40% dos 5,5 milhões de bilhetes de avião cancelados em Portugal sem reembolso
Em 2020 foram cancelados 5,5 milhões de bilhetes pelas principais transportadoras que operam em Portugal. Destes, 3,3 milhões foram reembolsados em dinheiro aos passageiros no decurso do ano de 2020.
Cerca de 5,5 milhões de bilhetes de avião foram cancelados em 2020 por companhias aéreas que operam em Portugal, dos quais 40% dos passageiros não foram reembolsados em dinheiro porque receberam vales, aguardam resolução ou ficaram sem solução.
Os dados são do Tribunal de Contas Europeu (TCE), que num relatório divulgado esta terça-feira conclui que “os direitos dos passageiros dos transportes aéreos na União Europeia ficaram em terra durante a pandemia” de Covid-19, nomeadamente em Portugal, devido aos sucessivos cancelamentos e restrições.
No que toca ao país, os dados do TCE revelam que, em 2020, foram cancelados 5,5 milhões de bilhetes pelas principais transportadoras que operam em Portugal, afetando cerca de “87% dos passageiros de voos de ou para Portugal”.
Do total de bilhetes cancelados em Portugal, o TCE aponta que perto de 60% (3,3 milhões) foram reembolsados em dinheiro aos passageiros no decurso do ano de 2020.
Porém, outros 28% (1,6 milhões de bilhetes) foram convertidos em vales para uso posterior, “sem garantia de que os passageiros estivessem de acordo”, enquanto cerca de 5% (mais de 300.000 bilhetes) estavam sem resolução até ao final do ano passado e quase 7% (360.000 bilhetes) diziam respeito a casos em que os passageiros não reclamaram o reembolso nem encontraram uma possibilidade de reencaminhamento.
Estes últimos diziam nomeadamente respeito a bilhetes de companhias aéreas de baixo custo, que devido ao preço reduzido levaram a que os passageiros não procurassem solução.
Quanto aos vales, Annemie Turtelboom, membro do tribunal responsável pelo relatório, realça, em entrevista à Lusa, que é “ilegal, é contra a lei da UE, que diz que normalmente ou se é reembolsado dentro de sete ou de 14 dias, dependendo da categoria, mas que deve ser reembolsado”, critica a responsável.
No que toca aos prazos para reembolso dos bilhetes em Portugal, o TCE assinala que variaram em função da companhia aérea, sendo que “aumentaram exponencialmente após março de 2020”, atingindo um pico entre junho e setembro (entre 31 e 59 dias).
Entre setembro e dezembro estes prazos de reembolso “começaram gradualmente a regressar à normalidade”, aponta o tribunal.
Annemie Turtelboom afirma que “em fevereiro de 2021 as companhias aéreas em Portugal comunicaram que já estavam a reembolsar os bilhetes aéreos entre dois e 20 dias após o cancelamento” dos voos.
Os dados citados pelo TCE no relatório foram transmitidos pela Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) de Portugal, tendo ainda em conta entrevistas e inquéritos realizados a federações e associações, bem como informações da Comissão Europeia.
Porém, nem todas as autoridades nacionais forneceram dados ao tribunal, o que segundo Annemie Turtelboom leva a que “não seja possível comparar” países.
Ainda no documento é mencionado que o Gabinete Europeu das Uniões de Consumidores comunicou 122 mil reclamações sobre esta temática em Portugal, Alemanha e Espanha, enquanto a Federação Europeia de Passageiros informou que, em quatro Estados-membros (Bélgica, Alemanha, Espanha e Portugal), foram enviadas 72.500 reclamações a organizações nacionais de defesa do consumidor.
A legislação europeia dita que, perante voos cancelados, os passageiros têm direito a escolher entre um reembolso em dinheiro até 14 dias ou encaminhamento para o destino. Cabe aos organismos nacionais assegurar o cumprimento pelas regras comunitárias e, em ultima instância, a Comissão Europeia pode aplicar procedimentos de infração.
Annemie Turtelboom adianta à Lusa que “já em 2013 a Comissão queria reforçar os direitos dos passageiros”, tendo sido os Estados-membros a bloquear no Conselho uma revisão da legislação relativa aos direitos dos passageiros aéreos. “A proposta de 2013 não teria resolvido todos os problemas, mas teria resolvido uma série de problemas”, conclui, esperando agora avanços neste dossiê.
No geral, o TCE considera que os direitos dos passageiros dos transportes aéreos na UE não foram salvaguardados durante a pandemia, tornando-se estes em “credores das companhias aéreas” devido aos problemas nos reembolsos. Annemie Turtelboom indica à Lusa que, “neste momento, os passageiros são de facto os credores das companhias aéreas em dificuldades no sentido em que o seu dinheiro está nas contas bancárias das companhias aéreas e não foi reembolsado”. Isto, apesar da legislação europeia.
Ao mesmo tempo que os passageiros não foram reembolsados, “as companhias aéreas receberam uma quantia sem precedentes de dinheiro público, cerca de 35 mil milhões de euros para as ajudar a sobreviver à crise e para as impedir de ir à falência”.
Em causa estão as regras mais flexíveis da Comissão Europeia para ajudas estatais em altura de crise gerada pela pandemia, o que levou muitos países da UE a apoiarem as suas companhias aéreas, como fez Portugal com a TAP (primeiro com 1,2 mil milhões de euros e mais recentemente com um apoio intercalar de 462 milhões de euros) ou com a SATA (133 milhões de euros).
“Mas as companhias aéreas nem sempre utilizaram este dinheiro para reembolsar os passageiros. Os nossos governos poderiam e deveriam ter insistido que esta ajuda pública estivesse condicionada ao reembolso dos passageiros”, assinala a membro do TCE.
A responsável conclui referindo que as ajudas estatais poderiam ter sido “um instrumento realmente útil para proteger os direitos dos passageiros, mas nenhum país europeu o utilizou”.
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