Alemães que vieram para Portugal com a Gabor estão a entrar em Espanha
ASV Stübbe da Trofa orgulha-se de ter “das solas mais caras na Europa” e fecha primeiros contratos em Espanha, com a Callaghan e Panama Jack. Componentes “viram-se” no calçado e estão a sair do pé.
Em meados da década de 1980, quando a gigante alemã Gabor decidiu instalar uma fábrica de sapatos em Portugal, juntando-se à Ara e à Rohde, que tinham vindo logo a seguir ao 25 de Abril – a primeira ainda labora em Seia e é a número três do ranking das maiores produtores de sapatos em solo nacional; a segunda faliu com estrondo em 2010, quando tinha ainda 984 operários em Santa Maria da Feira –, este lote de empresas de origem germânica, tal como fazem noutros setores de atividade, trouxe alguns fornecedores de componentes e formou uma espécie de cluster nesta indústria do calçado.
A ASV Stübbe é uma delas. Criada há 37 anos, esta empresa de capitais 100% alemães começou por se estabelecer no Porto e mudou-se depois para a Trofa, onde emprega atualmente 70 pessoas, fabrica à volta de 7.000 pares de solas por dia e faturou quase quatro milhões de euros em 2022. Em declarações ao ECO à margem da Lineapelle, feira profissional que terminou esta quinta-feira em Itália, o gerente, António Osório, relatou que as expectativas para este ano “são boas, pelo menos as mesmas [do ano anterior], embora as coisas estejam um pouco mais suaves” em termos de encomendas.
Especializada em solas de poliuretano (PU), a fabricante terminou no ano passado o investimento numa linha de colagem – “é uma outra forma de fazermos solas bicomponentes” – e exporta 95% do que produz, estando os principais clientes na Alemanha, Áustria e Holanda. No entanto, a grande novidade é a entrada da empresa no mercado espanhol, do qual esteve “sempre arredada” e onde tem grandes concorrentes. “Com o nosso produto diferenciado conseguimos entrar num bom par de clientes espanhóis, que são fabricantes de calçado e têm marca própria: a Callaghan [La Rioja] e a Panama Jack [Elche]”, adiantou o gestor.
O poliuretano era o grande material nesta indústria das solas nos anos 1970 e 1980, mas acabou por perder espaço para outros plásticos mais moldáveis que começaram a aparecer no mercado. Com “resiliência”, argumenta António Osório, a ASV Stübbe conseguiu “reinventar o produto final” e revitalizar desta forma as solas neste tipo material, seguindo internamente o mote “PU’s not dead”, numa referência ao famoso título do álbum de estreia da banda escocesa The Exploited (“Punk’s not dead”) que acabou por dar um impulso a esse movimento musical
Temos das solas mais caras na Europa, somos os mais careiros. Mas somos bons. Quer andar de Mercedes pelo preço de um Fiat?
“Você pode correr e saltar, que na Europa, pelo menos, não vê ninguém a fazer solas de poliuretano como as nossas. (…) É verdade que temos das solas mais caras na Europa, somos os mais careiros. Mas somos bons. Quer andar de Mercedes pelo preço de um Fiat? Os clientes com quem trabalhamos não se importam de pagar mais um ou dois euros por sola e ter um produto que não lhes dá problemas nenhuns”, acrescenta António Osório, gerente da ASV Stübbe.
Componentes “viram” com mais dinheiro e saem do pé
A poucos metros do stand desta empresa de capitais alemães na Lineapelle, que contou com uma delegação nacional constituída por 33 empresas, Hélder Trindade esteve por estes dias a cumprir o mandato da administração da Sóviras para aumentar a quota de exportações. É que embora já tenha vendas para mercados como a Eslováquia, Polónia, Marrocos, Espanha, França ou Inglaterra, mais de 90% das vendas ainda são realizadas no mercado interno, às produtoras de solas em Portugal.
Com 30 trabalhadores, a empresa de Arrifana, no concelho de Santa Maria da Feira, produz viras e forras para calçado. Criada em 2002, está desde 2013 nas atuais instalações, que já tiveram várias expansões. A última, um investimento valor de 1,5 milhões de euros, foi inaugurada já este ano e duplicou a área produtiva com mais 2.500 metros quadrados. O responsável de exportação da empresa nortenha calcula que esta expansão industrial aumentou a capacidade de produção diária de 30 mil para 50 mil metros de vira.
Por outro lado, há quem neste segmento das componentes, que em conjunto com o calçado e os artigos de pele formam um cluster que em 2022 exportou um valor recorde de 2.347 milhões de euros para 172 países, esteja a tentar diversificar os setores alvo. É o caso da Teco, fundada em 1987 para produzir solas em borracha, que com a entrada da segunda geração para a liderança está a tentar “abrir outros mercados” fora do calçado, que atualmente já valem 5% do negócio anual de dez milhões de euros, relata o CEO, Rui Faria.
A empresa de Felgueiras, que emprega 120 pessoas e exporta para Espanha, Holanda, Alemanha ou Finlândia, já está a explorar oportunidades noutras áreas, como é o caso da construção ou do desporto. A pedido de um arquiteto e para uma unidade de turismo rural, desenvolveu um revestimento decorativo em PU, que é “um material que protege térmica e acusticamente”. E na área desportiva, em parceria com a Decathlon, está a testar a fabricação de produtos de borracha feitos a partir do material desperdiçado na produção de fatos de surf e de mergulho.
Outro exemplo recente de diversificação das aplicações foi um filtro feito em borracha reciclada, proveniente do lixo da produção, que pode ser colocado nas extremidades dos campos de futebol, sobretudo com relvados sintéticos, para evitar que aqueles pequenos grãos de borracha que são colocadas na relva acabem por “ir pelo cano abaixo”. “Fizemos isso com um cliente alemão que tem vários desenvolvimentos na área da sustentabilidade. Além de aproveitarmos o lixo da produção, tem como finalidade proteger o ambiente”, explica Rui Faria.
(O jornalista viajou para Milão a convite da APICCAPS)
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