Fusão da Vodafone e da Nowo levanta dúvidas nas licenças 5G

Vodafone fica com mais espetro do que era permitido adquirir no leilão do 5G com a compra da Nowo, incluindo lotes exclusivos para "novos entrantes". Licenças deverão estar na mira dos reguladores.

Quando anunciou a compra da Nowo no último dia de setembro, o CEO da Vodafone Portugal disse, em comunicado, que o negócio vai permitir à empresa “aumentar a base de clientes” e a “cobertura de rede fixa”. Mas esse comunicado, a única informação pública sobre o mesmo, não esclarece uma das principais dúvidas que deverão ocupar os reguladores ao longo dos próximos meses: o que vai acontecer às licenças 5G adquiridas por ambas as empresas?

Se tiver sucesso, esta operação unirá a Vodafone à Cabonitel S.A., a empresa que detém a operadora concorrente Nowo, antigamente chamada Cabovisão. “A Nowo é o quarto maior operador convergente em Portugal, com cerca de 250 mil subscritores do serviço móvel e 140 mil clientes de acesso fixo”, enaltecia a Vodafone a 30 de setembro. Não foi dita uma palavra sobre o 5G.

Há algum tempo que a operadora dava sinais de que haveria consolidação. O leilão de frequências da Anacom permitiu a entrada em Portugal de duas novas empresas com rede móvel própria, a Digi e a Nowo (que já vendia serviços 4G subcontratando rede a outra operadora). Ora, a Vodafone entende que o mercado português dificilmente tem dimensão para abarcar quatro empresas a explorarem a quinta geração (Meo, Nos, Vodafone e Nowo), quanto mais cinco (Digi).

Agora, a operação está sujeita “à necessária aprovação regulatória” e deve ser fechada “durante o primeiro semestre de 2023”, estima a Vodafone. Até lá, as licenças 5G poderão assumir o protagonismo no trabalho que terá de ser feito pela Anacom, mas sobretudo pela Autoridade da Concorrência. Esta última tem poder para impor compromissos à Vodafone ou matar definitivamente o negócio, se entender que prejudica irremediavelmente a concorrência.

Até esta quarta-feira, os reguladores ainda não tinham sido notificados dos termos da transação. “A Anacom não foi notificada da operação em causa, pelo que não conhece os contornos da mesma”, respondeu fonte oficial. A Autoridade da Concorrência também ainda não tinha sido notificada, apurou o ECO, mas não quis fazer comentários. É possível que algumas destas questões já tenham uma resposta quando o dossiê sair do Parque das Nações em direção à Avenida de Berna.

Edifício sede da Vodafone - 22JUL22
Edifício sede da Vodafone no Parque das Nações em LisboaHugo Amaral/ECO

Leilão só permite venda após dois anos

Apesar da fase muito inicial, já é possível destacar uma série de aspetos que vão ser relevantes nesta história. Para perceber o que poderá estar na mente dos reguladores, é melhor começar pelas próprias licenças e pelo que tinha sido definido no leilão. É que o regulamento da Anacom impunha limites à compra de espetro pelas empresas:

  • 20 MHz na faixa dos 700 MHz
  • 100 MHz na faixa dos 3,6 GHz

Há que ter em conta que a Vodafone e a Nowo participaram sozinhas no leilão do 5G, com estratégias independentes. Por não ter rede móvel própria, a Nowo beneficiou ainda do estatuto de “novo entrante”, conseguindo acesso a uma fase inicial do leilão em que não pôde participar a Vodafone, nem a Meo e a Nos. Dado este contexto, que quantidade de espetro passaria a ser controlada pela Vodafone depois da fusão com a Nowo?

  • 20 MHz na faixa dos 700 MHz (Vodafone)
  • 20 MHz na faixa dos 1.800 MHz (Nowo)
  • 10 MHz na faixa dos 2,6 GHz (Nowo)
  • 130 MHz na faixa dos 3,6 GHz (Vodafone e Nowo)

Em suma, os 90 MHz e os 40 MHz detidos, respetivamente, pela Vodafone e pela Nowo na faixa dos 3,6 GHz, uma das mais importantes para o 5G, ultrapassam o limite dos 100 MHz definidos pela Anacom para esta banda. Mas esse travão aplicava-se apenas ao momento da compra de espetro, não acautelando eventuais operações de concentração após o procedimento.

“As regras definidas no regulamento do leilão, no caso em apreço os limites à atribuição e titularidade de espetro, aplicavam-se à participação nesse procedimento”, disse ao ECO fonte oficial da Anacom. O regulador acrescentou, porém, que “na análise da operação e na definição do seu posicionamento em relação à mesma, não deixará de ter em consideração a estrutura do mercado e a dinâmica concorrencial existente, incluindo a quantidade de espetro detida pelos envolvidos”. E reforçou que “analisará” a operação “no contexto do mercado das comunicações eletrónicas, considerando, designadamente, as suas especificidades e a necessidade de garantir mercados concorrenciais.”

Ou seja, em teoria, os reguladores poderiam forçar a Vodafone a abdicar de 30 MHz. Mas isso não resolveria o potencial desequilíbrio causado pelo facto de a Vodafone ir passar a deter mais espetro na faixa dos 1.800 MHz, que a Nowo só conseguiu comprar por ser um “novo entrante”.

Depois, o regulamento do leilão versa também sobre a “transmissão e locação” das licenças postas à venda. Determina que os direitos “só podem ser transmitidos ou locados pelos respetivos titulares […] decorridos dois anos da data de início da oferta de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público mediante a utilização das frequências que lhe foram consignadas”, salvo “motivo devidamente fundamentado e como tal reconhecido pela Anacom”. As regras estipulam ainda que, antes de transmitirem os direitos, as empresas devem comunicar essa “intenção” e “as condições em que o pretendem fazer” ao regulador das comunicações.

Perante tudo isto, não é claro o que vai ser decidido pelos reguladores envolvidos no processo. Fontes próximas disseram ao ECO que o resultado pode depender dos “remédios” — isto é, compromissos — que vierem a ser impostos pela Autoridade da Concorrência, depois do parecer não vinculativo da Anacom, que certamente alertará para a problemática das licenças. Para tal, o regulador liderado por Margarida Matos Rosa teria de abrir uma investigação aprofundada e a decisão poderá recair sobre o seu sucessor, já que o mandato da presidente acaba já em novembro.

Outra dúvida por esclarecer é se a Vodafone vai absorver ou não a Nowo. Fica evidente pelo comunicado que haverá uma união entre as duas empresas, mas uma fonte familiarizada com o processo notou que a Vodafone não comprou diretamente a Nowo, mas sim uma empresa que detém a Nowo (a Cabonitel), o que não facilita particularmente o trabalho dos reguladores. Por quanto tempo irá a Nowo manter a sua identidade?

O processo que vai correr termos no regulador da concorrência vai permitir às operadoras interessadas pronunciarem-se sobre estes e outros aspetos da aquisição. Até lá, a Vodafone promete revelar mais informações num encontro com jornalistas marcado para esta segunda-feira. O ECO contactou fonte oficial da operadora, que remeteu esclarecimentos para essa iniciativa. Por sua vez, fonte oficial da Autoridade da Concorrência não quis comentar este negócio, cujo montante envolvido não foi revelado.

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