Semana de quatro dias na Função Pública. Sindicatos exigem manter salários
A semana de quatro dias é vista com bons olhos, mas sem corte salarial ou distribuição da carga horária pelos restantes dias. Valorização da carreira é pela subida dos salários, dizem sindicatos.
O Governo anunciou no início da semana que está a estudar desenvolver um projeto-piloto da semana de trabalho de quatro dias na Administração Pública, à semelhança do que vai ser feito no setor privado. Os sindicatos aguardam uma “proposta concreta” e temem que a medida seja um “presente envenenado” se passar por corte salarial ou uma distribuição das horas semanais pelos restantes dias da semana. A semana de quatro dias não é suficiente para aumentar a atratividade da Função Pública, isso faz-se por via da remuneração, defendem em declarações ao ECO.
“Para já, não me parece [que seja para levar a sério]. Vamos ver quando tivermos uma proposta concreta“, começa por dizer o coordenador da Frente Comum, Sebastião Santana, em declarações ao ECO/Pessoas.
“Há uma coisa que é essencial: Que todos os trabalhadores da Administração Pública tenham uma carga horária máxima de 35 horas semanais. Isso é intocável. Se for para reduzir essa carga horária, não pode haver perda salarial ou aumento das horas nos restantes dias. Isto pode ser um presente envenenado”, acrescenta.
Maria Helena Rodrigues considera também que é uma situação a explorar. “O Governo saberá quais os objetivos que pretende atingir. Vamos ver”, diz a presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE). Ao mesmo tempo recorda que esta não seria, no entanto, a primeira vez que a Administração Pública teria uma semana de quatro dias de trabalho.
Uma coisa que para nós é essencial: que todos os trabalhadores da Administração Pública tenham uma carga horária máxima de 35 horas semanais. Isso é intocável. Se for para reduzir essa carga horária não pode haver perda salarial.
O Decreto-Lei n.º 325/99, aprovado no Governo de António Guterres e revogado em 2014, previa a possibilidade de os funcionários de nomeação definitiva pedirem para trabalhar quatro dias por semana, o que implicava um corte no salário de 20%.
A medida, que esteve em vigor 15 anos, era apresentada como uma forma de renovar a estrutura etária dos trabalhadores da Administração Pública e promover o emprego, permitindo que, quando pelo menos cinco pessoas entravam no regime da semana de quatro dias, o dirigente podia contratar um trabalhador a termo certo. Contudo, “neste momento, com perda salarial não é possível que as pessoas aceitem”, acredita Maria Helena Rodrigues. “Ou a adesão seria mínima.”
Apenas “se a ideia for aumentar de dois para três os dias de descanso, sem que isso se traduza em perda de remuneração”, a medida é “bem vista”, refere o secretário-geral da Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap), José Abraão.
Além de bem-vista, considera mesmo que a semana de trabalho reduzida poderá trazer aumentos de produtividade para o país. “Sempre defendemos que não é por trabalhar mais tempo que a produtividade aumenta. Hoje, com os avanços tecnológicos, é possível gerir o tempo de uma forma diferente.”
Todavia, e apesar de acreditar que a semana de trabalho reduzida poderia promover o bem-estar dos trabalhadores portugueses, José Abraão direciona as suas atuais preocupações para outro tema: “A nossa preocupação neste momento tem mais a ver com a inflação, com os aumentos dos salários…”.
A nossa preocupação neste momento tem mais a ver com a inflação, com os aumentos dos salários…
Sobre estes assuntos, o secretário-geral da Fesap tem considerado insuficiente a proposta do Governo para aumentos salariais, defendendo que cria condições para que, nos anos seguintes, haja uma perda do poder de compra dos trabalhadores.
Resolver a pouca atratividade dos empregos públicos
Um problema que está na base da pouca atratividade da Função Pública, e que nem a semana de quatro dias poderá resolver. “Só há uma forma de tornar o emprego público mais atrativo. Claramente que é pagar melhor e estarmos dotados de carreiras profissionais que sejam atrativas e que não conduzam à estagnação”, afirma.
Helena Rodrigues está de acordo. “A atratividade da Funções Públicas tem de ser por via da remuneração. É escusado pensar que conseguimos cativar os nossos jovens qualificados para ficarem aqui, sem que seja com remunerações muito superiores às que estamos a praticar atualmente.”
Sebastião Santana, por sua vez, considera que reduzir a semana de trabalho poderia até levar a um aumento da atratividade da Administração Pública. Contudo, apenas se a proposta respeitasse as duas premissas fundamentais: não existir perda de vencimento e não acumular horas nos restantes dias. Algo que deixa claro ter “dúvidas de que o Governo proponha”. “Vamos ter de ver a proposta concretamente”, reforça.
A atratividade da Funções Públicas tem de ser por via da remuneração. É escusado pensar que conseguimos cativar os nossos jovens qualificados para ficarem aqui, sem que seja com remunerações muito superiores às que estamos a praticar atualmente.
Defensor da semana de quatro dias de trabalho, o economista e professor da Universidade de Londres Pedro Gomes, que vai coordenar o projeto-piloto para avaliação de novas formas de organização dos tempos de trabalho no setor privado, considera que a semana de trabalho reduzida é “universal”. Ou seja, tem espaço — e deve ser avaliada — no “setor público e privado”, para “homens e mulheres”, “trabalhadores mais velhos e trabalhadores mais novos”, “em todas as indústrias e ocupações”.
“A medida está a ser implementada e testada em empresas que destacam resultados positivos em vários níveis: reduz os problemas de absentismo; reduz o stress e o esgotamento dos trabalhadores, favorecendo a retenção e facilitando a contratação de novos trabalhadores; melhora a qualidade de serviço e aumenta a criatividade; permite a diminuição do número de queixas de clientes, de acidentes de trabalho, de gastos com energia ou desperdício de matéria primas”, explica. “Naturalmente muitos destes benefícios que ocorrem no setor privado também ocorrem no setor público”, acrescenta, nomeadamente o reforço da atração e retenção de talentos.
Apesar de concordar que a semana de trabalho de quatro dias possa ter um impacto positivo para o país, nomeadamente ao nível da atratividade e transposição para o digital, o advogado Pedro Antunes não acredita que a medida seja capaz de, pelo menos numa primeira fase, resolver o problema da produtividade.
“O primeiro desafio ainda passa por não se sentir uma quebra de produtividade. Após essa fase, e com uma maior motivação dos trabalhadores, essa produtividade irá aumentar porque os trabalhadores vão-se sentir motivados e focados na execução das suas tarefas, terá de haver uma maior autorresponsabilização de cada um”, afirma o sócio responsável da área de laboral da CCA Law Firm.
Ao mesmo tempo, relembra que o processo requer ser arquitetado com “todo o cuidado e rigor”. “É verdade que todos queremos surfar a onda da mudança para quatro dias por semana, mas temos de criar as condições certas para que o processo ocorra com sucesso. Para tal, as organizações têm de olhar para dentro e ver como se podem e devem organizar. A generalidade das pessoas não pode achar que o projeto-piloto da Função Pública passe por fechar determinado serviço ao público um dia por semana, mas acredito que a implementação destes projetos ocorra em determinados organismos, sem pôr em causa o normal funcionamento da atividade“, considera.
É certo que o Governo quer dar o exemplo, aplicando na própria Administração Pública a redução de horário, mas o que me parece que os privados gostavam de ver, nomeadamente no OE, eram medidas e ajudas financeiras que permitissem às empresas experimentarem o regime, nomeadamente, através de incentivos para contratação de mais pessoas para dar resposta ao volume de trabalho que já existe, beneficiando quem adote esta política, como aliás tem acontecido noutros países, como por exemplo em Espanha.
“É certo que o Governo quer dar o exemplo, aplicando na própria Administração Pública a redução de horário, mas o que me parece que os privados gostavam de ver, nomeadamente no OE, eram medidas e ajudas financeiras que permitissem às empresas experimentarem o regime, nomeadamente, através de incentivos para contratação de mais pessoas para dar resposta ao volume de trabalho que já existe, beneficiando quem adote esta política, como aliás tem acontecido noutros países, como por exemplo em Espanha”, conclui.
A notícia de que está a ser estudado um piloto na Administração Pública foi adiantada esta segunda-feira pela ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, em entrevista ao Público (acesso condicionado), dias depois do Governo dar por fechado uma proposta salarial para os trabalhadores do Estado em 2023. “A nossa ambição é, a par do que vai acontecer no setor privado [com a semana de quatro dias], também fazer um trabalho na Administração Pública com algumas diferenças, porque temos muitos serviços que não são compatíveis com esse tipo de organização do tempo de trabalho“, afirmou a ministra, garantindo que está a trabalhar “com o Ministério do Trabalho” para desenvolver “um projeto semelhante”.
Mariana Vieira da Silva garantiu ainda que há instituições públicas que querem experimentar esta possibilidade, mas não as identificou. E sublinhou que “depende da metodologia que seja seguida”, nomeadamente “se será numa organização em particular ou num conjunto”, para se conseguir avaliar o impacto.
Questionada pelo ECO/Pessoas sobre quais as instituições que mostraram interesse em aderir e a data de arranque do possível piloto, bem como em que moldes que realizar-se, o Ministério da Presidência disse não ter mais nenhuma novidade sobre esta matéria além do que já foi comunicado. Mais detalhes, diz, só depois de diálogo com os sindicatos.
“De momento não temos nenhuma novidade sobre esta matéria“, diz fonte oficial do Ministério. “O tema está a ser tratado numa perspetiva de convergência entre a Administração Pública e o setor privado, como acontece com outras matérias relativas à organização do tempo do trabalho e cujo calendário e metodologia resultarão de um diálogo a realizar com os representantes dos trabalhadores da Administração Pública”, adianta.
(Notícia atualizada às 13h10 com declarações de Pedro Antunes, sócio responsável da área de laboral da CCA Law Firm)
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