De Granadeiro a Ricciardi, estes foram os testemunhos presentes no julgamento de Salgado
Amílcar Morais Pires, Henrique Granadeiro e José Maria Ricciardi marcaram presença na terceira sessão de julgamento de Salgado para testemunhar. Hélder Bataglia optou por não depor.
A terceira sessão do julgamento de Ricardo Salgado decorreu esta terça-feira, após a leitura da sentença de Armando Vara, que ditou a condenação do mesmo a dois anos de prisão efetiva pelo crime de branqueamento de capitais. Nesta sessão, presidida pelo juiz Francisco Henriques, foram ouvidas novas testemunhas e, apesar de confirmado para depor, Hélder Bataglia, ex-sócio do GES, optou por não o fazer, por ter sido arguido na Operação Marquês.
Salgado, antigo presidente do BES, está a ser julgado por três crimes de abuso de confiança no âmbito da Operação Marquês, estando relacionados com a Espírito Santo (ES) Enterprises, o já conhecido “saco azul” do GES, envolvendo um valor superior a dez milhões de euros.
A primeira testemunha a depor foi Amílcar Morais Pires, que trabalhou como responsável financeiro do BES durante a chefia de Ricardo Salgado. No tribunal, o economista referiu desconhecer o “saco azul”, e disse que a Espírito Santo era uma marca “muito valiosa”, que tinha muitas empresas.
“Não participei na gestão dessa empresa [ES Enterprises], nem em qualquer ato. E nem sei quem eram os administradores”, sublinhou. O economista assegurou que todas as decisões do Conselho de Administração e da Comissão Executiva eram normalmente tomadas por unanimidade.
O Ministério Público questionou Morais Pires se alguma vez recebeu dinheiro desse “saco azul”, mas a defesa da testemunha e arguido do caso BES não deixou responder o cliente, por uma questão de autoincriminação, uma vez que é arguido no processo do universo GES.
“Não faço ideia do que está a falar”, diz Granadeiro
Um dos três crimes de abuso de confiança de que Ricardo Salgado é acusado está relacionado com transferências que a ES Enterprises fez para Henrique Granadeiro, tendo o ex-líder da PT transferido, depois, mais cerca de quatro milhões de euros para uma conta no banco Lombard Odier, aberta em nome de uma sociedade offshore chamada Begolino, que pertence a Ricardo Salgado e à respetiva mulher, Maria João Bastos.
O ex-administrador do BES recebeu oito milhões de euros em outubro de 2011 e só quando recebeu a segunda remessa de quatro milhões, em janeiro de 2012, é que registou estas entregas num contrato. Depois, os últimos dois milhões foram pagos em novembro.
Henrique Granadeiro, que foi não pronunciado pelo juiz Ivo Rosa neste processo, marcou presença virtualmente na terceira sessão de julgamento e foi o segundo a testemunhar através de videoconferência. O ex-presidente da PT considerou “perfeitamente normal” ter recebido mais de metade de um pagamento de 14 milhões de euros por parte da ES Enterpises e só depois ter feito um contrato escrito com o Grupo Espírito Santo.
Granadeiro sublinhou que a base de quaisquer contratos é a confiança entre partes e que a maior parte dos contratos que se fazem são verbais. O procurador do MP, Vítor Pinto, retorquiu, dizendo que, se havia confiança, não era preciso contrato.
Sobre os valores transferidos, explicou que os mesmos foram investidos numa herdade no Alentejo, o Vale do Rico Homem. “[Os oito milhões de euros] foi um sinal de princípio de pagamento, porque o contrato só foi feito em janeiro. O negócio foi concebido em euros”, explicou o gestor, adiantando ter recebido uma parcela dos quatro milhões de euros em janeiro de 2012 e os últimos dois milhões em novembro desse ano.
Já em relação à transferência de cerca de quatro milhões de euros em novembro de 2011 de uma conta no banco Pictet para outra conta do banco Lombard Odier, titulada pela Begolino, que era controlada pelo ex-presidente do BES, Henrique Granadeiro justificou essa operação com a compra de uma casa, mas reconheceu “ainda não” ter formalizado isso num contrato.
“A partir do momento em que entrámos na Operação Marquês, não tive qualquer contacto direto com Ricardo Salgado e nem mexi em nada patrimonial”, explicou o antigo líder da PT.
Durante o depoimento, Granadeiro falou ainda da mudança de investimento do setor agrícola para o ramo imobiliário por considerar “melhor”, mas recusou que uma certa mensagem trocada com Salgado tenha sido feita em código.
“Tenho boa memória, mas não faço ideia do que está a falar. Eu sou viticultor com algum prestígio… Fui o pai do Pêra-Manca”, disse, justificando, assim, que as alegadas encomendas referidas ao telefone eram sobre vinho.
Ricciardi conheceu “saco azul” pelos jornais
Outra das testemunhas que marcaram presença foi José Maria Ricciardi, ex-líder do BES Investimento e primo de Ricardo Salgado. Ligado ao GES desde os finais dos anos 90, assegurou que nunca ouviu falar da ES Enterprises e que apenas teve conhecimento da mesma “pelos jornais já depois de 2014” com o colapso do BES. “Era uma empresa de que não se falava”, referiu.
O primo de Ricardo Salgado reiterou que desconhecia os pagamentos efetuados por esta sociedade, nomeadamente suplementos remuneratórios. Refutou também qualquer ligação à Espírito Santo International VBI, da qual veio a receber dois pagamentos em 2013 e 2014.
Com a sua integração no Conselho Superior do GES, em 2011, o primo de Salgado garantiu que ficou “espantado” e que o órgão, inicialmente composto por cinco pessoas, passou a reunir nove. Ainda assim, sublinhou que o poder era completamente centralizado no antigo líder do GES e deu como exemplo as reuniões do Conselho Superior, nas quais os elementos agiam como “espetadores” em relação a Ricardo Salgado.
“Esse conselho era presidido pelo meu pai, mas a reunião não começava sem a chegada de Ricardo Salgado, sendo que ele era vogal. Era uma situação em que Ricardo Salgado descrevia o que acontecia e o que se ia fazer e as outras pessoas estavam como espetadores a assistir a isto. E está nas atas que eu perguntei se era para ouvir o que o Ricardo Salgado ia fazer ou se era uma reunião em que se punha a discussão e votação”, resumiu.
Quando começou a detetar irregularidades nas contas e movimentos do BESA para a Savoices, Ricciardi assegurou que foi logo ao MP informar o procurador Rosário Teixeira.
A testemunha relembrou também que elaborou um documento que foi assinado por seis dos nove elementos do Conselho para tentar afastar Salgado do Grupo. “Fui traído por esses elementos. Entregaram-lhe uma cópia. E na reunião seguinte ele pediu que fosse votada a tal moção de confiança”, referiu, sublinhando que é “falso” que se candidatou para o lugar de Salgado.
“Nunca mais me cruzei com Ricardo Salgado em lado nenhum. Não tive essa oportunidade. Se ele falar, eu falarei. Não é uma questão de problema de relação. As nossas vidas seguiram caminhos diferentes e não nos encontrámos fisicamente. Mas não estou de relações cortadas, não sei se ele estará. Estou a falar pela minha parte”, assegurou.
Salgado e os três crimes de abuso de confiança
Ricardo Salgado está em julgamento por três crimes de abuso de confiança no âmbito da Operação Marquês, um deles relacionado com transferências que a ES Enterprises fez para Henrique Granadeiro, como já explicado.
Outro dos três crimes de abuso de confiança que é imputado a Ricardo Salgado na decisão instrutória de Ivo Rosa consiste numa transferência de quatro milhões de euros da Enterprises para a Savoices (cujo beneficiário era Ricardo Salgado), em outubro de 2011.
Finalmente, há ainda cerca de dois milhões e 750 mil euros que tiveram origem no Banco Espírito Santo (BES) Angola, passaram por uma conta do empresário Hélder Bataglia e acabaram na Savoices de Ricardo Salgado.
O julgamento de Salgado ocorreu de forma autónoma face aos restantes arguidos, já que Ivo Rosa, na altura da decisão instrutória, anunciou que iria proceder à separação de processos de Salgado, Vara, Carlos Santos Silva, João Perna e José Sócrates, os únicos arguidos que o juiz de instrução pronunciou a 9 de abril.
Ricardo Salgado estava inicialmente acusado de um total de 21 crimes: um crime de corrupção ativa de titular de cargo político, dois crimes corrupção ativa, nove crimes branqueamento de capitais, três de abuso de confiança, três de falsificação de documento e três crimes fraude fiscal qualificada.
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