Costa prometeu descer impostos para a classe média. Mexer no terceiro escalão do IRS impacta a classe média?
O terceiro escalão do IRS poderá sofrer mexidas, englobando os agregados com rendimentos entre 10 mil e 20 mil euros anuais. Poderá ser considerado classe média? Conceito é indefinido.
Está em cima da mesa para o próximo Orçamento do Estado um desdobramento dos escalões do IRS, debruçando-se particularmente sobre o terceiro e o sexto. Medida chega depois de o Governo ter prometido, no programa, uma baixa de impostos para a classe média e o primeiro-ministro ter sinalizado que estava em estudo. O terceiro escalão abrange as pessoas com rendimentos entre os 10 mil e 20 mil euros anuais, um intervalo que levanta a questão: serão estas famílias de classe média?
A resposta não é fechada, já que em Portugal não existe um conceito fixo de classe média, como aponta Anabela Silva, da consultora EY, ao ECO. “Não há nenhuma definição que diga que escalões” compõem esta classe, e entre que montantes variam. Podem, no entanto, ver-se alguns indicadores como o salário médio dos portugueses.
Em 2020, a remuneração bruta mensal média por cada trabalhador em Portugal subiu 2,9% face ao ano anterior, fixando-se em 1.314 euros, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatísticas. Este salário resulta em rendimentos que se encontram aproximadamente em linha com o intervalo do escalão em causa. Mas este não é o único indicador.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) desenvolveu também uma “calculadora” para perceber as classes de rendimento dos vários países. Para Portugal, para um agregado de apenas uma pessoa, a classe média situa-se entre os 7.607 euros anuais e os 20.285 euros, abrangendo assim exatamente o 3º escalão.
Já para um casal, este continua a inserir-se, apesar de ser mais restrito: estão neste grupo as pessoas que auferem entre 10.758 e 28.688 euros. Quanto a uma família de três, rendimentos de 10 mil euros anuais já ficavam de fora. “Em Portugal, um agregado familiar de três pessoas necessitaria de 13.176 a 35.135 por ano para estar na classe de rendimento médio”, estima a OCDE.
Segundo as contas da OCDE, 60% da população portuguesa encontra-se na classe média, 29% na classe de rendimento baixo e 11% na classe de rendimento alto. Esta divisão está aproximadamente em linha com os países da OCDE, onde, em média, “61% estão na classe de renda média, 30% estão na classe de renda mais baixa e 9% estão na classe de renda alta”.
Para Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), este escalão engloba a classe média, talvez mais baixa, apesar de que “grande número de trabalhadores enquadra-se já no terceiro escalão”, segundo aponta ao ECO. A bastonária sublinha que este escalão tem um intervalo maior que o segundo e quarto, de 10 mil euros, razão pela qual poderá estar em foco agora.
No desdobramento que poderá acontecer, sobre o qual não são ainda conhecidos muitos detalhes, “tem que se ter cuidado com a taxa”, alerta Paula Franco. “Para ter eficácia, a taxa também tem de descer”, sinaliza, já que “criar um escalão intermédio ainda pode prejudicar em vez de beneficiar” se não existirem ajustes.
Confrontado também com esta reflexão, o economista José Reis, da Universidade de Coimbra, sinaliza ao ECO que, olhando para o limite inferior deste escalão, “estamos a falar dos níveis de rendimento mais baixos que já são passíveis de IRS”. Para o economista, esta medida de desdobramento “pode caber num objetivo de maior justiça fiscal”, já que “os muito ricos são privilegiados pelo nosso sistema”.
“Esta questão vejo como inserida num objetivo de introdução de maior progressividade fiscal e maior equidade e justiça fiscal”, acrescenta o economista.
Já para o politólogo José Adelino Maltez, com esta medida, o Governo está a “agitar as águas”. A classe média em Portugal é um “conceito impreciso”, defende, ao ECO, sendo quase “quem trabalha e paga impostos” e está sujeito às decisões do poder político. Quanto à abertura dos partidos, o politólogo salienta que até o PSD parece estar por trás desta medida.
“À partida pode ter a probabilidade elevada de ter a nossa concordância. Não tem a concordância total porque pode ser feito de uma maneira que não é justa, mas em principio, achamos bem”, disse o líder social-democrata Rui Rio, no início desta semana, em declarações transmitidas pela TVI24.
Quanto aos restantes partidos, também o Bloco de Esquerda e o próprio PS já tinham posto em cima da mesa das negociações do próximo OE o aumento do número de escalões do IRS. O PCP mostra-se a favor dessa medida, assim como outros partidos. O CDS, embora também defenda a redução da carga fiscal, considera que isso se conseguirá através da redução dos escalões.
Apesar deste aparente apoio dos partidos, a descida poderá não acontecer. “Já vimos muitos casos em que este Governo disse que descia impostos, mas no global subiu-os”, recorda João César das Neves ao ECO. “Com o défice como está, descer impostos não é nada provável”, reitera o economista.
A concretizar ou não, a intenção está inscrita no programa do Governo para 2019-2023, onde se lê que o objetivo é continuar a “aumentar a progressividade do IRS, como corolário da vertente distributiva do imposto”. “As principais medidas a adotar deverão ser dirigidas ao alívio do esforço fiscal da classe média”, acrescenta ainda o Executivo.
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