O novo orçamento britânico quer “corrigir” os erros de Liz Truss

  • Joana Abrantes Gomes
  • 19 Novembro 2022

Os próximos anos vão ser de aumentos de impostos e cortes na despesa pública no Reino Unido, enquanto a economia ainda está longe de recuperar da turbulência provocada pelo Governo anterior.

Estabilidade, crescimento e serviços públicos são as prioridades do novo orçamento do Reino Unido que o ministro das Finanças, Jeremy Hunt, revelou na quinta-feira. Depois do ambicioso programa económico do seu antecessor, com um dos maiores cortes de impostos em décadas, mas que fez a libra cair a pique e disparou as taxas de juro da dívida, obrigando o Banco de Inglaterra (BoE) a uma compra de emergência de gilts (títulos soberanos), o plano do Governo de Rishi Sunak prevê cortes na despesa pública e aumento de impostos para tapar um “buraco” nas contas públicas estimado em 55.000 milhões de libras (cerca de 63.000 milhões de euros) ao longo dos próximos cinco anos.

O objetivo é assegurar aos mercados que a instabilidade provocada pelas decisões da ex-primeira ministra Liz Truss não se repetirá, mas as estimativas do Gabinete de Responsabilidade Orçamental (Office for Budget Responsibility – OBR) não são nada animadoras para os britânicos.

Hoje apresentamos um plano para enfrentar a crise do custo de vida e reconstruir a nossa economia“, afirmou Jeremy Hunt, durante a chamada “Declaração de Outono” aos deputados na Câmara dos Comuns. Sublinhando que a inflação elevada, que atingiu os 11,1% em outubro, é “o inimigo da estabilidade”, o chancellor elencou uma série de medidas que contrastam fortemente com o “mini-orçamento” apresentado em meados de setembro por Kwasi Kwarteng e que defende serem necessárias para reverter os danos causados à reputação do Reino Unido.

Entre as medidas fiscais do novo orçamento destaca-se a redução do limite salarial a partir do qual as pessoas começam a pagar a taxa mais alta (45%) do imposto sobre os rendimentos (equivalente ao IRS), de 150 mil para 125 mil libras por ano, quando o plano de Liz Truss propunha pôr fim ao escalão mais alto do imposto sobre os rendimentos a partir de 2023, o que faria com que os cidadãos que auferem mais de 150 mil libras por ano passassem a pagar apenas 40% de imposto.

Com o plano do Governo liderado por Rishi Sunak haverá também cortes nas deduções dos impostos relativos a dividendos e o limite a partir do qual os trabalhadores têm de contribuir para a Segurança Social será congelado até 2028, ou seja, as empresas terão de pagar mais. Além disso, os impostos sobre os lucros das energéticas vão aumentar de 25% para 35% até 2028, sendo ainda criado um novo imposto temporário de 45% sobre os lucros das empresas geradoras de eletricidade.

Para o diretor-geral do think tank britânico Instituto para os Assuntos Económicos, que influenciou o “mini-orçamento” de Kwasi Kwarteng, o novo plano de Jeremy Hunt coloca o Reino Unido “firmemente no caminho para impostos mais altos, mais gastos e menor crescimento”. “É uma receita para o declínio controlado, não um plano para a prosperidade”, considera Mark Littlewood.

Os planos iniciais do Governo de Liz Truss apontavam para uma descida de impostos avaliada em 45 mil milhões de libras, com pelo menos 100 mil milhões de libras para financiar diretamente os custos da energia para famílias e empresas durante dois anos, que seriam suportados por empréstimos rapidamente vetados pelos mercados financeiros.

Quanto à despesa pública, os aumentos serão limitados a 1% entre 2025 e 2028 ao abrigo do novo orçamento, uma subida muito menor do que aquela que constava nos planos do Executivo anterior, que elevavam a despesa pública em 3,7%. Esta medida forçará os dois maiores partidos – Conservador e Trabalhista – a dizer em que departamentos cortariam despesa no período que antecede as próximas eleições, previstas para 2024. Caso contrário, serão acusados de imprudência.

As alterações fiscais entrarão em vigor já a partir do próximo ano, segundo Hunt, que não entrou em grandes detalhes sobre onde deverão ser feitos cortes na despesa pública, prometendo apenas proteger as infraestruturas e a investigação para impulsionar o crescimento a longo prazo. Os funcionários do Tesouro remetem o esclarecimento sobre os serviços públicos que terão reduções de gastos para a próxima revisão geral dos orçamentos departamentais, também prevista para 2024. Insistindo que “este é um Governo com compaixão pelo próximo”, o ministro das Finanças assegurou ainda que as prestações sociais e as pensões aumentarão de acordo com a inflação, numa tentativa de “proteger os mais vulneráveis”.

Mesmo assim, este plano representa um apertar do cinto para os britânicos, numa altura em que a elevada taxa de inflação provocou um aumento significativo do custo de vida. Isto além do facto de a economia do país ainda não ter recuperado totalmente dos efeitos causados pelos planos do Executivo liderado por Liz Truss, entre os quais a queda acentuada da libra e o forte aumento das taxas de juro da dívida, que arrastaram com elas os juros dos empréstimos à habitação, forçando o BoE a intervir com a compra de dívida no valor de quase 75 mil milhões de euros.

A apresentação do plano económico de Jeremy Hunt fez-se acompanhar das estimativas do órgão fiscalizador do Reino Unido, o que não se verificou quando o seu antecessor anunciou o “mini-orçamento”. Acontece que as estimativas do OBR não são nada animadoras: apesar de as estimativas apontarem para um crescimento de 4,2% ainda este ano, o Produto Interno Bruto (PIB) do país já está a desacelerar e cairá 1,4% em 2023, antes de subir 1,3% em 2024, 2,6% em 2025 e 2,7% em 2027, adiantou Hunt. A confirmarem-se estas projeções, a economia britânica vai manter-se abaixo dos níveis pré-pandemia até ao final de 2024.

O Reino Unido, tal como outros países, está agora em recessão”, resumiu o governante, no discurso de quinta-feira ao Parlamento britânico. O relatório do Gabinete de Responsabilidade Orçamental indica ainda que a taxa de inflação vai descer até 9,1% em dezembro, e depois para 7,4% no próximo ano, com o nível de vida a cair 7% ao longo dos próximos dois anos e a acabar com oito anos de crescimento. Acrescentando que “os preços mais elevados da energia explicam a maior parte da revisão em baixa do crescimento acumulado desde março”, o ministro atribui a responsabilidade deste cenário ao impacto da invasão russa da Ucrânia.

Já as previsões do endividamento público são um sinal dos desafios que Hunt enfrentará futuramente: este ano, deverá atingir 177 mil milhões de libras (203 mil milhões de euros), correspondente a 7,1% e que representa um aumento acentuado face à projeção do OBR, em março, de 99 mil milhões de libras. Porém, em 2023, deverá descer para 140 mil milhões de libras (160 mil milhões de euros), equivalente a 5,5% do PIB, e em 2027 e 2028 para 69 mil milhões de libras (79 mil milhões de euros), ou seja, 2,4% do PIB. Em resultado, o rácio da dívida pública em relação ao PIB deverá cair de um máximo de 97,6% em 2025 e 2026 para 97,3% em 2027 e 2028.

A questão é se os planos deste novo orçamento são verdadeiramente uma necessidade económica ou uma decisão política, visto que várias medidas estão a ser comparadas à austeridade do Governo de David Cameron, no rescaldo da crise financeira de 2008, sob a alçada do então ministro das Finanças George Osborne – que Hunt chegou a descrever como seu “velho amigo”.

Mas, recordando o primeiro discurso de Rishi Sunak como primeiro-ministro, em outubro, os britânicos já tinham sido avisados de que viriam aí “decisões difíceis” para reconquistar a confiança e a estabilidade económica. Embora tenha prestado um “tributo” à antecessora Liz Truss, Rishi Sunak salientou que “foram cometidos alguns erros” e que ele iria, em parte, corrigi-los.

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