Donativos da CGD e de peregrinos. De onde vêm as receitas da Fundação da Jornada Mundial da Juventude?
A Fundação responsável pela organização da JMJ recebeu mais de 880 mil em donativos em dois anos. As inscrições no evento, que decorre em Lisboa em agosto, podem render até 383 milhões.
A Fundação JMJ tem estado sob fogo desde a divulgação do custo da construção do altar-palco a propósito do evento que trará ao país 1,5 milhões de pessoas em agosto de 2023. A “entidade jurídica que representa” oficialmente a organização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em Portugal, diz ter uma gestão com base no “autofinanciamento”. Em dois anos recebeu mais de 880 mil euros em donativos.
A Fundação trabalha diretamente com três entidades que irão investir no evento: o Governo (36,5 milhões), a Câmara Municipal de Lisboa (35 milhões) e a Câmara Municipal de Loures (10 milhões). Da Igreja prevê-se um investimento superior a 80 milhões, mas “ao longo do projeto” os valores serão disponibilizados com transparência, admitiu o responsável pela Fundação na quinta-feira.
Afinal, que Fundação está por trás da dinamização do “maior evento da história do país”, conforme diz a autarquia de Lisboa? Nos “princípios de gestão financeira” pelos quais admite reger-se, lê-se que tem por base o autofinanciamento (“as despesas serão cobertas mediante a participação dos peregrinos e do apoio de parceiros”) e a recolha de fundos.
No documento de 18 páginas que define os estatutos da Fundação, criada em 2019, é explicado que poderão ser fonte de receita “todos os meios que lhe sejam doados, deixados ou adquiridos”. Aqui incluem-se fontes como:
- Auxílios financeiros concedidos;
- Donativos recolhidos (em situações como os ofertórios das missas);
- Subsídios e comparticipações do Estado e outras entidades;
- Rendimentos obtidos em angariações de fundos e donativos de singulares;
- Receitas da perceção fiscal;
- Rendimentos de bens próprios ou doados;
- Heranças.
A entidade é presidida por Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa, tendo por secretária Maria Leonor Paiva e tesoureiro o padre Joaquim Loureiro. Nos estatutos adianta-se que o desempenho destas funções não é remunerado, mas há quem seja. De acordo com o relatório de contas de 2021, a 31 de dezembro de 2021 registava-se um gasto de 52.940 euros em remunerações com pessoal que trabalha em colaboração com a Fundação (aos quais se somam encargos e o valor dos seguros de acidentes e doenças, e que perfaz mais de 64 mil euros).
Donativos ultrapassam os 880 mil
A dotação inicial da Fundação foi de 150 mil euros, atribuída pelo fundador, o Patriarcado de Lisboa (órgão máximo da Igreja no país e que responde diretamente ao Vaticano). Mas rapidamente a conta cresceu.
Em 2020, a instituição recebeu donativos no total de 518.058,81 euros (dos quais 500 mil vieram de uma só entidade não identificada).
O ano de 2020 terminou com rendimentos de 518 mil euros (menos 21% do que inicialmente se previa) e gastos de 92 mil euros (abaixo dos 239 mil orçamentados). O ano acabou com “resultados positivos de 426 mil euros”, mais 1% do que se previa.
Já em 2021, os donativos diminuíram, mas não faltaram. De entre vários rendimentos, a Fundação registou 368.637,37 euros apenas em donativos. Deste valor, 100 mil foram doados pela Caixa Geral de Depósitos (CGD). No final do ano, a instituição pôde afirmar que “o orçamento foi cumprido”, mas terminou com rendimentos de 368 mil euros (menos 82% do que havia sido orçamentado).
Apesar de o rendimento ter ficado abaixo do previsto, a poupança também foi maior do que se antevia. Os gastos foram no valor de cerca de 106 mil euros (menos 89% do que tinham orçamentado). O orçamento final era de um milhão de euros, mas, feitas as contas, o resultado final, foi de 262 mil euros.
Para as contas de 2022, antevê a instituição orientada por D. Américo, “perspetiva-se um incremento generalizado das contas para rendimentos de 3 milhões de euros”. Estes servem para “a concretização das atividades e gastos de 2,9 milhões de euros”.
Inscrições podem render até 382,5 milhões
Existem três modalidades para quem se quer inscrever na JMJ e 13 pacotes disponíveis. Os peregrinos têm a opção de participar no evento durante toda a semana (1 a 6 de agosto), apenas no fim de semana (4 a 6 de agosto) ou apenas na vigília e missa de encerramento (5 e 6 de agosto). Os valores oscilam de acordo com as modalidades e pacotes selecionados, variando também aquilo a que cada inscrito tem direito.
Tendo por base a modalidade principal – com maior duração – existem oito opções. A opção mais cara tem o valor de 255 euros (onde, além de alojamento, alimentação, transporte, seguro e um kit, há direito a mais três dias). Por outro lado, a mais barata custa 95 euros (e inclui apenas transporte, seguro e kit).
De acordo com as estimativas avançadas, no evento onde estará o Papa, são esperadas cerca de 1,5 milhões de pessoas. Assumindo que cada uma delas seleciona o pacote mais barato da modalidade A (95 euros), só em inscrições podem ser esperados, no mínimo, 142,5 milhões de euros.
Se, por outro lado, todos os 1,5 milhões decidirem investir no pacote mais caro desta modalidade (255 euros), as inscrições poderão render até 382,5 milhões de euros.
Se todos os visitantes esperados optarem pela modalidade com maior duração, as inscrições podem render entre 142,5 milhões e 382,5 milhões.
No site oficial da Jornada é ainda feito um “convite” a todos os peregrinos: “São convidados a contribuir para o Fundo de Solidariedade com um donativo voluntário de pelo menos 10 euros por pessoa”. O objetivo é “cobrir os custos de participação de jovens provenientes de países mais desfavorecidos”.
Segundo avançou Américo Aguiar, já estão inscritos 420 mil peregrinos. Se todos optarem pelo pacote mais barato da modalidade completa, isto equivale a quase 40 mil euros em inscrições. No entanto, “os que pagaram ainda é muito pouquinho, estamos a falar de 10%”, acrescentou.
Lucros obtidos serão distribuídos
Até ao momento, não era claro o que iria acontecer com as receitas obtidas pela Fundação JMJ no final do evento. No entanto, na quinta-feira Américo Aguiar colocou o dedo na ferida e assegurou que nada ficará nas contas da instituição.
“A Igreja assume a responsabilidade disto tudo e, no fim, assumirá os prejuízos. Os lucros que, porventura, existam da Fundação JMJ serão entregues a projetos que envolvam a juventude das Câmaras de Loures e de Lisboa”, explicou.
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