Surpresa na receita terá levado défice para a casa dos 3% em 2021
A receita surpreendeu pela positiva e deverá justificar que o défice, a crer em Centeno, ficará perto ou até abaixo de 3% em 2021. Mas é preciso esperar pelos números do INE para ter certezas.
Mário Centeno, atual governador do Banco de Portugal, matou saudades do seu antigo cargo como ministro das Finanças e anunciou o que nem o Governo tinha arriscado dizer: o défice de 2021 não só ficará abaixo de 4,3% do PIB, como o mais provável é ser inferior a 3%, cumprindo já o limite das regras orçamentais europeias, as quais estão suspensas. Mas o que justifica esta diferença tão grande? O ECO foi à procura de respostas e, apesar das cautelas, tudo aponta para uma surpresa na receita pública. A resposta definitiva chega a 25 de março pela mão do Instituto Nacional de Estatística (INE).
“Em 2021, o défice orçamental ficará muito próximo dos 3%, talvez mesmo cumprindo já com os tratados orçamentais, ou seja, será provavelmente inferior a 3%“, anunciou o governador do Banco de Portugal esta quarta-feira. E assim deu a boa nova do seu anterior Governo e do seu ex-secretário de Estado e atual ministro das Finanças, João Leão, que deverá estar de saída do Executivo. O Governo já tinha admitido que ia ficar abaixo de 4,3% — assim como o PS ao falar de folga orçamental –, mas nunca foi tão longe como Centeno ao apontar para um desvio superior a 1,3 pontos percentuais do PIB (uma diferença de mais de 2.500 milhões de euros).
Sem os números finais, em contabilidade nacional, do INE, os quais serão publicados a 25 de março, não é certo o que poderá ter levado o défice a descer tanto, até porque existem muitos fatores a ter em conta. Desde logo, há algo que já sabe: o denominador, o PIB, cresceu mais em 2021 (4,9%) do que o previsto pelo Governo (4,8%), o que dá uma ajuda a baixar o défice não só pela conta mas também por gerar mais receita para os cofres do Estado.
É isso que os números da execução orçamental até dezembro, em contabilidade pública, da Direção-Geral de Orçamento (DGO) indicam: a receita ficou 862,4 milhões de euros acima do previsto para 2021 no OE2022, fruto de uma recuperação económica mais intensa. Mas a despesa também deu o seu contributo ao ficar 262,6 milhões de euros aquém do previsto, o que também contribui para o défice ser menor. Porém, estes números não são automaticamente transponíveis para a ótica em contabilidade nacional, a que interessa para as comparações internacionais.
A passagem de um saldo para o outro é uma “incerteza”, assume ao ECO Rui Nuno Baleiras, coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental do Parlamento, assinalando que há “um conjunto de operações, tipicamente realizadas em dezembro, ainda desconhecidas” tanto no seu montante como nas entidades envolvidas, como é o caso de injeções extraordinárias de capital nos hospitais ou do pagamento de dívidas de entidades do Estado. No OE2021, o Governo calculava a diferença entre as duas óticas de 0,7 pontos percentuais do PIB, mas os números podem ter mudado.
É esta incerteza que leva o especialista em finanças públicas a ser cauteloso, sem adiantar se é possível ou não chegar aos 3%. Ainda assim, deixa claro que a meta será superada: “Pelo andamento da execução ao longo do ano, em contabilidade pública, a que conseguimos acompanhar tempestivamente todos os meses, tudo levava a entender que iríamos ficar com um défice inferior aos 4,3%”, afirma. Rui Nuno Baleiras nota que “a economia andou melhor face ao que se previa” e que “é provável que haja um contributo maior da receita pública do que da despesa, em termos percentuais, para o desvio” da meta.
Há ainda outro fator que poderá ter influenciado as contas públicas, ainda que este vá ser mais visível em 2022: a aceleração da taxa de inflação no quarto trimestre de 2021 em Portugal poderá ter ajudado a empolar a receita, com mais impostos a entrar via aumento do preço de vários bens (como os combustíveis), mas sem ter o efeito paralelo na despesa uma vez que o impacto é mais “difuso”, diz Rui Nuno Baleiras — por um lado, a despesa de investimento público em construção, por exemplo, pode ter sentido, mas as despesas com pessoal ainda não.
De qualquer das formas, a confirmar-se o défice antecipado por Centeno, o coordenador do UTAO não tem dúvidas: “É obviamente um excelente resultado, em termos financeiros. Não esperaria uma diferença superior a um ponto percentual”.
Números até ao terceiro trimestre já davam bons sinais
Os dados do INE relativos à execução orçamental em contabilidade nacional até ao terceiro trimestre já davam bons sinais, apontando para um défice acumulado de 2,5% do PIB. A incerteza estava no quarto trimestre uma vez que “historicamente” este é o pior para o saldo orçamental, confirma Rui Nuno Baleiras, referindo o pagamento dos subsídios de Natal. E havia ainda a injeção da TAP, com um impacto de 0,5% do PIB.
A análise da própria UTAO divulgada no final de janeiro referia que “a meta anual de –4,3% do PIB prevista pelo Ministério das Finanças para 2021 indicia a expectativa de que tenha havido uma deterioração adicional dos resultados orçamentais no último trimestre do ano face à observada até setembro”. Porém, tal não deverá ter acontecido, pelo menos não na intensidade prevista.
Nesse relatório, os especialistas do Parlamento também notavam que “o ritmo de crescimento da receita total face ao período homólogo (8,7%) superou o estimado pelo Ministério das Finanças para o conjunto de 2021 (7,7%)”, principalmente porque a receita fiscal e a receita contributiva “subiram proporcionalmente mais do que o previsto”. O destaque nos impostos era a recuperação do IVA. Mas sem esquecer as transferências comunitárias destinadas ao financiamento de despesa com as medidas COVID-19, as quais têm um impacto nulo no saldo (o valor da receita corresponde a um valor de despesa).
Os números completos sobre a evolução do saldo orçamental de 2021, em contabilidade nacional, serão divulgados a 25 de março pelo INE.
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