Governo reduz advogados oficiosos nas escalas sem aval dos tribunais
São cerca de 13 mil e 500 advogados que estão inscritos como oficiosos, que defendem arguidos que não podem pagar do próprio bolso. Ordem repudia o que chama de "postura economicista" do Governo.
O Ministério da Justiça reduziu o número de advogados oficiosos que, todos os dias, estão de escala nos tribunais para patrocinar os arguidos que chegam e que não têm condições para pagar a um advogado do próprio bolso.
Por ano, o Estado gasta, em média, cerca de 30 milhões para pagar aos milhares de advogados que estão inscritos no Sistema de Acesso ao Direito enquanto advogados oficiosos. No total, são cerca de 13 mil e 500 advogados (de um total de 33 mil) que estão inscritos como advogados oficiosos. Agora, através de uma portaria da Direção Geral da Administração da Justiça, o Governo pretende poupar o que já paga a estes advogados.
Em comunicado, a Ordem dos Advogados (OA) já veio repudiar esta decisão, pedindo à DGAJ volte atrás no sistema de escalas presenciais, “considerando que as novas regras em vigor carecem de racionalidade funcional e não têm em conta nem os cidadãos – que ficam privados da possibilidade de ter um advogado disponível quando dele necessitam – nem os advogados – que veem alterado, sem qualquer justificação ou informação prévia, o mapa de escalas há muito praticado”. O ECO/Advocatus tentou obter uma explicação do Ministério da Justiça sobre esta questão, mas sem sucesso.
Segundo o líder dos advogados, Luís Menezes Leitão, “efetivamente, na maioria das comarcas e tribunais onde existem escalas presenciais, a DGAJ procedeu à redução, ou mesmo à supressão, do número de advogados escalados para as mesmas”. E sustenta: “É mais que tempo da tutela abandonar a perspetiva economicista e miserabilista que a tem caracterizado nos últimos tempos, passando a encarar os custos da justiça como fazendo parte de um serviço público que deve ser prestado aos cidadãos, sem exceção”.
Esta decisão foi da DGAJ — nos termos de uma portaria de 2008 — que diz que esta direção geral é o órgão legalmente habilitado a determinar não só o número de advogados em escala presencial, em cada período da manhã ou da tarde, mas também quais os tribunais que devem dispor deste tipo de escalas, informação essa que deve transmitir mensalmente à Ordem dos Advogados. “É assim, apenas com base nas determinações da DGAJ que a Ordem dos Advogados cria as escalas presenciais para os tribunais, de acordo com o número de advogados solicitado por aquela entidade”, explica ainda fonte da OA.
“O Conselho Geral da Ordem dos Advogados apenas tomou conhecimento desta decisão da DGAJ, quando esta lhe pediu para indicar a lista dos advogados inscritos em escalas presenciais a partir de Janeiro de 2022, anexando um mapa do qual se podia constatar uma referida diminuição do número de advogados a indicar para essas escalas presenciais, nos tribunais do país em que as mesmas existem. Esse mapa foi naturalmente dado a conhecer a todos os Conselhos Regionais que, por sua vez, o transmitiram às Delegações de Comarca em que funcionam escalas presenciais”, disse a mesma fonte.
Só que, defende a OA, “os pedidos de escalas presenciais devem ser efetuados pelos Presidentes dos Tribunais à própria DGAJ, devendo ser o mapa elaborado pela DGAJ com base nesses pedidos. Ora, tanto quanto se sabe, os senhores Juízes não solicitaram tal diminuição, ou sequer foram consultados nesse sentido, sabendo a Ordem dos Advogados que alguns deles até se encontram já a tomar diligências no sentido de solicitar a reposição do número de escalas presenciais anteriores”, conclui.
Aumento com atraso de um ano e só de oito cêntimos
No verão de 2020, o Ministério da Justiça aumentou em oito cêntimos a tabela de referência que serve de base de pagamento aos advogados pagos pelo Estado para a defesa de cidadãos que não tenham possibilidade de pagar do seu próprio bolso. A portaria atualizava a Tabela de Honorários do Acesso ao Direito e aos Tribunais, que não era atualizada desde 2009. Publicação essa que já chegava com um ano de atraso.
Por cada processo que um advogado oficioso patrocina, é aplicada a tabela de unidade de referência (UR) correspondente a cada tipo de processo. Ou seja: os mais complexos correspondem a mais unidades de referência e aos mais simples correspondem unidades mais baixas. Sendo que cada unidade tinha o valor de 25,50 euros. Desde esse aumento, as UR passaram a valer 25,58 euros. Concretizando: se um processo corresponder a oito unidades de referência, um advogado recebe 204,64 euros. Mais 64 cêntimos que antes de a portaria ser publicada.
Em 2020, de janeiro a dezembro, foram gastos 42 mil e 827 mil euros para pagar estes honorários. Em 2018 cerca de 49 milhões e em 2017 cerca de 55 milhões. No total, de 2010 a 2019 foram pagos pelo Estado cerca de 485 milhões de euros a advogados oficiosos.
Estado gasta 389 euros por advogado oficioso
Dados recentes divulgados no Relatório Justiça 2015-2020 do Ministério da Justiça mostram que um advogado oficioso em Portugal recebe, em média, 389 euros por cada apoio.
Relativamente ao número de apoios judiciários por 100.000 habitantes, em Portugal são feitos cerca de 1.503 apoios. Os países com um maior número de apoios são Escócia, com 3.535, Lituânia, com 3.002, Reino Unido, com 2.340, Países Baixos, com 2.159, e Mónaco, com 2.149. Marrocos (9), Hungria (139) e Turquia (177) são os países com menor número de casos.
Por outro lado, o valor médio pago por cada apoio judiciário é mais alto no Reino Unido, com um montante a rondar os 1.325 euros, o triplo do que é pago em Portugal. Entre os países que pagam mais aos advogados oficiosos estão ainda os Países Baixos (1.270 euros), a Irlanda (1.107 euros) e a Áustria (963 euros). Já a Ucrânia (20 euros), Moldávia (22 euros) e Marrocos (49 euros) são os países que menos pagam aos advogados oficiosos.
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