Cinco sinais que mostram que a economia está a travar
Os indicadores que medem a confiança dos consumidores e a atividade das empresas são alguns dos sinais de que o impacto da guerra e da inflação estão a fazer abrandar a economia.
Os alarmes já vinham a tocar e, agora, os dados que vão sendo conhecidos comprovam que a situação económica em Portugal está a começar a perder gás.
Depois de dados do Banco de Portugal (BdP) mostrarem uma desaceleração da atividade e do consumo, indicadores do Instituto Nacional de Estatística (INE) denotam a acumulação de “sinais de abrandamento”, numa altura em que a inflação não está a dar tréguas. Fatores como o investimento e a procura externa ajudam a traçar o cenário, sendo que economistas ouvidos pelo ECO salientam o impacto negativo da incerteza e do aumento de custos.
“O elemento essencial é a grande incerteza do cenário, que dificulta a condução das empresas. Isso traduz-se nos indicadores de confianças de empresas e consumidores”, aponta o economista João César das Neves ao ECO.
“Em segundo lugar está o impacto da subida de preços, sobretudo da energia e alimentação”, nota o economista. “O aumento de custos de muitas atividades e as dificuldades que a inflação gera junto de muitos extratos de consumidores são já impactos negativos claros sobre o crescimento”, diz.
Pedro Braz Teixeira também aponta ao ECO que os indicadores mais claros que mostram o abrandamento “são os indicadores de confiança”. “A síntese de conjuntura do INE faz uma resenha do que saiu no mês, e o que está a pesar mais são os dados de conjuntura, até porque os outros são mais atrasados” a mostrar o impacto, acrescenta.
Estes “desceram de forma completamente generalizada”, sendo que “no caso dos consumidores estão nos níveis mais baixos desde a pandemia”, destaca. O economista alerta ainda que “estas indicações de abrandamento são a antecâmara de uma coisa mais grave que vem aí”.
Atividade económica desacelera
Nesta síntese é analisada a atividade económica, que “desacelerou significativamente em setembro, após ter acelerado em agosto, retomando o perfil de abrandamento registado entre março e julho e registando a taxa mais baixa desde março de 2021″.
As empresas já anteveem um abrandamento, o que impacta a confiança, salienta Pedro Braz Teixeira. Além disso, “sabem que os consumidores vão ficar com menos poder de compra”.
O indicador do BdP que mede a atividade económica também mostra um abrandamento, tendo registado uma variação homóloga de 6,2% em setembro, depois de uma subida de 6,5% no mês anterior.
Consumo privado abranda
Um dos indicadores mais importantes para o crescimento da economia é o consumo privado, representando cerca de dois terços do PIB em Portugal. Foi o que suportou o crescimento este ano, algo que até já foi apontado como uma preocupação pelo governador do BdP, Mário Centeno, já que se perspetiva uma travagem, verificada agora.
De facto, o INE indica que o “indicador quantitativo de consumo privado desacelerou em agosto e setembro, após ter acelerado no mês precedente”.
Já os dados do BdP desta semana mostravam que o consumo privado evoluiu 2,3%, abaixo dos 2,9% verificados em agosto deste ano, de acordo com as estatísticas da instituição liderada por Mário Centeno.
O INE revela ainda estatísticas a partir da informação relativa às operações realizadas na rede multibanco, disponível para outubro, que mostram que o “montante global de levantamentos nacionais, de pagamentos de serviços e de compras em terminais TPA apresentou um crescimento homólogo de 12,9%”, inferior aos 14,2% verificados no mês anterior.
Confiança dos consumidores em mínimos da pandemia
Perante o ambiente de incerteza e a inflação ainda em altas, tendo atingido os dois dígitos no último mês, a confiança dos consumidores não está a resistir. “No caso dos consumidores, está nos níveis mais baixos desde a pandemia”, aponta Pedro Braz Teixeira.
Olhando para os dados do INE, é possível perceber que este indicador recuou em setembro e outubro, “atingindo um valor próximo do registado em abril de 2020 no início da pandemia”.
Esta perda de confiança ocorre num contexto de “subida da inflação para valores que não víamos há 40 anos”, que está por sua vez a provocar uma “necessidade de resposta por parte dos bancos centrais que estão a subir as taxas de juro a um ritmo invulgar”, aponta o economista. Esta subida das taxas tem impacto nos portugueses, em particular devido à alta percentagem de empréstimos com taxa variável.
Investimento em queda
Com o consumo privado a abrandar, o Governo confia no investimento para dar um impulso ao PIB no próximo ano. Apesar de tal assentar fortemente no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), é de destacar que os indicadores do investimento apresentados pelo INE já revelam uma desaceleração.
“O indicador de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) registou uma variação homóloga negativa em setembro, após o aumento verificado no mês precedente”, indica o gabinete de estatísticas.
Outros dados que ajudam a traçar o cenário de investimento são as vendas de cimento produzido em território nacional (não ajustadas de efeitos de sazonalidade e de dias úteis), já disponíveis para outubro, que “registaram uma diminuição homóloga de 1,2%, após a variação nula verificada em setembro e as diminuições dos dois meses precedentes (-7,9% e -0,4% em julho e agosto)”.
As vendas de veículos ligeiros comerciais também registaram uma diminuição homóloga, de 20,6%, após terem aumentado 7,0% em agosto, e as vendas de veículos pesados, caíram nos últimos dois meses (-27,7% em setembro e -15,3% em outubro).
Exportações sofrem
Fazendo a análise da evolução da economia é necessário também olhar para o contexto externo. “A situação externa também está em desaceleração, o que afetará as nossas exportações”, sublinha César das Neves. Os dados do INE já mostram uma diminuição do contributo positivo da procura externa líquida para o PIB.
“O contributo positivo da procura externa líquida para a variação homóloga do PIB também diminuiu, traduzindo a desaceleração mais intensa das Exportações de Bens e Serviços que a das Importações”, lê-se na síntese. “Em resultado do crescimento pronunciado do deflator das importações, superior ao observado nas exportações, verificou-se uma perda significativa de termos de troca pelo sexto trimestre consecutivo, embora menos intensa que no trimestre anterior”, notam.
As exportações estão a desacelerar, num contexto em que a carteira de encomendas externa na indústria transformadora dos principais países clientes de Portugal está a recuar, tendo diminuído 16,8% em outubro.
Olhando para o futuro “ninguém sabe com segurança” como será a evolução da economia, admite César das Neves. “Claramente a situação ainda não é recessiva e as economias portuguesa e europeia ainda crescem. Mas as ameaças estão a amontoar-se sobre o final do ano e o próximo, sobretudo se a guerra permanecer ou, pior, escalar”, alerta.
Pedro Braz Teixeira também aponta que “até o ministro das Finanças fala de desaceleração forte para o próximo ano”, sendo que o que se discute agora é “se vamos passar por recessão ou não”.
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