Lazard espera trégua na guerra. Recuperação das ações será de curta duração
"A Reserva Federal e o BCE estavam errados" sobre a inflação, sentencia o diretor de investimentos da Lazard Fund Managers. A política monetária terá de ser muito mais agressiva, sobretudo nos EUA.
“O cenário mais provável é uma trégua nas próximas semanas”, considera Mathieu Grouès, diretor de investimentos da Lazard Frères Gestion. Se acontecer, o valor dos ativos de risco vai recuperar, mas o movimento não será duradouro, devido ao ciclo agressivo de subida das taxas de juro. A gestora de ativos francesa acredita que a economia está em boa forma para absorver o choque da guerra, desde que a fatura energética não continue a subir.
“A Rússia enfrenta uma oposição no terreno mais complicada do que estava à espera. Tem um exército muito maior, mas não temos a certeza de que isso seja suficiente, porque as forças ucranianas beneficiam com as armas tecnologicamente avançadas entregues pelo Ocidente”, afirmou Mathieu Grouès num encontro com clientes e jornalistas, esta quarta-feira, em Lisboa.
“Uma ocupação integral do território é improvável, assim como uma mudança do Governo“, defendeu, justificando com a forma como os ucranianos rejeitaram a invasão. Daí a expectativa de que “a guerra não será muito prolongada”.
Havendo um acordo entre as partes que conduza a uma trégua, “os ativos de risco vão valorizar”, acredita o também diretor do braço europeu da Lazard Fund Managers, que gere 274 mil milhões de euros em ativos. Mas “provavelmente será será uma recuperação de curto prazo e o mercado acabará por voltar a baixar”, devido ao ciclo agressivo de subida dos juros.
Economia capaz de absorver choque
A extensão do impacto da guerra e das sanções impostas à Rússia na União Europeia é difícil de avaliar, mas o mais relevante resulta do aumento dos preços da energia que, “se houver tréguas, não será tão significativo”. Se o conflito se prolongar e o efeito for mais grave, Mathieu Grouès acredita que “uma parte significativa vai ser absorvida pelos Governos”. A Polónia já gastou o equivalente a 1,2% do PIB em apoios e a França 0,6%, para citar alguns exemplos. Percentagens que irão provavelmente subir.
Mais relevante, o responsável acredita que a “este choque significativo acontece numa altura em que a economia é capaz de o absorver“. Os índices de confiança indicam que a vaga de Ómicron parece já não pesar tanto sobre a atividade e “a reabertura da economia dará um impulso no crescimento do produto”.
Há uma almofada significativa para suportar o consumo nos EUA e noutras partes do mundo. São boas notícias, agora que temos uma guerra.
A procura dos consumidores é bastante robusta. Mathieu Grouès dá como exemplo as vendas a retalho a nível mundial, que não só recuperaram a tendência de crescimento, como a estão a superar, o que é inédito. Tal como é o nível de poupança das famílias norte-americanas. “Há uma almofada significativa para suportar o consumo nos EUA e noutras partes do mundo. São boas notícias, agora que temos uma guerra”, sublinhou.
A China representava a maior fraqueza antes da guerra, mas o diretor de investimento da Lazard Frères Gestion vê no renovado compromisso com uma meta de crescimento de 5,5% este ano um sinal de que o Governo vai aprovar apoios para estimular a economia.
Reserva Federal e BCE estavam errados sobre a inflação
Mesmo que a guerra se prolongue, Mathieu Grouès acredita que os mercados vão acabar por focar a atenção noutros temas, sendo o principal a inflação, que se revelou muito mais duradoura e intensa do que os bancos centrais previam.
“A Reserva Federal e o BCE estavam errados. Em outubro disseram que a inflação estava um pouco elevada, mas tinham a certeza que iria baixar até ao final do ano. Na verdade continuou a acelerar. Estavam demasiado otimistas”, afirmou.
A pressão sobre os preços nos EUA vai continuar, devido ao aumento dos custos com a habitação e a subida dos salários, que ronda os 6%, num mercado de trabalho perto da capacidade máxima. “É uma situação muito complicada para um banco central. A Reserva Federal terá de ser muito mais agressiva do que tem sido dito nos últimos meses”, considerou.
A Reserva Federal quer ter um impacto na economia para que a inflação baixe. As taxas de curto prazo vão subir e as de longo prazo também, para que a economia desacelere.
“O mercado está a antecipar que o ciclo pare nos 2%. Nós achamos que com a inflação core perto dos 6% será necessário fazer algo para abrandar a economia, para aliviar o mercado de trabalho. Pôr a taxa real em -2% não é suficiente. Não acreditamos nesta previsão e achamos que os mercados terão de a ajustar. Provavelmente vamos ter mais aumentos este ano”, vaticinou. “A Reserva Federal quer ter um impacto na economia para que a inflação baixe. As taxas de curto prazo vão subir e as de longo prazo também, para que a economia desacelere”, acrescenta.
O mercado de trabalho também está muito apertado na Zona Euro, com a taxa de vagas não preenchidas em nível recorde, mas não se observam aumentos significativos nos salários, ainda que faltem dados estatísticos para uma correta avaliação. “Quando falamos com clientes e com empresas, todos nos dizem que há aumentos de salários, mas não são comparáveis aos dos EUA“, afirmou o diretor de investimentos da Lazard Frères Gestion. Mas salienta que o BCE mostrou que, mesmo com a guerra, está preparado para subir as taxas de juro este ano.
Preferência por ações da Zona Euro
Perante este cenário, a gestora de ativos francesa está cética em relação ao investimento em ações, em particular nos EUA, onde os lucros das empresas em percentagem do PIB estão nos 12,5%. “É difícil manter um nível tão elevado. A subida dos salários vai afetar as margens. O melhor período para os lucros das empresas nos EUA provavelmente já passou“, acredita Mathieu Grouès.
Por outro lado, as avaliações das cotadas norte-americanas estão já muito esticadas, com o rácio entre a cotação e as vendas previstas para os próximos 12 meses no nível mais elevado de sempre. O mesmo não acontece na Zona Euro, onde as avaliações não estão tão altas, inclusive em termos históricos.
A inversão agressiva no ciclo de taxas de juro, sobretudo nos EUA, levará a uma queda das ações e outros ativos de risco, daí a preferência por ações da Zona Euro, que estão também menos caras.
A Lazard prevê também que as ações de empresas “valor” (que negoceiam a desconto face ao mercado) continuem a ter um desempenho superior às de “crescimento” (com taxas elevadas de aumento dos lucros) nos próximos trimestres.
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