Elevado peso dos usados importados é “situação episódica” que está a estabilizar
Em fevereiro, 67,1% das 186 mil novas matrículas de ligeiros de passageiros em Portugal diziam respeito a importados usados. Secretário-geral da ANECRA diz que é "situação episódica e conjuntural".
O elevado peso dos usados importados no número de novas matrículas no parque automóvel português é resultado de uma situação episódica, segundo o secretário-geral da ANECRA, afirmando ser algo que já está a estabilizar.
“É uma situação que em grande parte é episódica, porque é conjuntural. Tem a ver, em primeira análise, com a crise dos semicondutores, depois, numa segunda fase, também agravada com a questão da falta de algumas matérias-primas e que, portanto, levou à falta de viaturas novas e criou pressão nos usados”, explicou Roberto Gaspar em entrevista à Lusa.
O secretário-geral da ANECRA – Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel assinalou que perante essa pressão sobre as viaturas novas, as grandes operadoras de frotas e ‘rent-a-cars’, principais contribuidores para o mercado dos usados, encontraram dificuldade em realizar o ‘defleet’ e foram obrigadas a prolongar as maturidades da utilização das viaturas.
“Se prolongavam os contratos, o ‘defleet’ reduziu drasticamente, e, portanto, havia menos viaturas disponíveis. Não restou outra alternativa aos operadores de usados, que tinham, no fim de tudo, uma pressão enorme, uma procura muito grande e muito acima daquilo que era a capacidade oferta, de ir buscar carros onde os havia, e a solução foi importar carros”, explicou Roberto Gaspar.
Para assinalar a dimensão da pressão aplicada no mercado dos usados em Portugal, o responsável lembrou que, em certa altura, os carros usados chegaram a apreciar, em média, 20%, “quando o normal é depreciar”.
Dados divulgados em fevereiro pela Associação Automóvel de Portugal (ACAP) apontavam que 67,1% das 186 mil novas matrículas de ligeiros de passageiros em Portugal diziam respeito a importados usados.
Desde setembro de 2022 que as associações do setor registam uma travagem acentuada da procura – algo que ainda não impactou os preços dos carros.
“Houve ali, em janeiro, uma ligeira animação, um bocadinho, um crescimento de procura novamente, mas os dados que temos de fevereiro é que as coisas têm estado muito mais tranquilas do que o mercado gostaria”, referiu.
O fenómeno deve ir desvanecendo-se ao longo do ano e Roberto Gaspar prevê que estabilize no primeiro trimestre de 2024, com a regularização da cadeia de abastecimento no setor, mas alerta para que há fatores que vão continuar a impactar a quota de importados usados no número de matrículas junto das autoridades portuguesas.
Questionado sobre a possibilidade de esta relação recuar para valores anteriores à pandemia da covid-19 – em 2018 representava 33,8% e em 2019 35,5% -, o secretário-geral da associação diz que vai haver uma fatia de mercado que vai ter de continuar a procurar a importação de viaturas.
A razão passa pela alteração dos modelos de negócio das fabricantes, que vão concentrar-se nos segmentos médio-alto e alto.
“Os carros vão estar mais caros, as marcas vão ter que apostar muito naquilo que são os seus carros: os carros eletrificados, elétricos, também nos híbridos”, disse, justificando o aumento com as imposições colocadas pela Comissão Europeia quanto às emissões automóveis para 2030 e 2035 e com a necessidade de as marcas precisarem de aumentar o seu volume de negócio para responderem a estes requisitos.
“Isso vai significar termos um mercado a duas velocidades, que é as marcas a produzirem carros, que na sua grande generalidade são carros caros (…) e vai haver muita falta de carros para o segmento médio-baixo e baixo”, apontou.
Como tal, isso vai levar os consumidores dos segmentos mais baixos a focarem-se nos usados porque “uma fatia da população não vai ter dinheiro para comprar carros novos”.
“Esses [segmentos] vão se virar para o carro usado e vai haver mais clientes, provavelmente, para carros usados e, provavelmente, a oferta dos carros usados, muitas vezes vai ter de passar por ir buscar alguns carros lá fora”, anteviu.
A contribuir para a dificuldade na aquisição de carros estará também a questão fiscal, segundo Roberto Gaspar, cuja carga “sempre foi um peso enorme”.
Os impostos diretos e indiretos sobre o setor automóvel representaram 8.900 milhões de euros em 2022, sendo representativos de 17,1% das receitas fiscais do Estado.
Uma das soluções sugeridas passa pela retoma do incentivo ao abate de viaturas em fim de vida, que atacaria também a idade média do parque automóvel. Atualmente, a idade média dos automóveis em Portugal é de 14 anos.
“Há uma necessidade enorme da renovação do parque, quanto mais não seja, até também pela questão da redução das emissões, que é no fim de tudo a meta que todos têm em mente”, registou.
A medida já foi apresentada junto do Governo, através da secretaria de Estado do Comércio e dos Assuntos Económicos.
“Nós esperamos que seja introduzida em breve, particularmente agora que o mercado tende a estabilizar, uma vez que seria uma medida que faria pouco sentido quando havia a escassez de viaturas. Mas, nesta altura, acreditamos que é uma medida fundamental por vários fatores: para a dinamização do setor, para a renovação do parque, por uma questão de até equidade social e também do ponto de vista daquilo que é a agenda ecológica, faz todo sentido que isso seja reintroduzido”, defendeu.
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