ChatGPT é um desafio para os jornalistas
O presidente da APDC adverte que o sistema de inteligência artificial (IA) ChatGPT "tem o risco de as pessoas poderem pensar que se trata de algo que dá sempre respostas certas".
O presidente da APDC adverte que o sistema de inteligência artificial (IA) ChatGPT “tem o risco de as pessoas poderem pensar que se trata de algo que dá sempre respostas certas” e é um desafio para os jornalistas. Rogério Carapuça refere que a interação com o sistema é muito semelhante a um diálogo com um humano, mas as pessoas precisam de “ter o cuidado, naturalmente, de saber que estão a falar ou que estão a interagir com uma máquina e não propriamente com uma pessoa e que as respostas que estão a obter não têm que ser forçosamente exatas“.
Esta “é uma questão essencial, até para quem está na área da comunicação social, que é cada vez é mais difícil distinguir aquilo que é verdade daquilo que não é, sobretudo quando interagimos com sistemas que não dizem qual é a referência (…) da fonte da origem daquela informação“, alerta o presidente da APDC – Digital Business Community, em entrevista à Lusa.
Já quando se interage com um motor de busca tradicional, como o Google, por exemplo, este apresenta um “conjunto de respostas e as respostas dizem de onde é que aquilo vem e qual é a fonte”. Ora, “este sistema não diz qual é a fonte” e como “interage connosco de uma forma muito mais natural, nós temos o risco de lhe atribuir a credibilidade, de achar que aquilo por definição é verdade, quando isso não é o caso“, reforça Rogério Carapuça. Aliás, o próprio ChatGPT já passou em exames da Universidade de Wharton, nos Estados Unidos.
“Tem o risco de as pessoas poderem pensar que se trata de algo que dá sempre respostas certas, isso não é o caso. Ele não só falha, como pode ser manipulado. E, portanto, a questão de saber se algo é verdade ou não é verdade, se nós temos fontes que corroboram aquela resposta ou não vai ser uma questão cada vez mais premente nas nossas sociedades e uma das qualidades que nós temos que desenvolver como humanos e os alunos como alunos“, entre outros, “é precisamente esta validação se aquilo que nos estão a dizer é ou não algo que possamos tomar como verdadeiro”, reforça Rogério Carapuça.
Soluções como o ChatGPT também colocam desafios à comunicação social, já que “com um sistema deste tipo será facílimo gerar notícias automaticamente que podem ou não ser verdade porque ele é muito credível do ponto de vista da interação“. Por exemplo, as deep fakes, desinformação que resulta da manipulação de imagens e áudio, em que é possível colocar imagens de uma determinada pessoa, com uma voz semelhante à sua, a dizer coisas que não disse, através de uma voz que foi gerada.
“Cada vez vai ser mais difícil a gente perceber se uma determinada imagem corresponde àquela pessoa ou não, se a pessoa disse aquilo ou não e/ou, neste caso, se este sistema está a dizer algo que é verdade ou não, portanto, a nossa capacidade como humanos, de conseguir entender, distinguir o que é verdade do que não é, será cada vez mais desafiada“, antecipa o presidente da APDC, que antevê que seja “um grande desafio também aos aos jornalistas”.
Com sistemas como o ChatGPT, os jornalistas “terão aqui um bom assistente para produzir” notícias simples como o fecho dos mercados, por exemplo, mas “também há o risco de se escrever uma coisa que nem sequer é verdade”, remata.
Qualidade de interação “muito superior” à de outros sistemas
A interação do ChatGPT é “muito superior” à de outros sistemas, mas falta encontrar o modelo de negócio, nota, por outro lado, o presidente da APDC, que perguntou ao algoritmo se deveria dar uma entrevista à Lusa e a máquina anuiu. O sistema de inteligência artificial (IA) da ChatGPT tornou-se viral e neste momento está aberto o debate sobre o impacto de soluções como o ChatGPT nas várias vertentes da sociedade.
“A qualidade desta interação” com o ‘chatbot’, “autómatos com linguagem, percebe que a capacidade de expressão, a capacidade de entendimento daquilo que são as frases que nós fazemos e aquilo que ele efetivamente consegue procurar e responder é muito superior neste sistema do que naquilo que se encontra noutros sistemas desta classe”, afirma Rogério Carapuça. Aliás, “há muitos anos que existe a ideia de que nós podemos criar inteligência artificialmente para as máquinas e que elas podem exibir alguns dos comportamentos inteligentes que nós associamos às pessoas”.
Um desses comportamentos é a interação em linguagem natural, a forma como os humanos falam. “O ChatGPT permite precisamente a interação em linguagem natural, num conjunto muito diversificado de áreas (…)”, em que se pode “basicamente interagir como quiser e perguntar o que quiser a este tipo de sistema e o que ele faz é compreender a nossa pergunta, entender o que é que nós perguntamos, depois pesquisar na base de dados que possui (…) respostas plausíveis e apresentar depois também em linguagem natural” as mesmas, explica o presidente da APDC – Digital Business Community.
E, “por acaso e para transformar esta entrevista em algo mais vivo, com exemplos, eu resolvi perguntar ao ChatGPT se devia dar entrevista à agência Lusa”, relata, ao que ele respondeu: “A Lusa é a principal agência de notícias pública portuguesa, é conhecida por fornecer informação rigorosa e de grande qualidade”.
“Se você tem alguma coisa relevante ou algum conhecimento importante que se alinha com a política de cobertura noticiosa da agência, então pode ser interessante dar essa entrevista, no entanto, deve contactá-los primeiro para perceber qual é o objetivo da entrevista, qual é o foco dessa entrevista e assegurar que o seu interesse se alinha com o interesse da agência”, refere Rogério Carapuça, citando a resposta da máquina.
Mas o exercício foi mais longe e o presidente da APDC disse ao ChatGPT que o assunto era ele próprio e a resposta não se fez esperar: “Se a Lusa está interessada em compreender qual é que é a experiência de falar comigo, então pode aproveitar essa oportunidade para partilhar os seus conhecimentos sobre os benefícios e as limitações dos modelos de linguagem como eu. Pode discutir o que é que encontrou de mais interessante ao falar comigo, as suas opiniões sobre aquilo que percebeu e algumas preocupações que pode ter”. Ou seja, uma resposta que poderia ter sido dada por qualquer humano.
Rogério Carapuça desafiou ainda o algoritmo a escrever um poema sobre o sol, o que ele concretizou e que poderia ter sido escrito por um aluno do ensino secundário. Quanto aos desafios, “não há nenhuma tecnologia que não tenha problemas ou que não possa trazer problemas na sua utilização”, diz Rogério Carapuça, apontando que “tudo tem a ver com a forma” como ela é utilizada. Por exemplo, a tecnologia nuclear: tanto permite a medicina nuclear como a construção de bombas atómicas.
O ChatGPT “pode servir como um front-end de linguagem natural com outros sistemas, por exemplo, porque ele é capaz de compreender as perguntas e gerar as respostas também em linguagem natural”, refere o responsável.
Este sistema pode ser “utilizado para situações para aumentar a produtividade de quem tem que produzir informação escrita, pode ser utilizado para atendimento”, mas “também pode ter maus usos como todas as tecnologias têm maus usos, nomeadamente em situações em que nós queiramos ou que se queira fazer o sistema passar (…) por um humano (…), fazer o sistema confundir-se como um humano e produzir alguma coisa que possa ser manipulada, evitando assim o escrutínio de uma pessoa humana”, diz.
As tecnologias têm evoluído e cada vez mais vão fazendo coisas “mais sofisticadas”, sendo que a “capacidade de processamento e a capacidade de armazenamento que uma máquina consegue ter hoje em dia evoluiu de forma exponencial”, refere, aliás, desde que nos anos 1950 começaram a construir-se os circuitos integrados.
Atualmente, “temos (…) numa máquina deste tipo uma capacidade de armazenamento e de processamento infinitamente superior àquilo que tínhamos, por exemplo, no módulo que foi à Lua no programa Apollo ou num supercomputador dos anos 1980″, ilustra o presidente da APDC.
A capacidade de processamento “explodiu exponencialmente”, tal como a de armazenamento de informação “o que significa que hoje as máquinas podem e são capazes de processar a informação de forma muitíssimo mais rápida do que era aqui apenas há 10 anos”, salienta. O desenvolvimento mais recente da IA trouxe “a possibilidade de as próprias máquinas aprenderem, ou seja, em vez de nós programarmos a máquina a fazer um determinado tipo de processo, nós hoje ensinamos máquinas a aprender” o que quer que seja, explica.
De forma simples: as máquinas, armadas dessa capacidade de processamento, “e tendo acesso a uma quantidade de dados cada vez maior, são capazes de elas próprias aprenderem até nem que seja por tentativa e erro, porque podem experimentar milhões de vezes até obterem determinado tipo de soluções para os problemas”.
Depois, uma coisa é ter uma máquina a jogar xadrez e outra é a fazer uma coisa mais complexa como conduzir um automóvel. “Só para lhe dar um exemplo, se na indústria automóvel a velocidade de um carro, por exemplo tivesse o mesmo crescimento exponencial que teve a capacidade de processamento dos computadores, um carro que nos anos 50 andasse 60 quilómetros/hora, hoje chegaria a Marte em menos de 10 minutos”, diz Rogério Carapuça.
Em suma, “é esse o tipo de crescimento que a gente teve na capacidade de processamento e de armazenamento na área das tecnologias de informação e que não houve na indústria automóvel”. A natureza destes sistemas como o ChatGTP vive do acesso a muitos dados.
“As grandes empresas tecnológicas vão, obviamente, criar aplicações, criar sistemas desta classe, dando-lhes acesso à quantidade de dados que hoje nós disponibilizamos e depois com esses sistemas e com ‘interfaces’ de programação para esses sistemas, as várias empresas, as várias entidades irão desenvolver as suas aplicações práticas, umas que poderão ser (…) para serviços, de resposta ao público, outras poderão ser para traduções, outras que poderão ser para produção de textos”, diz.
Resumindo, “a gama de aplicações é, de facto, muito grande”. Agora, falta é encontrar o modelo de negócio para sistemas como o ChatGPT. “Não basta ter um sistema deste tipo, há que ter associado um determinado modelo de negócio para que ele possa vir para o terreno”, sublinha. Portanto, “hoje podemos usar o ChatGPT gratuitamente, mas seguramente vai haver aplicações que não serão gratuitas e que serão mais sofisticadas e isto terá que ter associado um modelo de negócio que ainda não tem”, salienta.
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