pelos filhos e pelos netos e ainda dava para alimentar essa família”, mas “hoje em dia ninguém depende disso”.
“A transição das heranças tem que ser objeto de trabalho político e não é suficiente quando as pessoas falecem fazer a habilitação de herdeiros nos seis meses a seguir e depois ficarem com as heranças indefinidas ad eternum para os netos e bisnetos”, sustentou, frisando que “há tantas terras ao abandono” porque os proprietários e herdeiros “não sentem que aquilo é deles”.
O presidente da AGIF disse que os políticos e o parlamento têm de ter uma posição sobre esta questão, que está prevista no PNA, e explicou que é uma medida a integrar nas secretarias de Estado da Justiça e das Florestas, que devem apresentar uma proposta à Assembleia da República para ser discutida. Tiago Oliveira recordou que 97% dos proprietários de terrenos em Portugal são privados.
O especialista defendeu também que é necessário transformar os pequenos proprietários em silvicultores ou levá-los a entregar as propriedades a quem faça a sua gestão.
Nesse sentido, avançou com “uma outra grande iniciativa” prevista no PNA, que é a contratualização em contratos programa com organizações de produtores florestais, para resolver o problema do minifúndio e dos baldios.
“O Estado pode contratualizar com eles em função de objetivos, da execução da silvicultura, da execução da limpeza de caminhos”, disse, sublinhando que, caso todas medidas definidas no PNA sejam executadas, a AGIF estima que sejam criados 60 mil postos de trabalho no interior do país, 21 mil dos quais na operação direta da silvicultura ou pastorícia.
“Isso é um desafio muito grande da sociedade portuguesa e a sociedade portuguesa tem de perceber que, se não fizer isto, o que vai ter é mais Pedrógãos e isso é o que está no cenário prospetivo da inação que nós publicamos na semana passada em Diário da República”, disse.
Tiago Oliveira acredita que “o país vai conseguir superar” todas as dificuldades, porque se tal não acontecer e, como está escrito no PNA, existirá o cenário que chama “céu negro para sempre”.
O PNA do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais está alicerçado em quatro orientações estratégicas, designadamente valorizar os espaços rurais, cuidar do território, modificar comportamentos e gerir o risco eficientemente. O programa propõe mais de 200 iniciativas, que estão definidas em 12 objetivos estratégicos para serem alcançados através de 28 programas e 97 projetos.
Combate e prevenção estão melhores
O presidente da AGIF afirmou ainda que o combate e a prevenção dos incêndios estão melhores, apesar de ainda não estarem concluídas as reformas estruturais. “As leis não estão na prática, mas as instituições estão a cooperar de uma forma mais intensa à escala regional e sub-regional. Temos reuniões permanentes todos os meses. Temos uma reunião de coordenação e articulação entre as várias entidades. Essas coisas estão integradas e vão funcionando”, disse Tiago Oliveira, na mesma entrevista.
Tiago Oliveira destacou que se registaram “melhorias significativas na informação” existente, no sistema de apoio à decisão e na capacidade da injeção de conhecimento especializado. “Há argumentos para dizer e há informação que permite tomar as melhores decisões no combate e na prevenção”, assegurou, avançando ainda que está a ser dada formação aos bombeiros, sapadores e GNR em vários módulos, nomeadamente na coordenação de meios aéreos, grandes incêndios e gestão de equipas.
Sobre o combate aos fogos, Tiago Oliveira considerou que agora é necessário promover “não só os ganhos de eficácia, mas também de eficiência”, nomeadamente a contabilização dos custos de cada incêndio. “Daí aquela nota do Tribunal de Contas dizer que é necessário contabilizar os custos que acontecem em cada incêndio para que a gestão seja feita em função de valores monetários, que é o que faz sentido. Tanto que essa nossa preocupação já vinha desde 2018”, afirmou.
Proteção Civil vai limpar matos à volta das aldeias
A Proteção Civil vai passar a ser responsável pela limpeza dos matos à volta das aldeias e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas pela defesa das florestas, segundo o novo modelo de gestão de fogos.
Tiago Oliveira disse que este novo modelo, construído pela AGIF e proposto ao Governo, vai substituir o atual sistema de defesa da floresta contra incêndios, de 2006, e que assenta em três pilares: prevenção, vigilância e combate.
“A AGIF propôs o edifício novo nesta lógica, de, em vez de serem três pilares, serem dois objetivos estratégicos, que é de salvar pessoas e reduzir a exposição da floresta e para o qual concorrem várias entidades”, sublinhou.
Tiago Oliveira explicou que a Proteção Civil vai ficar responsável pela limpeza dos matos à volta das aldeias, na salvação de pessoas e bens, em caso de grandes fogos, e em “gerir um sistema integrado de ataque aos incêndios”.
“Quando houver um incêndio, todas as pessoas trabalham sob a batuta da Proteção Civil porque eles é que conseguem gerir as prioridades”, precisou, avançando que, do outro lado, existe “a floresta e os territórios rurais em que há equipas mais especializadas que trabalham todo o ano para fazer a prevenção e depois podem dar o apoio ao combate”, como é o caso da GNR e sapadores florestais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
Questionado se vai causar uma grande alteração no sistema, nomeadamente na Proteção Civil, Tiago Oliveira respondeu que não, sendo mudanças “do ponto de vista operativo e funcional”.
“O que há é uma alteração na responsabilidade política, em que o Ministério da Administração Interna fica responsável pela prevenção à volta das aldeias, pelo combate e pela salvaguarda das pessoas e bens, enquanto o Ministério do Ambiente fica só responsável pela área da floresta e da conservação”, explicou.
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