Aprovação de orçamentos pelas Finanças condiciona independência de reguladores
Cativações orçamentais e nomeações pelo Conselho de Ministros são duas das principais críticas do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos relativo às autoridades reguladoras nacionais.
A aprovação prévia de orçamentos e planos de atividades pelo Ministério das Finanças impede a total independência das autoridades reguladoras em Portugal. Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) divulgado nesta segunda-feira concluiu que “continua por alcançar” a total separação de poderes entre estas entidades e o poder político. Os autores também sugerem maior especialização dos juízes do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.
“A necessidade de aprovação prévia por parte do Ministro das Finanças e da tutela quanto a vários atos e planos, nos quais se destacam os orçamentos, podendo mesmo essa aprovação ser recusada em determinadas situações, é mais uma evidência de que a independência formal face ao poder político continua por alcançar“, referem os autores. Também as cativações sobre verbas que dependam de dotações do Orçamento do Estado ou provenientes da utilização de bens do domínio público são consideradas como uma “forte restrição à autonomia dos reguladores”.
O estudo da FFMS incide sobre as autoridades reguladoras das telecomunicações (Anacom), da energia (ERSE) e da Concorrência. Nas cativações, o maior impacto tem sido sofrido pela Autoridade da Concorrência: “É quase o dobro das outras autoridades”, refere o documento.
Os autores concluem que a ERSE é a entidade reguladora “mais politizada” porque “ao longo dos mais de vinte anos de vida da entidade, 50% das nomeações para o conselho de administração correspondem a indivíduos com experiência política, na sua maioria em cargos no Governo, como Secretário de Estado ou membro de gabinetes governativos”.
Ainda sobre a ERSE, é lembrado o caso de outubro de 2018, quando o deputado do Partido Socialista Carlos Pereira foi indigitado como um dos administradores deste regulador. O nome acabou por ser chumbado pelo Parlamento e, mesmo que o parecer não fosse vinculativo, o deputado acabou por renunciar ao cargo.
A necessidade de aprovação prévia por parte do Ministro das Finanças e da tutela quanto a vários atos e planos, nos quais se destacam os orçamentos, podendo mesmo essa aprovação ser recusada em determinadas situações, é mais uma evidência de que a independência formal face ao poder político continua por alcançar
Também penalizam a independência das autoridades a possibilidade de os administradores serem reconduzidos após o mandato de seis anos; a designação ser competência do Conselho de Ministros “e não, por exemplo, de uma maioria qualificada da Assembleia da República”; “a amplitude das causas que justificam a dissolução do conselho de administração da entidade e a destituição dos seus membros pelo Conselho de Ministros; “a possibilidade de veto do presidente do conselho de administração da entidade, que subverte o princípio da colegialidade”; e ainda o facto de os salários dos administradores serem definidos por uma comissão “cuja maioria dos membros é indicada pelo Governo”.
A duração dos mandatos “distinta do ciclo político” é vista como um dos pontos positivos a nível de independência. Também há destaque positivo por a seleção dos administradores basear-se em competências técnicas; a “concretização dos modos de cessão dos mandatos”; e a “exigência de exclusividade no exercício do cargo e o regime detalhado de incompatibilidades e impedimentos”.
Mais especialização no Tribunal de Supervisão
A análise é feita quase uma década depois da publicação da Lei-Quadro das Entidades Reguladores, que foi uma das medidas incluídas no empréstimo de 78 mil milhões de euros da troika ao Governo português. O estudo nota que o enquadramento das entidades reguladoras “resulta mais da pressão de entidades externas do que da iniciativa dos governos nacionais“.
Na lei de 2013 também foi criado o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, localizado em Santarém e que tem ficado conhecido pelos julgamentos da falência do Banco Espírito Santo e também das coimas do Banco de Portugal ao Montepio. O estudo dá conta das limitações deste novo tribunal.
“A criação do tribunal em causa não levou a um aumento muito significativo da especialização” tendo em conta as qualificações dos juízes. “As regras dos movimentos judiciais e da seleção dos juízes para o tribunal levaram a que nenhum dos magistrados que já exerceu funções neste tribunal tivesse formação ou experiência significativas na área da concorrência e regulação antes de iniciar funções, e a formação na função, obtida ao fim de dois ou três anos, conflitua com a elevada rotação dos magistrados”, referem os autores.
O estudo recomenda, por isso, que “pelo menos uma parte” dos magistrados seja recrutada entre especialistas em Direito da Concorrência e Regulação”, além de ser promovida uma “maior estabilidade do quadro de magistrados, sem prejuízo de outras soluções ainda mais profundas, ligadas a uma reforma do sistema”.
Por outro lado, a criação deste tribunal permitiu o “acesso a uma justiça mais célere” a reguladores e regulados, por causa dos recursos das decisões, sobretudo na área da Concorrência. Nas outras áreas, continua a ser possível “recorrer das decisões contraordenacionais dos outros reguladores independentes para o Supremo Tribunal de Justiça”, o que tem impactos no tempo de decisão dos processos.
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