Economia mundial trava a fundo com crescimento abaixo de 3% em 2023, prevê FMI
A economia mundial vai crescer menos de 3% no próximo ano, o que, excluindo a crise financeira e a pandemia, já não acontecia há 20 anos. O FMI diz que o pior está por vir.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) traçou esta terça-feira um cenário muito sombrio para a economia mundial no próximo ano, admitindo recessão numa parte considerável dos países e um risco considerável de o PIB global crescer menos de 2% em 2023.
No World Economic Outlook (WEO), onde revê em baixa as projeções para a economia mundial, o FMI enumera uma série de alertas e riscos para a evolução da economia global, avisando que estas novas estimativas correm o risco de voltar a ser revistas em baixa.
Depois do crescimento de 6% em 2021, o FMI vê a expansão do PIB mundial ficar-se pelos 3,2% este ano e 2,7% em 2023, o que representa uma revisão em baixa de duas décimas face ao previsto em julho e 9 décimas face ao antecipado em abril. A entidade liderada pela búlgara Kristalina Georgieva assinala que, excluindo a crise financeira de 2008 e o pico da pandemia em 2020, este é o “perfil de crescimento mais fraco desde 2001”, ano em que o PIB cresceu 2,5%.
Segundo o FMI, nestes dois anos a economia global deverá crescer substancialmente abaixo da média histórica de 3,6%, quer se analise este século (2000-2021), ou os últimos 50 anos (1970-2021). O crescimento fraco é mais evidente nas economias avançadas (1,1% em 2023), enquanto nas economias emergentes e em desenvolvimento (3,7% em 2023), o crescimento também ficará abaixo do habitual.
Numa altura em que o mundo enfrenta “desafios turbulentos”, tenta “combater a crise do aumento do custo de vida” e o “equilíbrio de riscos é claramente negativo”, o FMI atribui uma probabilidade de 25% ao cenário de o crescimento da economia global ficar abaixo dos 2% em 2023, o que poucas vezes aconteceu nos últimos 50 anos.
“Resumindo, o pior ainda está por vir. Para muitas pessoas, 2023 vai parecer uma recessão”, resume o FMI.
"O futuro da economia global depende de forma crítica do sucesso da calibração da política monetária, curso da guerra na Ucrânia e possibilidade de mais disrupções nas cadeias de abastecimento, por exemplo, na China.”
Nas mãos dos bancos centrais
O FMI atribui a culpa desta travagem a fundo da economia mundial a vários fatores: inflação mais elevada em várias décadas, aperto das condições financeiras na maioria das regiões, invasão da Ucrânia por parte da Rússia e a persistência da pandemia da Covid-19.
Neste contexto, o FMI destaca que a evolução da economia global depende de forma crítica do “sucesso da calibração da política monetária, o curso da guerra na Ucrânia e possibilidade de mais disrupções nas cadeias de abastecimento, por exemplo, na China”.
No que diz respeito à política monetária, o FMI valida a estratégia que está a ser seguida pelos bancos centrais, mas também alerta para um potencial “erro de cálculo” e “políticas erradas” no combate à inflação.
“O aperto célere e agressivo da política monetária é crítico para impedir uma alteração nas expectativas de inflação das famílias e empresas tendo em conta a atual experiência” de subida de preços, refere o FMI, acrescentando que “a política orçamental é prioritária para proteger os mais vulneráveis através de apoios de curto prazo para aliviar o fardo do aumento do custo de vida que está a ser sentido em todo o globo”.
O FMI mostra ainda preocupação com o facto de o rumo da política monetária continuar a divergir entre as maiores economias, o que “conduzirá a uma maior apreciação do dólar e tensões entre países”. Acrescenta que choques adicionais nos preços da energia e alimentos pode levar a inflação a persistir em níveis elevados por mais tempo. O FMI projeta que a inflação mundial vai disparar para 8,8% este ano, aliviando para 6,5% em 2023 e 4,1% em 2024.
A Reserva Federal dos Estados Unidos deverá aumentar os juros acima dos 4% até ao final do ano, enquanto na Zona Euro a taxa de juro está ainda abaixo de 1%. No Japão a taxa de juro continuam em terreno negativo e as autoridades chinesas pretendem aliviar a política monetária para impulsionar a economia.
Zona Euro cresce apenas 0,5%, Alemanha em recessão e China recupera
Para ilustrar como a tendência de abrandamento da economia é global, o FMI assinala que reviu em baixa as projeções para 143 economias, que são responsáveis por 92% do PIB mundial.
Acrescenta que em algum ponto do período 2023-2023, cerca de 41% das economias com valores trimestrais para o PIB (31 em 72) vão passar por uma recessão técnica (dois trimestres consecutivos de queda em cadeia do PIB). Ou seja, um terço da economia mundial estará em recessão até ao final do próximo ano.
Será o caso de vários países da Zona Euro, com destaque para a Alemanha, que deverá sofrer uma contração de 0,3% no PIB de 2023, uma previsão já partilhada por outras entidades e admitida pelo governo alemão e que reflete a grave crise energética que afeta o país depois do corte do gás russo. Em julho, o FMI via a economia alemã a crescer 0,8% em 2023.
O FMI cortou sete décimas à previsão de crescimento da Zona Euro no próximo ano, para 0,5%, o traduz uma travagem forte face ao estimado para este ano (3,1%). O mesmo se passa com outras grandes economias da Zona Euro, que também deverão ficar próximas da estagnação. O crescimento da França passa de 2,5% este ano para 0,7% em 2023, enquanto Espanha também abranda fortemente (de 4,3% em 2022 para 1,2% em 2023).
Tal como a Alemanha, Itália também é apanhada pelo comboio da recessão, com uma contração de 0,2% em 2023. O Reino Unido também não deverá escapar, com o PIB a crescer apenas 0,3% no próximo ano.
No que diz respeito à economia portuguesa, o FMI aponta para um crescimento de 0,7% em 2023, substancialmente abaixo da meta que o Governo português inscreveu na proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano (1,3%).
O FMI mostra uma visão menos pessimista para os Estados Unidos, mantendo a previsão de crescimento de 1% em 2023. No que diz respeito à segunda maior economia do mundo, aponta para uma recuperação devido ao alívio das restrições relacionadas com a pandemia. O PIB da China deverá crescer 4,4% em 2023, recuperando da expansão anémica de 3,2%, que ficará muito aquém das previsões de Pequim.
Destaque ainda para a Rússia, que deverá registar uma contração menos pronunciada em 2023 (-2,3%), face ao que é estimado para este ano (-3,4%). Ainda assim, o FMI melhorou as previsões para o país em mais de 1 ponto percentual para cada ano.
Assinalando a sua visão pessimista para a evolução da economia mundial, o FMI alerta que o corte no fornecimento de gás russo pode pressionar ainda mais a economia europeia; o ressurgimento da Covid-19 pode “atrapalhar ainda mais crescimento”; a crise no setor imobiliário na China pode contagiar o setor bancário e; a fragmentação geopolítica pode impedir o normal funcionamento do comércio e fluxo de capitais, ameaçando ainda mais a cooperação no combate às alterações climáticas.
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