Beber um café vai ficar mais caro. Empresários da restauração acreditam que subida dos preços veio para ficar
Os empresários ouvidos pelo ECO apontam para uma subida no custo da carne, peixe, pão e café e acreditam que a recente subida de preços veio para ficar, e se irá agravar.
Com uma revisão em alta da inflação à boleia da subida do preço das matérias-primas e da energia, uma seca nacional severa e agora um conflito na Ucrânia, os preços dos alimentos já começam a dar sinais do impacto destes fatores. O ECO foi falar com os proprietários de cafés e restaurantes junto da zona de Santos, em Lisboa, e procurou saber se já sentem diferenças nos preços dos produtos. Embora não seja consensual o aumento de alguns produtos como o café, todos consideram que a recente subida de preços veio para ficar, e se irá agravar.
O proprietário do Heim Cafe na Rua Santos-O-Velho, em frente à Embaixada de França, Tiago Jorge, explica que o seu fornecedor o alertou para o aumento do café já em 2021, sendo que em função disto, “no início deste ano tivemos de aumentar, em média, cerca de 20 cêntimos pelos cafés de especialidade com leite. No expresso não alterámos o preço”, refere. Apesar deste aumento, Tiago garante: “Até agora ninguém deixou de consumir porque o preço aumentou”. No entender do gerente, “a procura não decresceu, mas isto também é época baixa, não sabemos o que é que isso vai significar quando tivermos mais clientes”.
Ainda na mesma rua, mas quatro números à esquerda, encontramos o gerente do café Zappi, Mike Covi. Para ele, não é só o café a subir de preço, mas também o leite. Ainda assim, o proprietário não alterou nem preços nem encomendas, pois “por enquanto não queremos afetar os consumidores, mas acho que dentro de algumas semanas talvez tenhamos de o fazer. Se quisermos manter a margem e o nosso negócio à tona adequadamente, acho que vamos ter de o fazer infelizmente”. O gerente esclarece que para ele, a pandemia de Covid-19 é “mais complicada” que qualquer aumento de preços, embora reconheça que as mudanças que se avizinham irão criar um “aperto financeiro”. “Se os preços aumentam e a carteira não, para mim, isso é um equilíbrio injusto”.
Em Portugal os preços dos alimentos estão a ser pressionados em várias frentes. No início do ano, a escalada dos preços da energia e das matérias-primas levaram a inflação portuguesa a atingir os 4,2% em fevereiro, uma das taxas de inflação mais baixas da área do euro, mas um máximo da década no cenário nacional. Em junção a este problema, a seca extrema portuguesa levou a um aumento do preço das rações, sementes e adubos, e agora também a guerra na Ucrânia ameaça novamente o setor agrícola.
A Ucrânia e a Rússia são dois dos principais exportadores de trigo e milho a nível mundial, pelo que o seu conflito vem pressionar as cotações destes cereais nos mercados internacionais. Além de aumentos no final de 2021 em bens como a carne ou o bacalhau, o café pode chegar a máximos históricos, de abril de 2011, no ano atual. Fatores como alterações climáticas e dificuldades no transporte, poderão criar uma subida do preço do café com efeitos percetíveis já a partir de abril, e até a holandesa Heineken vai aumentar os preços de forma a compensar uma subida de custos operacionais.
O poder de compra e a recuperação pós-pandemia
Ao subir a Rua da Esperança até ao número 156, alcançamos o bar Insaciável, propriedade de Arnaud Quinty. Aqui, o gerente acredita que ainda irá haver muitos mais problemas com a importação e exportação, bem como com o preço das matérias-primas. “Os preços vão aumentar, mas não significa que os salários deviam estagnar, os salários podiam aumentar também para o poder de compra das pessoas estabilizar”.
A questão do poder de compra é uma preocupação também partilhada pelo gerente Dinis Giestas. O proprietário nota “se não houver turismo, e não houver poder de compra dos clientes, então não podemos vender”. Dinis confessa estar com quebras “na ordem dos 50% ou mais”. “Aliás, ainda não recuperámos da pandemia”, refere, acrescentando que tudo o leva a crer que a subida dos preços veio para ficar. “Não prevejo nada de bom”, diz.
Já Alberto Carvalho, proprietário do restaurante Anta Bar-Petiscaria, umas ruas a Este no número 12 da estreita Travessa dos Pescadores, vai de encontro às palavras de Dinis e refere não ver “fumo branco”. “Vejo fumo muito negro no curto a médio prazo”. Para o gerente, também foi registada uma quebra de vendas, embora o mesmo aponte para um cenário, inicialmente, positivo nos primeiros momentos pós-pandemia: “Isto realmente via-se que já estava a mexer”. Contudo, o empresário mostra-se agora preocupado com o conflito na Ucrânia, o qual diz que “vai nos trazer consequências graves”.
Apesar da incerteza, Alberto confessa não poder aumentar os preços. “Não vou subir os preços, se o fizer deixo de ter clientes e não faturo. Vou tentar aguentar-me até onde posso”. Segundo o gerente, os preços têm sofrido “quase sempre, um aumento de 10 cêntimos, 20 cêntimos”, e as pessoas têm pouco poder de compra. Alberto nota aumentos especialmente na carne, peixe e pão. “Comprava o salmão a 8,9 mas hoje está entre os 12 e os 14, depende”, confessa o empresário, acrescentando só faltarem aumentos na cerveja e restantes bebidas alcoólicas.
Paula Santos, por sua vez, também verificou quebras de vendas no seu quiosque ao lado do Jardim Nuno Álvares em Santos, embora não exatamente pela subida dos preços. “Tudo por causa do Covid, não por causa dos aumentos, de todo”, refere de forma absoluta a proprietária. Segundo a mesma, a recente subida de preços ameaça de certa forma o negócio, mas para Paula, “as pessoas têm de consumir na mesma”, sendo que este consumo varia mais, ou menos, em função do mês.
Para alguns dos empresários consultados, embora a subida dos preços já se faça sentir, esta ainda não se traduz de forma imediata em aumentos junto do consumidor. Para alguns dos proprietários, as consequências geradas pela pandemia de Covid-19 ainda se sentem com maior intensidade quando comparadas com o aumento de alguns produtos. Contudo, o atual conflito na Ucrânia promete tempos de incerteza para muitos dos gerentes consultados.
Neste sentido, a AHRESP defendeu esta sexta-feira que o Orçamento do Estado para 2022 deve contemplar ajustes na área fiscal, de modo a responder à subida de preços. Segundo a associação, a economia ainda se encontra debilitada pela crise gerada pela pandemia, e o recente conflito na Ucrânia irá agravar ainda mais a subida de preços. No boletim diário da AHRESP são destacados os aumentos dos custos energéticos e dos produtos agrícolas, os quais a associação considera que irão refletir-se na inflação.
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