Ano letivo arranca com “nuvem negra” da falta de professores e nova normalidade
Diretores temem falta de professores na reabertura das escolas e alertam que as medidas do Governo para 2022/2023 só servem no curto prazo. Regresso às aulas quase lembra o período pré-pandemia.
Na próxima semana arranca um novo ano letivo sob a “nuvem negra” do já antigo problema da falta de professores, antecipam os diretores escolares, alertando que as medidas do Governo para 2022/2023 só servem no curto prazo.
“Do nosso lado, as coisas estão muito bem preparadas, mas há uma nuvem negra no panorama educativo nacional que pode ter implicações no decurso do ano letivo”, disse à Lusa o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).
A nuvem negra a que Filinto Lima se refere é a falta de professores, tema recorrente a cada ano letivo que passa, mas um problema que tenderá a agravar-se, apesar de medidas recentes do Governo para o minimizar.
Este receio dos diretores contrasta, em certa medida, com um balanço mais otimista feito pelo ministro da Educação, João Costa, na sexta-feira, quando cerca de 97% dos horários pedidos pelas escolas em agosto já tinham sido preenchidos nas duas primeiras reservas de recrutamento, que decorreram nos dias 2 e 9 de setembro.
Antes disso, depois de concluídos os processos de mobilidade interna e contratação inicial, já tinham ficado por preencher apenas 2,3% dos horários, ainda que alguns tenham ficado entretanto desocupados, por exemplo, devido a baixas médicas.
“Neste momento, temos cerca de 600 horários que estão ainda em concurso e muitos deles estão já a migrar para a contratação direta pelas escolas”, disse João Costa na sexta-feira, acrescentando que alguns não correspondem sequer a aulas, mas outras atividades da escola.
Neste momento, temos cerca de 600 horários que estão ainda em concurso e muitos deles estão já a migrar para a contratação direta pelas escolas.
Por isso, o ministro fez um balanço positivo em vésperas do regresso às aulas e, comparando com os últimos dois anos, refere que o número de horários por atribuir após a segunda reserva de recrutamento, que não era tão baixo desde 2019, diminui 50%.
E atribuiu essa melhoria a um conjunto de medidas recentes, como a possibilidade de os diretores recorrerem logo à contratação de escola sem passar pelas reservas de recrutamento na ausência de professores disponíveis para preencher os horários ainda por ocupar, a renovação dos contratos anuais em horários completos e incompletos ou a redução das mobilidades estatutárias.
Outra das novidades na preparação do novo ano letivo foi a possibilidade de as escolas completarem os horários quando não houvesse candidatos, tornando-os mais atrativos, e a revisão das habilitações próprias, com novos requisitos que passaram a incluir os cursos pós-Bolonha, permitindo que docentes não profissionalizados possam ser contratados pelas escolas desde que tenham uma formação mínima na área da respetiva disciplina.
Apesar de admitirem que as medidas poderão minimizar a falta de professores no próximo ano letivo, os representantes dos diretores questionam se serão suficientes, sobretudo num ano em que se prevê a aposentação de cerca de dois mil docentes e em que antecipam um aumento exponencial das baixas médicas devido ao novo regime de mobilidade por doença, com novos critérios que resultaram em menos de metade do número de pedidos aceites face ao ano anterior.
Novas medidas para facilitar a contratação
O próprio Ministério da Educação reconhece que a pressão para a contratação será maior no próximo ano letivo e, por isso, está a preparar um outro conjunto de medidas que facilitem esse processo, por exemplo, através da acumulação de horários entre escolas ou da atribuição de determinadas tarefas, sempre que possível, a não docentes.
Mas para os diretores, são medidas de resposta apenas no curto prazo, mas não resolvem o problema estrutural: a pouca atratividade da profissão. “A solução passa claramente por investir nos recursos humanos das escolas”, sublinhou Filinto Lima, da ANDAEP, colocando o ónus não só no Ministério da Educação, mas também no Ministério das Finanças.
Sabíamos há dez anos, ou mais, que o problema que estamos a atravessar agora ia acontecer e a verdade é que os diferentes ministérios de Educação sempre optaram por soluções pontuais.
O presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) partilha da mesma opinião e defende que a tutela deve olhar para o futuro a longo prazo. “Sabíamos há dez anos, ou mais, que o problema que estamos a atravessar agora ia acontecer e a verdade é que os diferentes ministérios de Educação sempre optaram por soluções pontuais”, apontou.
Valorizar a profissão docente. No fundo, é a isso que os diretores resumem as medidas que defendem ser necessárias e os pais subscrevem. “Temos que olhar para a carreira docente numa perspetiva diferenciador, motivar e acarinhar os professores”, afirmou Mariana Carvalho, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, que espera que as medidas recentes permitam, pelo menos, resolver a falta de docentes no ano letivo que agora se inicia.
Nova normalidade nas escolas
A escola não vai voltar àquilo que era até 2019, mas os diretores esperam que o novo ano letivo, que arranca a partir de terça-feira, traga uma nova normalidade apesar da pandemia de covid-19.
Pela primeira vez em dois anos, os diretores escolares prepararam o início do novo ano letivo sem a Covid-19 no topo das suas preocupações, para um regresso às aulas quase a lembrar o período pré-pandemia, mas refletindo tudo aquilo que as escolas aprenderam entretanto.
É o regresso possível a uma normalidade que pais, professores e alunos desejavam. “Acho que, nesse aspeto, o céu está azul”, disse à agência Lusa o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).
Segundo Filinto Lima, as escolas prepararam-se para o novo ano letivo, que arranca entre terça-feira e sexta-feira, mais ou menos como prepararam o início do ano letivo de 2019/2020, o último antes da pandemia e que começou sem quaisquer restrições.
Desde então, máscaras obrigatórias, distanciamento físico, horários desfasados, turmas organizadas em “bolhas”, circuitos para entrar e sair da escola, ou planos de contingência com o que fazer em caso de surtos de covid-19 passaram a fazer parte das preocupações dos diretores a esta altura.
No próximo ano, essas restrições já não farão parte do quotidiano dos alunos, mas o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) sublinha que a pandemia da covid-19 não está ultrapassada. “A escola de hoje não é a escola de 2019”, afirmou Manuel Pereira, sustentando que apesar de já não vigorarem medidas restritivas, as escolas também aprenderam algumas lições com a pandemia que se vão refletir nas pequenas coisas, por exemplo, o reforço da higienização dos espaços.
“Os tempos novos têm de ser vividos à luz do que se aprendeu nos tempos passados, e vamos ter de continuar a viver com a pandemia”, acrescentou o diretor que, por exemplo, quanto ao uso de máscara, considera positivo os alunos o façam nos transportes públicos, apesar de já não ser obrigatório.
Por outro lado, algumas escolas vão manter igualmente os planos de contingência e o contacto próximo com as autoridades de saúde para evitarem, tanto quando possível, casos de infeção e para saberem o que fazer se isso acontecer.
“Toda a gente deseja a normalidade”, acrescenta, por sua vez, a presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), que admitiu que uma das principais preocupações dos pais em vésperas do regresso às aulas se prende com a saúde mental dos alunos e professores depois de três anos com constrangimentos devido à pandemia.
Estamos muito melhor preparados e já temos muita experiência com os meios digitais e em aplicá-los nas aulas à distância.
A atual situação epidemiológica permite que assim seja, mas o Governo não afasta a possibilidade de, com a chegada do outono e inverno, a situação se agrave e implique medidas adicionais. Os diretores esperam que eventuais medidas não voltem a afetar as escolas e o ensino, mas asseguram que, se for necessário, também estão preparados para isso.
“Estamos muito melhor preparados e já temos muita experiência com os meios digitais e em aplicá-los nas aulas à distância”, afirmou Filinto Lima, recordando que esse foi o grande desafio quando as escolas encerraram em 2020, mas, após dois anos com novos períodos de aulas ensino ‘online’, deixou de ser impeditivo.
Da parte da Confap, Mariana Carvalho concorda que entre as várias medidas implementadas devido à Covid-19, algumas poderão continuar a ser vantajosas neste novo período, como o reforço da higienização dos espaços e algum desfasamento de horários que permita facilitar a circulação à entrada das escolas.
Por outro lado, a representante dos pais alerta que para algumas crianças esse regresso à normalidade poderá ser estranho e, por isso, sublinha a necessidade de as escolas estarem também atentas a esse aspeto. “Acredito que conseguiríamos ajudar toda a comunidade educativa criando equipas multidisciplinares que estivessem presentes nas escolas e próximas das comunidades”, acrescenta.
Esse é também um dos eixos do Plano 21|23 Escola+, para a recuperação das aprendizagens afetadas durante a pandemia, que destaca igualmente o bem-estar da comunidade escolar e se vai manter durante o próximo ano letivo.
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