Teto aos preços do gás faz soar alarmes no setor energético e financeiro
Depois do BCE e ICE, surgem agora os reguladores da energia, a federação de comerciantes e a associação de bolsas energéticas europeias a alertarem para os riscos associados à imposição de um teto.
A Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER, na sigla em inglês) e a Federação Europeia de Comerciantes de Energia (EFET, na sigla em inglês) consideram que existem riscos significativos na aplicação de um teto ao preço do gás no mercado europeu, isto depois dos ministros da Energia terem chegado a acordo para avançar com a medida na passada segunda-feira.
Em causa está a proposta apresentada pela Comissão Europeia, que visa ativar um limite temporário nos contratos de gás no mercado europeu, se se verificarem duas condições em simultâneo. Por um lado, o limite é ativado se o preço nos contratos de gás natural para o mês seguinte forem, durante três dias úteis consecutivos, superiores a 180 euros por megawatt-hora (MWh) na plataforma holandesa TTF (Title Transfer Facility), a referência nos mercados europeus de gás natural. Os contratos no mercado secundário (OTC [over the counter], na sigla em inglês), isto é, os contratos bilaterais negociados diretamente entre comprador e vendedor não são abrangidos por este teto.
Ao mesmo tempo, para efetivar o limite, terá de se verificar que o preço de referência no TTF é 35 euros mais elevado que o preço de referência para o gás natural liquefeito (LNG), também durante três dias úteis consecutivos. O mecanismo começará a produzir efeitos a partir de 15 de fevereiro de 2023.
O regulador de energia da União Europeia, que ficará encarregue de conduzir um estudo de impacto do mecanismo de correção de preços até ao dia 23 de janeiro de 2023, alertou, esta quarta-feira, ser “improvável que o novo teto de preço do gás do bloco reduza os custos para consumidores ou empresas“, considerando o mecanismo como uma medida “sem precedentes” e “sem provas de teste”.
O diretor da ACER, Christian Zinglersen, citado pelo Financial Times, admite estar “relutante em acreditar que o teto de preço do gás” vá evitar que haja uma repetição dos picos no preço que perturbaram os mercados de energia da Europa durante o verão. Recorde-se que foi em agosto que o preço do gás no TTF atingiu um valor recorde de 345 euros MWh.
Por sua vez, a EFET alertou que uma proposta de Bruxelas para limitar os preços dos contratos futuros de gás vai criar “grandes riscos” para a estabilidade financeira e para o fornecimento de energia do bloco.
“Mesmo uma intervenção curta teria consequências graves, não intencionais e irreversíveis“, lê-se na nota divulgada, acrescentando que a decisão poderia prejudicar “a confiança do mercado cujo valor do gás é conhecido e transparente”. Além disso, consideram que o aumento das chamadas de margem pode ser “inesperado” no mercado secundário do gás, sobrecarregando os traders. Pode “levá-los à falência”, alegam os comerciantes de energia.
"O problema urgente que deve ser resolvido é a escassez física de gás na Europa. Precisamos que os fornecedores de gás fora da Europa aumentem a oferta e escolham vender o seu produto cá. Se o preço limite estiver abaixo do preço global, isso não vai acontecer. A Europa está a competir por uma mercadoria escassa. Um teto enfraquece a nossa capacidade de negociação, mina a confiança nos mercados de gás europeus, cujo os vendedores confiam há décadas, e pode enfraquecer a segurança de abastecimento”
A juntar-se aos alertas, surge a Europex, a associação de bolsas energéticas europeias, argumentado, numa carta enviada à Comissão Europeia, à qual o Financial Times teve acesso, que uma mudança para as transações para o mercado secundário “não só levaria a uma diminuição significativa na transparência, mas também representaria sérios riscos para a estabilidade financeira”, disse Christian Baer, o secretário-geral.
Estes três players do mercado estão alinhados com as preocupações partilhadas pelo Banco Central Europeu (BCE) que já tinha alertado que um teto ao gás poderia por em causa a estabilidade financeira na zona euro, referindo que o mecanismo de correção de preços “pode aumentar a volatilidade e as chamadas de margem, desafiar a capacidade dos bancos centrais na gestão dos riscos financeiros e incentivar a migração das negociações para o mercado secundário de gás” que não estará condicionado pelo mecanismo de correção de preços dos gás da União Europeia.
Já o Intercontinental Exchange (ICE), o grupo norte-americano que gere o mercado de gás TTF, admitiu estar disposto a retirar a negociação do mercado europeu, argumentando que o mecanismo não daria tempo para os consumidores se adaptarem, ou para o gestor do mercado testar a resiliência, além de representar riscos para a gestão do sistema.
Na nota citada pelo Financial Times, a entidade reconheceu que “enquanto operador do mercado” vai considerar todas as opções, “incluindo se um mercado eficiente nos Países Baixos ainda é viável”.
No comunicado de imprensa libertado pela Comissão Europeia no âmbito da formalização do acordo, lê-se que, uma vez acionado o teto, este vigora durante 20 dias úteis, a não ser que o preço se mantenha abaixo de 180 MWh durante este período — nesse caso, é desativado antes do fim dos 20 dias. Além disso, um aumento nos consumos de gás, uma diminuição nas compras de gás no TTF ou entre Estados-membros ou numa diminuição trimestral na importação de LNG no bloco europeu poderá resultar numa suspensão do mecanismo.
Acresce ainda à lista de salvaguardas, que serão tidos em conta alertas da ACER, e que este organismo irá ficar responsável por elaborar um estudo de impacto do teto aos preços do gás e de fazer a monitorização do mecanismo, juntamente com a Comissão Europeia e a Autoridade Europeia de Valores Mobiliários e Mercados (ESMA).
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