Demissão na ANI “fragiliza” execução dos fundos europeus, criticam empresários
Para os empresários, a demissão de Joana Mendonça é "preocupante" e confirma a perceção de uma gestão tardia e incoerente dos programas comunitários, com "entropia generalizada" na máquina do Estado.
A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) vê com “enorme preocupação” a demissão da presidente da Agência Nacional para a Inovação (ANI), Joana Mendonça, revelada pelo ECO, que alegou falta de apoio político para abandonar a liderança deste organismo que faz a ligação entre as empresas, a academia e os centros tecnológicos.
António Saraiva sublinha, em declarações ao ECO, a falta de resposta das tutelas – da Economia e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – a “vários pedidos elementares para a atividade regular da agência”, notando que “esta demissão confirma, infelizmente, a perceção que o setor privado tem sobre a execução do PRR e de outros programas: os processos funcionam mal e de forma muitas vezes incoerente”.
"Esta demissão confirma, infelizmente, a perceção que o setor privado tem sobre a execução do PRR e de outros programas: os processos funcionam mal e de forma muitas vezes incoerente.”
Lembrando que a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é “obviamente crucial” para o país, ainda mais num contexto de “perda de velocidade da atividade económica” nos últimos trimestres, o líder da CIP avisa que “se os instrumentos públicos não avançarem com vigor em solidez, os riscos para as empresas e para os trabalhadores aumentam substancialmente”.
“Esta demissão confirma as nossas piores suspeitas e coloca-nos em situação de fragilidade face aos nossos concorrentes europeus”, conclui António Saraiva.
Entre os pontos particularmente sensíveis para a renúncia, citados na própria carta de Joana Mendonça, estão precisamente o acompanhamento das Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial e da “Missão Interface”, ambas no âmbito do PRR, ou o papel da ANI na execução e implementação do PT2030, além das alterações propostas ao SIFIDE, que rege os incentivos fiscais à atividade de I&D empresarial.
Num espaço de poucos dias, esta é a segunda demissão de um alto dirigente do Estado que tem funções de gestão na aplicação do PRR e dos fundos comunitários. A 26 de janeiro, também o presidente do IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, Francisco Sá, resolveu bater com a porta. Em regime de substituição desde fevereiro de 2021, será, para já, substituído por Luís Filipe Pratas Guerreiro, que era até agora adjunto no Ministério da Economia.
Segundo apurou o ECO junto de fontes que acompanharam de perto o processo que levou à saída da líder da Agência Nacional de Inovação, além da falta de apoio e comunicação das tutelas, esta demissão na ANI terá resultado igualmente dos rumores insistentes que apontavam para a sua saída. Joana Mendonça acabou assim por tomar a dianteira e apresentar ela própria a demissão.
Esta nova baixa prossegue a “limpeza” encetada por António Costa Silva nos últimos meses, nas entidades e nos rostos que herdou do antecessor, Pedro Siza Vieira. Antes da ANI e do IAPMEI, o ministro da Economia já tinha demitido os dois secretários de Estado – da Economia, João Neves; e do Turismo, Rita Marques –, e também mexeu na cúpula do Banco de Fomento, trocando Beatriz Freitas por Celeste Hagatong e Ana Carvalho.
Esta terça-feira, poucas horas depois de o ECO revelar a carta de demissão de Joana Mendonça – a professora de Gestão e Inovação do Instituto Superior Técnico tinha assumido estas funções em maio de 2021, para um mandato de três anos –, a Iniciativa Liberal entregou no Parlamento um requerimento para as audições, “com caráter de urgência”, da líder demissionária da ANI e dos ministros António Costa Silva e Elvira Fortunato.
Máquina do Estado “emperra” a economia
Esta manhã, durante uma visita à Solancis, que lidera a Agenda Verde do Setor da Pedra Natural, o primeiro-ministro ignorou o tema e preferiu sublinhar a importância de o país estar “concentrado e focado na boa execução do PRR”. E até desafiou as empresas a “pedalar” para que no final do programa, em 2026, Portugal esteja mais bem preparado “para enfrentar crises que o futuro” possa trazer e tenha “mais e melhor emprego, maior rentabilidade para as empresas e uma economia mais sustentável”.
No entanto, a Norte, esta baixa na cúpula da ANI é um “motivo de preocupação”, sobretudo pelos motivos invocados. E que, nas palavras de Ricardo Costa, presidente da Associação Empresarial do Minho (AEMinho) confirmam o entendimento das empresas de que “há uma entropia generalizada da máquina do Estado na análise, execução e acompanhamento dos processos relacionados com o PRR e uma total ausência de atividade em relação do Portugal2030”.
Os motivos dessa mesma demissão apenas vêm evidenciar aquilo que as empresas reclamam há algum tempo. Há uma entropia generalizada da máquina do Estado na análise, execução e acompanhamento dos processos relacionados com o PRR e uma total ausência de atividade em relação do Portugal2030.
“É extremamente grave que a presidente da ANI revele total ausência de conectividade com os ministros que tutelam as suas áreas de abrangência. Este fosso comunicacional entre entidades, esta letargia procedimental que não aproveita os recursos disponíveis para investimento na economia, associada à instabilidade governativa a que temos assistido, fazem antever tempos difíceis para os portugueses, provocados não pela conjuntura internacional, mas pela inoperacionalidade do Estado”, remata o empresário.
Por outro lado, Peter Villax, presidente da Associação das Empresas Familiares, vê nesta demissão “mais um sinal de falta de políticas de longo prazo deste Governo”, em que “não há uma estratégia para áreas tão importantes como a indústria nacional e a inovação”. Sustenta que “tudo se resume a Horizonte’s e PRR’s – ou seja investimento –, mas a administração do Estado não tem indicações claras para onde devemos caminhar, com a exceção da descarbonização, o que não chega para orientar o desenvolvimento económico”.
A administração do Estado não tem indicações claras para onde devemos caminhar, com a exceção da descarbonização, o que não chega para orientar o desenvolvimento económico.
E a demissão de Joana Mendonça, completa o mesmo empresário, em declarações ao ECO, “surge em má altura, redundando no enfraquecimento das instituições e levando à redução da eficácia da administração do Estado”.
Já a Associação Empresarial de Portugal (AEP), questionada sobre os impactos desta mexida, respondeu que, envolvendo o tema da Inovação e tendo responsabilidade na gestão dos fundos, nomeadamente o PRR e o PT2030, “poderá constituir um fator inibidor da mais rápida execução” da bazuca europeia e da “celeridade” no início da implementação do novo pacote comunitário. E no caso do PRR, “são bem conhecidos os atrasos nas (poucas) medidas que envolvem diretamente as empresas, designadamente as Agendas Mobilizadoras”.
Do que o país menos precisa é de um clima de instabilidade no ecossistema inovador. Pelo contrário, precisa de políticas públicas que potenciem essa rápida convergência em matéria de indicadores de inovação.
Sem querer avaliar o mandato de Joana Mendonça, Luís Miguel Ribeiro assinala a evolução positiva do rácio da despesa de I&D no PIB, que se situou em 1,66% em 2021, o que coloca Portugal na 12ª posição entre os países da União Europeia. Ainda assim, um rácio que “representa apenas 73,5% da média europeia, o que demonstra que temos ainda um longo caminho a percorrer”.
“Neste sentido, do que o país menos precisa é de um clima de instabilidade no ecossistema inovador. Pelo contrário, precisa de políticas públicas que potenciem essa rápida convergência em matéria de indicadores de inovação, intimamente ligados à questão da melhoria da produtividade e competitividade das nossas empresas e do nosso país”, salvaguarda o presidente da AEP.
Vítor Poças, presidente da AIMMP (madeira e mobiliário), confessa ter “fracas expectativas” em relação a um reforço de meios ou de resultados neste domínio da inovação, frisando estar “muito mais preocupado com as consequências a médio e longo prazo das políticas públicas e do modelo de governação que tem sido seguido em Portugal nestes domínios”. No entanto, indica que “começam a ser preocupantes as sucessivas demissões e os diversos desconfortos públicos e outros sonegados, manifestados e sentidos por parte de muitos dirigentes do setor público”.
Começam a ser preocupantes as sucessivas demissões e os diversos desconfortos públicos e outros sonegados, manifestados e sentidos por parte de muitos dirigentes do setor público.
“Uma vez mais nos parece termos perdido tempo desnecessariamente e com prejuízo quer para a execução do PRR quer para a definição das políticas de inovação que a economia tanto carece. Numa área tão crítica para o desenvolvimento do país não se pode pactuar com hiatos de gestão tão longos e prejudiciais. Um ano e meio de mandato, sem orientação, sem enquadramento e suporte político é tempo demasiado para esta ou outra área governativa”, reage Raul Magalhães.
O presidente da Associação Portuguesa de Logística (APLOG) espera uma substituição rápida de Joana Mendonça, e por alguém que “tenha condições para executar um mandato com mais e melhor enquadramento e suporte por parte das tutelas”.
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