“Aconselho alguma moderação ao BCE” para não repetir erro de 2011
Leão diz que fenómeno da inflação foi "subestimado" pelo BCE, mas aconselha "alguma moderação" na subida dos juros para não repetir o erro que cometeu em 2011, quando aumentou as taxas excessivamente.
Moderação no ritmo da subida das taxas de juro pelo BCE, numa Europa cuja economia está a ser fortemente atingida pela guerra, é sugerida pelo ex-ministro das Finanças João Leão, que destaca a credibilidade de Portugal nos mercados internacionais. Em entrevista à Lusa, na qual se escusou a comentar medidas concretas para o Orçamento do Estado para 2023 (OE2023), o antigo ministro das Finanças admitiu que se subestimou o fenómeno da inflação, acreditando-se inicialmente ter um caráter mais temporário.
“Foi em parte subestimado, é verdade, devia-se ter tido mais atenção a este fenómeno, mas também foi muito agravado por alguma coisa que não se esparava, que foi a invasão pela guerra”, disse.
Perante o “desafio completamente novo” colocado pela inflação elevada, o ex-governante acredita que a resposta do Banco Central Europeu (BCE) não deve, contudo, ser demasiado agressiva.
“Aconselho alguma moderação ao BCE porque a Europa está a ser mais afetada do que os EUA pelo impacto da energia. Os preços de energia estão a aumentar mais na Europa do que nos EUA, sobretudo na questão do gás. É importante ter algum cuidado com o ritmo, porque essa moderação na economia que o BCE está a querer atingir já está a ser atingida pelo efeito da energia”, disse.
"Foi em parte subestimado, é verdade, devia-se ter tido mais atenção a este fenómeno, mas também foi muito agravado por alguma coisa que não se esparava, que foi a invasão pela guerra.”
Ainda que assinale compreender que a instituição liderada por Christine Lagarde “não pode deixar de procurar manter a sua credibilidade”, ao mesmo tempo que mantém as expectativas de inflação ancoradas nos 2%, é preciso, diz, um “equilíbrio”, que admite ser “difícil de fazer”.
A “prudência” aconselhada é para “garantir que não estamos a cometer um erro, como foi cometido há 11 anos, em que o BCE subiu excessivamente as taxas de juro e depois agravou demasiado… a economia europeia entrou numa forte recessão”, afirma.
“Enquanto durante a pandemia a política orçamental e a política monetária estavam completamente alinhadas e ambas a lutar pela recuperação da economia, agora temos aqui um desafio novo em que a política monetária e a política orçamental estão em sentidos que não são fáceis de coordenar”, frisa.
Um dos reflexos é, exemplifica, em junho, a Euribor a seis meses que estava negativa e atualmente “já está perto dos 2%”, sendo de esperar, estima, “que nos próximos meses atinja os 3% e mesmo os 4%”.
“Vai criar desafios que é preciso pensar”, sublinha, reafirmando a importância de “atenção na reforma e no ritmo com que se sobe as taxas de juro”, porque existe “um aumento da inflação que no curto prazo gera uma grande redução do rendimento das famílias e isso tem um efeito negativo sobre a economia”.
"Aconselho alguma moderação ao BCE porque a Europa está a ser mais afetada do que os EUA pelo impacto da energia. Os preços de energia estão a aumentar mais na Europa do que nos EUA, sobretudo na questão do gás.”
Quando questionado sobre o impacto para o financiamento de Portugal, o ex-ministro que foi também secretário de Estado do Orçamento entre 2015 e 2019, assinalou que existe desde julho uma nova atenção por parte dos investidores perante o financiamento dos países, mas acredita que Portugal figura bem.
“Houve em julho, focado na Itália e na Grécia, mas se olharmos com atenção, Portugal ficou protegido desse impacto. Os juros em Portugal aumentaram, mas aumentaram em linha com o aumento que se verificou na Alemanha e em França. Os spreads praticamente não variaram. Houve uma ligeira alteração dos spreads, mas manteve-se muito próximo do que era antes. A perceção de risco para Portugal não se agravou”, disse.
Para João Leão, tal revela “que Portugal chegou a esta crise bem preparado, com uma dívida pública com uma forte redução, com contas certas e com uma trajetória e um quadro para a evolução da dívida pública nos próximos anos que também oferece garantias e confiança aos investidores”.
“Portugal neste momento tem um spread face à Alemanha de 1%, quando Itália tem 2,5%. Em 2016 era o oposto”, aponta.
O antigo ministro destacou que “não é de espantar que ainda no mês passado, no meio desta crise, uma agência de rating principal, a S&P, decidiu aumentar o rating da dívida de Portugal”.
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