Patrões criticam “cedência do Governo à esquerda” sobre contratação coletiva
O Governo quer flexibilizar o acesso à arbitragem para prevenir a caducidade dos contratos coletivos, mas os patrões alegam que vai trazer rigidez ao mercado e tirar competitividade às empresas.
O Governo quer que, tanto trabalhadores como empregadores, possam recorrer aos tribunais arbitrais antes do final do prazo dos contratos coletivos, prevenindo a sua caducidade. A medida está a ser entendida como uma “cedência” aos partidos da esquerda com os quais está a ser negociado o Orçamento do Estado para 2022. Os empresários criticam este reforço da arbitragem necessária.
Num documento enviado aos parceiros sociais, o Governo propõe permitir que qualquer uma das partes possa mobilizar a arbitragem necessária, caso não haja acordo sobre revisão total ou parcial de uma convenção coletiva, ficando suspenso o prazo de sobrevigência até à decisão arbitral. Tal, defende o Executivo, irá traduzir-se numa “maior efetividade na prevenção da produção de vazios de cobertura” de instrumentos de regulação coletiva de trabalho.
Atualmente, a arbitragem necessária só pode ser acionada 12 meses após a caducidade do contrato coletivo, por um membro do Governo e somente se não existir outro acordo que seja aplicável. Resultado: a utilização deste mecanismo tem sido reduzida, admitiu a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho.
De notar que a questão da caducidade das convenções coletivas é, de resto, uma das matérias centrais das negociações entre o Governo, o Bloco de Esquerda e o PCP sobre o Orçamento do Estado para 2022. Tanto bloquistas como comunistas defendem, contudo, que é preciso avançar com a eliminação da caducidade dos contratos coletivos, não estando, portanto, plenamente satisfeitos com a proposta em questão.
Ainda assim, do lado dos empregadores, a leitura é consensual: o reforço da arbitragem na contratação coletiva é uma “cedência” do Executivo de António Costa aos partidos mais à esquerda, uma opção que os patrões criticam.
“São exigências conhecidas dos partidos com os quais o Governo está a negociar o Orçamento do Estado”, sublinha o líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). João Vieira Lopes diz-se desfavorável a esta medida, uma vez que “cria entraves à caducidade” dos contratos coletivos, não sendo este o momento certo, diz, para avançar nesse sentido. “Aparecendo de rompante, com uma reunião de Concertação Social na véspera de um Conselho de Ministros, só significa que o Governo está a usar as matérias laborais para aprovação do Orçamento e não motivado pela dinamização das empresas e da economia”, insiste.
Também a Associação de Transitários (APAT) faz essa leitura. Ana Camacho Soares explica que este reforço da arbitragem “não afeta diretamente” o setor que representa — a convenção coletiva respetiva já caducou –, mas atira que é “negativo“, porque, por um lado, introduz rigidez nas relações laborais e, por outro, é uma cedência à esquerda, sendo este um tema que “não deve ser tratado” num momento em que decorrem as negociações orçamentais.
Na mesma linha, o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro, defende que “é um exemplo que concretiza a maior rigidez laboral, sendo uma cedência à esquerda – das várias que, infelizmente, se perspetivam – para aprovação do Orçamento“. O responsável sublinha que a contratação coletiva serve para adaptar a legislação laboral ao contexto socioeconómico numa determinada altura, pelo que a sua “cristalização” impede a flexibilidade do mercado de trabalho.
Luís Miguel Ribeiro frisa, além disso, que esta medida se encaixa num pacote de outras alterações laborais anunciadas pelo Governo, que a AEP vê com preocupação. “Uma legislação laboral desadequada (muito rígida) conduz à perda de competitividade e é um sinal errado e contrário à atratividade de investimento privado, agravando a posição de Portugal nos rankings internacionais de competitividade em matéria laboral, onde já nesta altura compara mal com outros países”.
No setor têxtil, Mário Jorge Machado, da Associação Têxtil e de Vestuário de Portugal (ATP) critica a proposta do Governo. “Estamos a rigidificar situações que só nos prejudicam por uma visão do mundo que nunca funcionou em lado nenhum”, enfatiza, referindo que, antes, é essencial para a competitividade das empresas haver maior flexibilidade das relações de trabalho.
“Celebrar contratos que não podem ser dados por terminados é salazarento ou comunista. Sempre que se fala de uma das partes querer sair e não haver essa possibilidade é inaceitável”, sustenta o empresário têxtil. Recentemente, a ATP ganhou no Tribunal Constitucional um processo para garantir a caducidade do trabalho coletivo de trabalho. Está agora a negociar um novo contrato coletivo com o sindicato envolvido.
Também contra a medida está César Araújo, líder da Associação Nacional das Industrias de Vestuário e Confeção (ANIVEC). O responsável entende que, se o contrato coletivo caducar, deve vigorar a lei geral, isto é, o Código do Trabalho. “As partes é que têm de se entender, e não ser decidido por terceiros“, frisa, defendendo que “recorrer a um tribunal é violar a liberdade“.
Hélder Pedro, da Associação Automóvel de Portugal, partilha dessa opinião. “Apenas se deverá recorrer às entidades reguladoras de litígios, quando estão esgotadas todas as soluções, quer estas possam ou não culminar na caducidade”, sublinha. “Devemos priorizar a negociação e o empenho dos representantes de empresas e trabalhadores na tangibilidade de acordo”, acrescenta, argumentando que, outro enquadramento legal, poderá “cristalizar” contratos que não contribuam para a competitividade das empresas, ou para uma “maior inflexibilidade negocial“.
Já o vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), Rafael Campos Pereira, esclarece que o reforço da arbitragem na contratação coletiva não terá, pelo menos a curto e médio prazo, “qualquer impacto” no setor que representa, na medida em que há um contrato coletivo de trabalho em vigor, que não pretendem denunciar.
Ainda assim, contesta a medida. “Do ponto de vista conceptual, é profundamente errada. Além de estar ferida de inconstitucionalidade, viola de forma flagrante a Convenção 98 da OIT, que consagra o princípio da liberdade de negociação coletiva. Nesse sentido, enquanto organização representativa de um setor muito importante na economia portuguesa, lamentamos profundamente esta cedência do Governo“.
O argumento da constitucionalidade foi acenado esta quarta-feira pelo presidente da CIP, António Saraiva, no final da reunião da concertação social. Em conferência de imprensa, insistiu que as medidas que o Governo acrescentou à Agenda do Trabalho Digno, relativamente ao prolongamento da suspensão da caducidade das convenções coletivas de trabalho e o reforço da arbitragem necessária, poderão ser consideradas inconstitucionais e anunciou que vai solicitar essa apreciação aos partidos e ao Presidente da República.
Da parte dos sindicatos, por outro lado, há alguma concordância com a medida. A UGT acha que “nesta fase há que preservar a contratação coletiva que ainda se vai fazendo”, com Sérgio Monte a realçar o esforço em “apresentar uma nova modalidade de arbitragem necessária”, mas aponta que “não é suficiente”.
“Ruído” em cima do mercado laboral
Em declarações ao ECO, o presidente da Associação Portuguesa das Empresas do Setor Privado de Emprego e de Recursos Humanos (APESPE-RH), Afonso Carvalho, destaca que é “essencial não colocar mais ruído no mercado laboral“, pois as empresas e os trabalhadores “precisam de estabilidade”. Mas até admite que a flexibilização proposta pelo Governo até pode ser positiva. “Infelizmente, a Justiça é lenta, pelo que qualquer medida que acelere o processo de arbitragem será certamente bem acolhida”.
O líder da Confederação Portuguesa das Pequenas e Médias Empresas, Jorge Pisco, esclarece, por outro lado, que a medida em causa afetará sobretudo as empresas maiores. Para as mais pequenas, neste momento, a principal reivindicação orçamental é a continuação dos apoios, após o forte impacto da crise pandémica.
Este reforço da arbitragem na negociação coletiva deverá ser aprovado em Conselho de Ministros na próxima quinta-feira, como foi sinalizado o primeiro-ministro, António Costa. “O tema da caducidade tratar-se-á, e bem tratado, nesta Agenda do Trabalho Digno”, disse na semana passada o chefe do Executivo socialista.
De acordo com o relatório anual do Centro de Relações Laborais (CRL), em 2020, a contratação coletiva caiu 30% face ao ano anterior, registando-se 169 convenções que abrangiam 397.638 trabalhadores, quase metade do universo verificado em 2019. Segundo o relatório, a contratação coletiva predominava em três setores de atividade: transportes e armazenagem, indústrias transformadoras e o comércio por grosso e a retalho, reparação de veículos automóveis e motociclos.
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