Operação Marquês. Ministério Público quer Salgado a cumprir 10 anos de prisão e não apenas seis

O Ministério Público recorreu para o Supremo para que Salgado cumpra mais de seis anos de prisão. Em causa os "elevados montantes que se apropriou" e a "falta de arrependimento".

O Ministério Público (MP) quer que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) aprecie um recurso para que Ricardo Salgado — no âmbito da Operação Marquês — cumpra uma pena efetiva de prisão de dez anos e não de seis anos, a pena decidida em primeira instância.

O ex-homem forte do BES foi condenado, em março deste ano, a uma pena de seis anos de prisão efetiva pelos três crimes de abuso de confiança que saíram da Operação Marquês.

Agora, dois meses depois, o recurso do MP — a que o ECO/Advocatus teve acesso — explica esta pena mais elevada, dizendo “que a decisão recorrida violou também, por erro de interpretação e aplicação, o art.º 77.º, n.ºs 1 e 2, do C.Penal, pelo que a mesma deve também nessa parte ser revogada e substituída por outra que condene o arguido na pena única de dez anos de prisão – ou, no mínimo (…) na pena única de seis anos e oito meses de prisão”, explica o magistrado do MP, Vitor Pereira Pinto.

O MP pede este agravamento de pena de prisão efetiva, mesmo tendo o tribunal em primeira instância dado como provada a doença de Alzheimer de que sofre Salgado. Um dos pontos que mais curiosidade suscitava neste processo em concreto era o de saber até que ponto a doença de Alzheimer de Salgado seria ponderada para a aplicação da pena. No acórdão, de março deste ano, o juiz Francisco Henriques considerou que ficou provado que o ex-banqueiro sofre desta doença neurológica mas não referiu esse mesmo estado de saúde ao aplicar a pena de prisão efetiva de seis anos. Por um lado, admitiu que existia mas, por outro não ponderou esse fator para a aplicação da pena. Esse facto parece também ter sido ignorado agora pelo Ministério Público.

E também não se pronunciou sobre um caso concreto relembrado pela defesa que o presidente da Câmara de Santa Comba Dão, João Lourenço, com menos de 60 anos, foi condenado, em novembro, pelo Tribunal de Viseu, a uma pena suspensa de sete anos de prisão. Na leitura do acórdão, o juiz decidiu suspender a pena pelo facto do arguido sofrer da doença de Alzheimer. Já o Ministério Público tinha pedido a mesma pena suspensa precisamente por causa da doença.

O ECO/Advocatus tentou contactar o advogado de defesa de Salgado, Francisco Proença de Carvalho, mas este preferiu não tecer comentários.

Em 93 páginas assinadas, o magistrado da primeira instância dedica apenas uma linha à doença: “ao arguido foi diagnosticada a doença de Alzheimer, conforme declaração médica do senhor doutor Joaquim José Coutinho Ferreira”. Não tecendo qualquer valoração jurídica sobre de que forma este estado de saúde poderia influenciar ou não o tipo de pena a que foi condenado.

Em outubro de 2021, a defesa de Salgado alega que o seu cliente sofre de Alzheimer. Juntou um relatório médico, assinado pelo neurologista Joaquim Ferreira, depois do juiz ter recusado uma perícia médica independente, que seria pedida pelo tribunal. Perante este diagnóstico, a defesa decide então fazer um requerimento para pedir a suspensão do julgamento ou, pelo menos, a haver condenação, que fosse a uma pena suspensa.

E que argumentos usa agora o Ministério Público para agravar a pena?

  • Os “elevadíssimos montantes de que o arguido se apropriou – montantes que oscilaram entre os 2.750.000€ e os 4.000.000€ em cada um dos crimes, quantias, cada uma delas, que 95% ou mais da população portuguesa não conseguirá auferir durante toda uma vida de trabalho”;
  • A “muito acentuada gravidade da violação dos deveres a cargo do arguido, vista a
    especial obrigação que o mesmo tinha de não cometer estes crimes, dada a sua posição de
    administrador do GES, a quem competia defender os interesses deste Grupo e não lesá-los”;
  • A “elevada condição económica do arguido, que gozava de uma situação financeira
    absolutamente desafogada, com rendimentos mensais da ordem das dezenas de milhares de euros, estando confortavelmente instalado na vida enquanto CEO do GES”;
  • “Ao tempo, e já com cerca de 66- 67 anos de idade, não se coibiu de praticar os factos em causa, o que só se explica por pura ganância – motivação que nem uma idade já relativamente avançada travou”;
  • “A sua conduta posterior aos factos, no sentido de arranjar e, até, forjar justificativos
    para as transferências de fundos a seu favor, em vez de procurar reparar o mal dos crimes
    cometidos;
  • “A ausência de arrependimento, que a negação da prática dos crimes e a ausência de
    reparação dos danos causados claramente evidencia”;
  • “A gravidade da violação do bem jurídico protegido, quer a frequência com que este tipo de ilícito é praticado, quer o alarme, a sensação de impunidade e o sentimento de revolta que este tipo de condutas, quando levadas a cabo por pessoas de elevada condição económica, provocam na população em geral, tão carenciada de recursos económicos”;
  • “O arguido não demonstrou arrependimento e não tomou até à data qualquer iniciativa relevante tendente a minorar ou reparar o mal causado, o que, ponderada também a sua contestação dos factos, permite concluir que não reconhece o desvalor da sua conduta”;
    “Escasso terá de ser também o valor atenuativo da idade, pois também foi já com uma idade relativamente avançada que o arguido cometeu os crimes em causa, o que não pode deixar de ser aqui ponderado”.

Condenação a seis anos de pena de prisão efetiva

A 7 de março deste ano, o ex-líder do Banco Espírito Santo (BES), Ricardo Salgado, foi condenado a uma pena de seis anos pelos três crimes de abuso de confiança que saíram da Operação Marquês.

O tribunal considerou como provados “quase todos os factos constantes da acusação”, segundo explicou o juiz Francisco Henriques. Mas o magistrado diz que “não ficou provado a questão da gestão centralizada do BES”. Quanto à doença de Alzheimer, o magistrado diz que ficou provada essa condição física de Ricardo Salgado, bem como as condições socioeconómicas do arguido.

A leitura da decisão durou cerca de dez minutos, num processo que começou em 2014, com a detenção do ex-primeiro ministro José Sócrates. O Ministério Público pediu ainda que a medida de coação fosse agravada para a proibição de se ausentar do país e de apreensão de passaporte.

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