Exclusivo Centeno tem reservas sobre apoios às famílias com empréstimos à habitação

Governo e partidos discutem medidas para apoiar as famílias com crédito à habitação. PSD chamou governador do Banco de Portugal ao Parlamento. Mário Centeno tem reservas.

Conferência "O Impacto da Nova Ordem Mundial na Economia Europeia" no CCB - 27SET22
Mário Centeno no encerramento da conferência “O impacto da nova ordem mundial na economia europeia”.Hugo Amaral/ECO

A subida acentuada das taxas de juro está a pressionar milhares de famílias com crédito da casa. Com a prestação a aumentar, o Governo e os partidos colocam em cima da mesa eventuais medidas para aliviar o impacto do agravamento das Euribor. O governador do Banco de Portugal acabou de ser chamado ao Parlamento pelo PSD para dar a sua opinião sobre este tema. Mas Mário Centeno tem reservas quanto aos apoios para quem está a pagar o empréstimo da habitação ao banco.

Para Centeno, que falou no encerramento da conferência “O impacto da nova ordem mundial na economia europeia”, é impossível não nos depararmos com “um sentimento de vertigem” quando olhamos para a evolução das taxas de juro no último ano. “Esta correção é muito abrupta e nós devemos olhar com atenção”, afirmou esta terça-feira no evento organizado pelo ECO, em parceria com a Morais Leitão, PLMJ e VdA.

Desde o início do ano que as taxas Euribor, usadas na grande maioria dos contratos da casa, estão a acelerar, tendo saído de valores negativos para máximos de mais de dez anos num curto espaço de tempo, antecipando o aperto monetário do Banco Central Europeu (BCE) para controlar a inflação que se encaminha para 10%.

A “vertigem” das Euribor está a assustar as famílias, que estão a ver os encargos com a casa a aumentar a cada revisão do contrato do banco. O PSD pediu esta semana audições no Parlamento junto do governador do Banco de Portugal, do presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), Vítor Bento, e do secretário-geral da Deco, perante a ausência de medidas do Governo “para fazer face à escalada das taxas de juro a que já se assiste e cuja continuidade se prenuncia”.

Mas antes de ir à Assembleia da República, Mário Centeno já deu algumas pistas sobre o que poderá transmitir aos deputados.

Evolução da Euribor a 12 meses

O que disse Centeno?

Na sua intervenção, o governador do Banco de Portugal apresentou vários dados financeiros das famílias que podem não justificar a adoção de uma política transversal de apoios nos empréstimos da casa:

  • A prestação média situa-se hoje nos 276 euros, menos 87 euros do que em 2009;
  • O rendimento disponível das famílias aumentou neste período, está 3,4 pontos percentuais mais elevado do que em 2020;
  • O endividamento das famílias diminuiu 15 mil milhões desde 2009;
  • As taxas de juro (mesmo os futuros) continuam abaixo dos valores registados em 2009.

É preciso olhar para esta realidade para avaliar o que fazer, para a urgência do que temos de fazer e onde estamos verdadeiramente nesta resposta”, apontou Mário Centeno.

Em relação à prestação média dos contratos da casa, o ex-ministro das Finanças destacou diferenças substanciais entre a realidade atual e aquela que tínhamos na anterior crise de 2009, que também ficou marcada por uma subida dramática das Euribor (acima daquelas que temos atualmente).

Em março de 2009, a média da prestação dos créditos à habitação era de 363 euros. “Em termos reais, isso equivale hoje a ter 217 euros de prestação de crédito à habitação. Ou seja, estamos a falar, em termos corrigidos da evolução do rendimento disponível, de uma prestação que é 60% da prestação que existia em 2009, porque o rendimento disponível aumentou neste período”, demonstrou. Isto significa que a taxa de esforço das famílias regista valores mais baixos do que observados anteriormente.

Também revelou que 10% das prestações da casa são de valor inferior a 106 euros e que, tendo em conta as perspetivas de evolução da Euribor até julho de 2023, vão ter um agravamento de apenas quatro euros. E apenas 10% têm prestações acima dos 470 euros, as quais vão sofrer mais com a subida dos juros.

Faça aqui a simulação do impacto da Euribor no seu crédito à habitação

Tenho um crédito à habitação no valor de euros, contratualizado por um prazo de anos, indexado à Euribor a 12 meses (que há um ano estava nos % ), com um spread de %. A prestação da casa que pago atualmente é de 308 euros, mas caso a Euribor a 12 meses passe para %, a prestação passa para 432 euros. (Mude os campos sublinhados para descobrir os números mais próximos da sua previsão.)

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Apoios temporários em tempos de normalidade?

Por outro lado, vivemos um período de taxas de juro anormalmente baixas nos últimos anos, enquanto o BCE tentava reanimar a economia e evitar um cenário perigoso de deflação na Zona Euro. Centeno também deu conta disso: “Partimos de um período talvez demasiado longo de taxas de juro negativas, que não eram sustentáveis no médio e longo prazo”.

O cenário mudou radicalmente nos últimos dois anos, com a pandemia e com a eclosão de uma guerra na Europa. E o que temos agora é um ciclo de subidas, apesar de em ritmo acelerado por conta da inflação elevada, que corresponde a um caminho de normalização da política monetária. O BCE já subiu os juros em 125 pontos base e prometeu mais subidas, antes de estabilizarem em níveis considerados “neutrais” para a economia.

Este cenário levanta a questão da temporalidade das medidas de apoio para a prestação da casa: se elas fossem adotadas, quando é que seriam retiradas?

Taxas de juro mais altas são a normalidade que as famílias vão ter de lidar nos próximos anos, não se antecipando uma reversão do ciclo. Assim, será difícil de justificar apoios temporários para responder não a um choque, mas antes a uma realidade que será permanente. E tudo isto num quadro em que as famílias continuam a beneficiar de boas condições no mercado de trabalho e a economia a tirar partido de taxas de juro reais negativas (abaixo da inflação), que potenciam o investimento.

Em resumo, o governador repetiu a mensagem que os bancos centrais têm passado aos governos sobre como devem atuar: “A política orçamental deve ser temporária, focada e deve ser atempada, deve agir nos momentos exatos”. E deverá manter estas palavras quando for questionado no Parlamento sobre os apoios às famílias no crédito da casa.

 

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