As memórias de Proença de Carvalho de uma carreira de quase 60 anos
Daniel Proença de Carvalho lança esta quinta-feira o livro de memórias "Justiça, Política e Comunicação Social", onde revisita momentos históricos da nossa sociedade.
Daniel Proença de Carvalho lança esta quinta-feira o livro “Justiça, Política e Comunicação Social – Memórias do Advogado”. Ao longo das 375 páginas, o advogado faz uma análise (polémica) sobre a Justiça, os media e a política em Portugal, desde o final da década de 1960 até à atualidade.
Na obra, editada pela Bertrand, o advogado sublinha que a Justiça é um dos setores em que Portugal não progrediu. “A Justiça não tem sido capaz de corresponder, nem em tempo nem em qualidade, às aspirações de quem dela necessita”. Acusando os portugueses de terem “um problema com o sucesso e a riqueza” e admitindo que esse “caldo cultural” tem estado bem presente nos tribunais, na comunicação social e na política. No caso da Justiça, o ex-presidente da Uría Menéndez – Proença de Carvalho, diz que há ainda outro elemento que explica o que chama de “insucesso” do sistema judicial que é “o corporativismo, ausência de escrutínio e que levou a um sistema algo esquizofrénico, onde podemos encontrar o bom e o mau”, escreve na obra, a que o ECO teve acesso previamente à publicação.
No capítulo a que chama de “O meu testemunho”, Daniel Proença de Carvalho descreve alguns dos grandes casos judiciais em que esteve envolvido como advogado de defesa. “Falo nos casos de perseguições com erros judiciais que mais me impressionaram”. Apesar de fazer o alerta: “não pretendo generalizar porque a minha advocacia maioritária não passou por aí”. Mas advertindo que “na época em que esses casos de erros judiciais ocorreram, a comunicação social tratou-os de forma distorcida, normalmente na ótica dos acusadores. Sendo que o Ministério Público aperfeiçoou os métodos de condenação prévia dos seus perseguidos junto da opinião pública”. E aponta o dedo ao estado atual das coisas: “a perceção sobre o sistema de Justiça degradou-se ao longo dos anos, atingindo um patamar negativo na confiança dos cidadãos e das empresas”.
No prefácio, a cargo da ex-ministra da Saúde social democrata, Leonor Beleza, cliente do advogado no mediático caso dos hemofílicos, começa escrevendo que esta obra “é também um contributo para a nossa compreensão coletiva de Portugal de hoje e da necessidade do que chamamos reformas”. E explica que o autor faz uma “descrição de uma série de casos exemplares, uma espécie de percurso das insuficiências da Justiça criminal em Portugal ao longo do século XX”, identificando ” a infeliz permanência de fatores de fraqueza e prepotência, que correlaciona com a regra e práticas que precisam de ser questionadas”. E acrescenta: “como é que, apesar da superioridade que vemos na nossa democracia, apesar do arsenal de direitos e de meios de o exercer, apesar de a generalidade dos agentes se conter dentro dos limites e de respeitar os outros, podem existir desvios e abusos, prolongados e repetidos? Como é que os agentes privilegiados do sistema de Justiça que o Estado criou e mantém para nos proteger a todos, se podem aqui e ali se comportar como autores de perseguições e destruidores da liberdade e da reputação?“, questiona Leonor Beleza que é também personagem neste livro.
Um livro que não se limita a esta avaliação do status quo judicial mas também da sociedade, dos excessos da ditadura, dos “desvarios” do PREC, do que chama de abusos em democracia, da política nacional em plenos anos 80, que conta a sua relação com o procurador Geral da República da altura, Cunha Rodrigues, da sua ligação à RTP e da sua passagem pela pasta da comunicação social, da tentativa de liderar um canal privado de televisão ou mesma da sua (breve) passagem pela Polícia Judiciária. O autor consegue com que o leitor revisite momentos e figuras históricas da nossa democracia como Salgado Zenha, Ramalho Eanes, Cavaco Silva, Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Mário Soares, a revolução dos cravos e o subsequente 11 de março de e o 25 de novembro de 1975. E ainda da sua passagem pelos media, no Semanário, com Marcelo Rebelo de Sousa.
Daniel Proença de Carvalho nasceu na Soalheira, concelho do Fundão, a 15 de setembro de 1941. Assumiu as funções de presidente da Uría em março de 2010, através da fusão da sociedade de advogados Proença de Carvalho & Associados com a Uría Menéndez. A par da sua atividade como advogado, desempenhou vários cargos, tendo sido ministro da Comunicação Social no quarto Governo Constitucional presidido por Mota Pinto (1978/79), presidente da RTP (1980/83) e presidente do Conselho de Administração da Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva (1993/2007). É atualmente presidente da Assembleia Geral do Instituto Português de Corporate Governance, desde junho de 2010. E foi ainda presidente do Conselho de Administração da Global Media, grupo que detém títulos como o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias.
Em 1978 foi nomeado Ministro da Comunicação Social do IV Governo Constitucional, de iniciativa presidencial de Ramalho Eanes e sendo primeiro-ministro Carlos Mota Pinto. Depois de acabar o governo Mota Pinto e vencidas as legislativas pela Aliança Democrática, Proença de Carvalho foi nomeado presidente do Conselho de Administração da Radiotelevisão Portuguesa, em 1979.
Em 1974 inscreve-se no Partido Socialista (PS), desfiliando-se mais tarde e em 1986 dirigiu a campanha de Diogo Freitas do Amaral nas eleições presidenciais. Dez anos mais tarde foi mandatário da primeira candidatura de Aníbal Cavaco Silva, nas presidenciais de 1996.
Proença de Carvalho exerce ainda funções em instituições de utilidade pública sem fins lucrativos, designadamente, preside o Conselho de Curadores da Fundação Champalimaud. Advogado de sempre de António Champallimaud, protagonizou o caso da Herança Sommer, nos finais dos anos 60. Foi ainda advogado de Leonor Beleza, nos anos 90. A seguir ao 25 de abril de 1974 defendeu vários empresários no PREC, incluindo os irmãos José e Agostinho da Silva, fundadores da Torralta. Foi ainda advogado de vários empresários portugueses como o comendador Rui Nabeiro (Delta Cafés), António Mota (Mota Engil) e Paulo Fernandes (Cofina) e ainda Roberto Carneiro.
É licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra. Foi delegado do procurador da República em Santiago do Cacém. Em 1967 entrou para a Polícia Judiciária como inspetor. A sua participação no julgamento do caso da herança Sommer, que opôs os dois irmãos Champalimaud, tornou-o uma figura pública. Foi também uma figura central durante o PREC e o 25 de novembro, na proposta de uma televisão pública e no movimento Portugal Único (contra a regionalização). Em 2019 anunciou que se iria retirar da advocacia e, no final desse ano, deixou de exercer o cargo de presidente da Uría Menéndez – Proença de Carvalho.
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