Tribunal da Concorrência quis retirar acusação a dirigentes de seguradoras
O Tribunal da Concorrência propôs a retirada da acusação contra responsáveis da Lusitânia e da Zurich, no processo do cartel das seguradoras, mas a Autoridade da Concorrência (AdC) opôs-se.
O Tribunal da Concorrência propôs a retirada da acusação contra responsáveis da Lusitânia e da Zurich, no processo do cartel das seguradoras, como aconteceu com os das companhias que beneficiaram de clemência, mas a Autoridade da Concorrência (AdC) opôs-se.
Num despacho datado de dezembro, consultado pela Lusa, a juíza Mariana Gomes Machado refere o tratamento diferenciado dado pela AdC aos administradores da Seguradoras Unidas, Fidelidade e Multicare, que aderiram ao programa de clemência, beneficiando de isenção do pagamento da coima, no caso da Seguradoras Unidas, ou redução, as outras duas, os quais viram os seus processos serem arquivados, podendo continuar a exercer funções no setor.
No despacho, que ficou sem efeito, já que necessitaria do acordo de todas as partes, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) salienta que os administradores das companhias que assumiram ter participado num acordo para repartição de grandes clientes empresariais de alguns sub-ramos de seguro não vida, mediante a manipulação dos preços a constar das propostas que lhes eram apresentadas, ficaram sem antecedentes contraordenacionais registados e sem qualquer registo de censura normativa “para efeitos de avaliação junto do supervisor” do setor, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).
Para o TCRS, o arquivamento “não contém fundamentação” e, “em desvio ao entendimento que ali preconizou”, a AdC “prosseguiu os autos contraordenacionais contra as pessoas singulares colaboradoras” da Zurich e da Lusitânia, “que constituem homólogos das pessoas singulares” que viram a sua responsabilidade contraordenacional “arquivada”.
O despacho invocava os “princípios da legalidade, igualdade e boa-fé, que norteiam a atuação da AdC enquanto entidade de natureza pública”, entendendo que os autos contraordenacionais deveriam “ser circunscritos ao apuramento da responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas” Zurich e Lusitânia, sem prejuízo de vir a ser tido em conta, na definição da coima, uma eventual “participação no comportamento anti-concorrencial de administradores e diretores de primeira linha”.
A AdC condenou, em 2019, a Lusitânia e a Zurich, dois administradores e dois diretores destas seguradoras a coimas superiores a 42 milhões de euros, valor ao qual se juntam os 12 milhões de euros já pagos pela Fidelidade e Multicare, tendo a Seguradoras Unidas ficado dispensada do pagamento de coima.
Segundo a AdC, as empresas envolvidas no cartel combinavam entre si os valores que apresentavam a grandes clientes empresariais na contratação de seguros de acidentes de trabalho, saúde e automóvel, apresentando sempre valores mais altos, para que o cliente se mantivesse na seguradora já contratada.
A abertura da investigação ocorreu em maio de 2017, na sequência de um requerimento de dispensa ou redução da coima (pedido de clemência) apresentado pela Seguradoras Unidas, à AdC, no que foi seguida pela Fidelidade – Companhia de Seguros e pela Multicare – Seguros de Saúde, tendo sido emitida uma nota de ilicitude em agosto de 2018 contra cinco seguradoras.
O processo contra os administradores das companhias que beneficiaram da clemência foi arquivado.
Um dos beneficiários desta medida, o ex-responsável pelos grandes clientes da Tranquilidade, atualmente a trabalhar na Fidelidade, prestou depoimento durante o julgamento enquanto testemunha, tendo assumido que, no final de 2014, iniciou contactos informais para troca de informação, “alguma confidencial”, com responsáveis pelos grandes clientes de seguradoras concorrentes.
Sérgio Teodoro disse ao TCRS que houve um entendimento entre as administrações da Tranquilidade e da Fidelidade em 2016 para garantir que não seria apresentado um valor abaixo daquele que estava a ser proposto a um determinado cliente.
Segundo afirmou, este acordo entre as duas maiores seguradoras portuguesas surgiu para garantir que as companhias conseguiam recuperar o prejuízo gerado por “clientes muito maus”, grandes empresas que apresentavam elevados índices de sinistralidade, gerando prejuízo, num momento em que se sentia “pressão” da parte da ASF para ser assegurada a solvabilidade das seguradoras.
Também num depoimento perante o TCRS, o ex-diretor da área comercial da Lusitânia assumiu que participou na troca de informações com a Tranquilidade e a Fidelidade, mas negou ter tido conhecimento ou participado em qualquer acordo.
Paulo Conceição, que foi condenado no pagamento de uma coima de 6.100 euros, afirmou que, devido a este processo, foi retirado das funções que exercia, de direção da área responsável pelas grandes contas e pela contratação pública, estando a assessorar a administração da companhia.
Da decisão da AdC, recorreram para o TCRS a Lusitânia, condenada a uma coima de 20,5 milhões de euros, a Zurich (21,5 milhões de euros), Paulo Conceição (6.100 euros) e os administradores da Lusitânia Artur Martins (20,8 mil euros) e Fernando Nogueira (24,1 mil euros) e o diretor da Zurich Nuno Catarino (7,8 mil euros).
O julgamento, iniciado em 11 de novembro último, tem alegações marcadas para os próximos dias 23 e 27, devendo a sentença ser proferida no dia 28 de fevereiro.
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