Governo afasta ideia de proibir venda de casas a estrangeiros. Setor diz que seria “forte ataque” à economia
Ao contrário do Canadá e das Baleares, proibir a venda de casas a estrangeiros não residentes não está, por enquanto, nos planos do Governo português.
O Canadá proibiu estrangeiros não residentes de comparem casa no país e as ilhas baleares anunciaram, esta semana, que pretendem fazer o mesmo. Lados opostos do Atlântico, mas o objetivo é o mesmo: combater a subida dos preços da habitação. Portugal, contudo, “não se pode dar ao luxo” de adotar uma medida dessas, dizem os profissionais do imobiliário, sublinhando o forte impacto que isso teria no setor e, sobretudo, na economia. O ECO sabe que, do lado do Governo, esse tema não está, de momento, em cima da mesa.
Desde o início deste ano que, no Canadá, os estrangeiros não residentes não podem comprar casa no país — cumpriu-se, assim, uma promessa feita pelo primeiro-ministro Justin Trudeau na sua campanha eleitoral, em 2021. O responsável acredita que os estrangeiros são responsáveis pelo aumento dos preços no país e o não cumprimento desta lei implica o pagamento de multas que podem ir até dez mil euros e a obrigação de venda da casa.
Depois da notícia do Canadá, foi a vez de as autoridades das ilhas Baleares anunciarem intenção idêntica. Ibiza, Maiorca, Menorca e as restantes Baleares querem adotar uma legislação no mesmo sentido, alegando que os estrangeiros compram casas para férias e, fora do verão, criam-se “aldeias-fantasma” com casas vizinhas, escreve o The Guardian. O vice-presidente das Baleares apelou mesmo ao Governo espanhol para que seja feita pressão junto da UE de forma a permitir às ilhas avançar com essa proibição.
Por cá, isso não está, por enquanto, nos planos do Governo português, sabe o ECO. Apesar disso, o Executivo está a estudar medidas que permitam facilitar o acesso ao mercado de habitação e, inclusive, vai realizar um estudo que permita comparar o que está a ser feito noutros países europeus. Mas, caso essa fosse uma opção, seria viável e legal? Mudaria o cenário atual?
Não residentes compram 7% das casas em Portugal
É um “tema delicado”, diz Pedro Vicente, CEO da promotora imobiliária Overseas, ao ECO. “O mercado que vai funcionando melhor é o estrangeiro. Contudo, representa entre 10% a 15% do mercado geral, mas é importante porque é o mais elevado em termos de valor médio por unidade”, nota.
A economista Vera Gouveia Barros sublinha a ideia de que as aquisições de não residentes em Portugal representam “uma percentagem pequena do mercado” nacional. “É uma fatia muito pequena e que nem sequer deve ser a nível nacional”, diz, referindo a falta de dados mais detalhados.
Os dados mais recentes do INE, referentes ao terceiro trimestre de 2022, indicam que, das 42.223 casas vendidas naquele período, apenas 2.767 (6,6%) foram compradas por pessoas com domicílio fiscal fora de Portugal. Aqui, os compradores residentes na UE representaram um total de 1.486 unidades.
Por sua vez, os dados mais recentes do Banco de Portugal, referentes aos 12 meses terminados em junho de 2022, indicam que os não residentes representaram 11,7% do valor das transações em Portugal. Os compradores com domicílio fiscal fora da UE lideram, com um valor médio de transação de 414 mil euros no primeiro semestre de 2022, cerca de 143% acima do valor médio das transações a envolver compradores residentes em Portugal.
“Aquelas casas de milhões não são para a maioria das pessoas”
“Acabar com isso [mercado estrangeiro] seria acabar com uma parte importante do mercado, nomeadamente com uma parte que acaba por atrair investimento em sede do mercado imobiliário, mas também noutras áreas”, diz Pedro Vicente. “Dizer que a compra de casa por estrangeiros não está ligada a investimentos na economia no geral é errado. O impacto é enorme”, acrescenta.
“O Canadá pode dar-se ao luxo de fazer isso e as Baleares também, porque são alvo de um investimento gigantesco anualmente. Mas Portugal não está em condições de fazer isso, porque ainda é um mercado residual de investimento, ainda há muito para captar”, diz Pedro Vicente, referindo que, se uma medida destas fosse adotada, seria “um forte ataque ao mercado imobiliário e à economia do país”.
O economista João Duque nota que “o problema grande” que tem estado a surgir em Portugal “não tem sido tanto os não residentes”. “Claro que compararam imóveis que se valorizaram muito, mas aquelas casas de milhões não são para a esmagadora maioria das pessoas. As casas de centenas de milhares de euros é que são para as típicas famílias portuguesas”, diz.
Assim, Vera Gouveia Barros afirma que, caso o Governo adotasse uma medida destas em Portugal, os portugueses “não iriam sentir nada significativo em termos de preços”. “O que ia acontecer é que aquelas transações maiores, provavelmente, desapareceriam. Mas isso não quer dizer que os portugueses iriam conseguir comprar casas”, acrescenta.
Pedro Vicente, da Overseas, corrobora que uma medida destas “não iria resolver o problema do acesso à habitação” no país, reforçando a ideia de que “não é esse mercado que afeta os portugueses”.
O economista João Duque acrescenta ainda que o imobiliário nacional “tem estado a ser pressionado não só por não residentes”. “Eles não são os maus da fita. Os nossos residentes também prejudicaram o mercado à custa de um crédito baratíssimo, que foi o fuel para esta subida de preços”, diz.
Medida seria legalmente possível para cidadãos de fora da UE
O facto de o Governo português não estar a equacionar qualquer tipo de proibição prende-se também com entraves legais a essa eventual intenção. “Tendo em conta o princípio da circulação de pessoas e bens da UE não estou a ver como é que o Estado português poderá impedir qualquer cidadão de um dos Estados-membros da UE comprar seja o que for em Portugal”, disse ao ECO, Tiago Mendonça de Castro. “Isso não vai acontecer. Pelo menos enquanto estivermos ao abrigo das regras da UE”, acrescentou o sócio e co-coordenador da área de Direito Imobiliário da Abreu Advogados.
Por outro lado, o fiscalista nota que o facto de Portugal ser um membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) tornaria “difícil” avançar com uma medida destas “sem ferir de morte a existência da CPLP”.
Ou seja, só seria possível aplicar a proibição de comprar em Portugal a cidadãos de fora da UE. “Para um não-cidadão da UE, americanos, canadianos ou brasileiros, que queira investir em Portugal através da aquisição de bens, admito que seja possível criar um entrave”, diz Tiago Mendonça de Castro.
“No fundo são medidas protecionistas”, diz o advogado, referindo que em causa está o direito à propriedade privada que, “normalmente, não prevê a intervenção do Estado”. “Não estou a ver como é que isso poderia ser criado sem ferir o direito à propriedade privada”, reforça.
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