Medida “inconsequente”, “acordo de cavalheiros”. Partidos reagem com ceticismo ao IVA zero
As criticas políticas à lista de produtos com IVA zero não se fez esperar. À esquerda, continua a defender-se o controlo dos preços e à direita questiona-se o "taticismo" do Governo.
Minutos depois depois do primeiro-ministro, António Costa, anunciar a lista de 44 produtos essenciais, que vão passar a ter IVA zero – e o pacto com agricultores e distribuição –, os partidos começaram a reagir com ceticismo à medida, sobretudo à esquerda que insiste num mecanismo de controlo dos preços.
No espetro à direita, a Iniciativa Liberal disse que “Costa está a demonstrar incompetência, preconceito e até taticismo”, por ter esperado quatro meses por esta medida.
Já o PCP classificou a medida de “inconsequente”, sem avançar com o sentido de voto no diploma que o Governo deve entregar no Parlamento esta quarta-feira. Já o Bloco de Esquerda acusou o Governo de um “acordo de cavalheiros” com aqueles “que têm abusado dos preços no nosso país”.
Leia abaixo a reação dos partidos:
PS elogia Governo e considera particularmente difícil vida política da oposição
O líder parlamentar do PS considerou que o Governo alcançou com a distribuição e produtores de bens alimentares um dos mais importantes acordos da legislatura e que a vida política da oposição é particularmente difícil. Interrogado sobre as críticas que foram feitas por várias forças políticas da oposição a este caminho seguido pelo executivo, o presidente do Grupo Parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, reagiu: “Era sempre preferível uma atitude mais construtiva para resolver problemas do que a crítica permanente”.
“O Governo fez hoje um dos acordos mais importantes desta legislatura. Este é o terceiro [acordo], depois da concertação social para o aumento de rendimentos e outro com os sindicatos da administração pública para aumentar os salários numa perspetiva de médio”, referiu. Na perspetiva de Eurico Brilhante Dias, o acordo agora anunciado por António Costa “apresenta uma abordagem inovadora e vai muito para além do que se tinha percebido ainda na sexta-feira”.
“O Governo envolve produtores e os representantes da produção, mas também a distribuição, com uma comissão de acompanhamento que monitorizará a implementação de um conjunto de instrumentos. Não apenas a redução do IVA para zero por cento, mas também a montante o apoio concedido à produção e o envolvimento dos atores numa construção coletiva”, sustentou.
O presidente do Grupo Parlamentar do PS defendeu depois a tese de que “não se faz oposição a apenas dizer mal do Governo, mas sim criando e mostrando alternativas”. “E neste caso acho que a vida da oposição é particularmente difícil”, advogou. Confrontado com o facto de o Bloco de Esquerda ter concluído que se está perante “um acordo de cavalheiros”, faltando ao Governo coragem, Eurico Brilhante Dias observou que “é sempre importante ter cavalheiros até antes do acordo”.
“Este acordo de cavalheiros, como diz o Bloco de Esquerda, tentando ser depreciativo, no fundo estabelece a diferença entre um partido como o PS e o BE. Somos um partido progressista, mas que procura envolver todos. O Bloco de Esquerda é um partido de fação e, por isso, esse tipo de reação é normal”, acrescentou.
Chega vai propor redução de 2% nas taxas normal e intermédia do IVA
O líder do Chega, André Ventura, considerou que a taxa de IVA de 0% nos produtos alimentares essenciais “vale pouco” e anunciou que o partido vai propor no parlamento a descida de 2% nas taxas normal e intermédia. “Era importante que alguns bens que estão na taxa intermédia ou até na taxa normal de 23% também tivessem essa redução, porque são parte, talvez não do cabaz essencial, mas da composição alimentar habitual dos portugueses”, afirmou.
“Não compreendemos como é que o Governo não percebe que em momentos de crise, como o que estamos a viver e de uma inflação numa taxa média de 8%, não basta que produtos que estavam em seis temporariamente passem a zero, porque nalguns casos estamos a falar de cêntimos”, disse o presidente do Chega. “Não estou a dizer que não seja relevante, até por nós também propusemos, mas a medida sozinha e solitária vale muito pouco”, reforçou.
André Ventura anunciou em seguida que o Chega vai propor também a limitação dos lucros a uma margem máxima de 15%.
IL acusa Governo de incompetência por ter perdido 4 meses na redução do IVA
A IL acusou o Governo de “incompetência, preconceito e até taticismo” por ter perdido quatro meses em relação ao IVA zero nos alimentos, considerando que esta segunda foi passada a “certidão de óbito da ministra da Agricultura”.
O líder parlamentar da IL, Rodrigo Saraiva, considerou depois da “pompa e circunstância” da cerimónia de hoje fica a pergunta: “Porquê só agora?”. Recordando que na discussão do Orçamento do Estado vários partidos, incluindo a Iniciativa Liberal, apresentaram a proposta para esta baixa no IVA, Rodrigo Saraiva concluiu que, uma vez que as medidas hoje anunciadas apenas terão impacto a meio de abril, “foram quatro meses perdidos”.
“O Governo de António Costa está a demonstrar incompetência, preconceito e até taticismo”, condenou. Segundo o líder parlamentar liberal foi “um dos parceiros, a CAP, anunciou uma medida que a IL também defendeu que é o fim da passagem das competências das direções regionais de agricultura e pescas para as CCDR”.
“A conferência de imprensa é, também ela, a certidão de óbito da ministra da Agricultura. A política desta ministra da Agricultura ficou hoje terminada porque aquilo que ela andava a lutar e levou os agricultores para a rua em protestou fica assim tudo muito clarificado”, disse. Rodrigo Saraiva reiterou a crítica de que António Costa “tira com as duas mãos para depois dar só um bocadinho com uma”.
“O Governo não está a dar nada, não está a devolver. O que o Governo devia fazer era não cobrar tantos impostos como cobra porque assim deixaria dinheiro no bolso de todos os portugueses para eles fazerem as suas opções e fazerem o seu próprio combate à inflação”, defendeu.
PCP diz que baixar IVA sem controlo de preços “é medida inconsequente”
O PCP classificou como “uma medida inconsequente” reduzir o IVA num conjunto de bens essenciais sem assegurar o controlo de preços, lamentando que o executivo não tenha “afrontado os lucros milionários da grande distribuição”.
“A medida pode revelar-se inconsequente, uma vez que o Governo não afronta o maior contraste: entre os lucros dos milionários da grande distribuição e os salários e pensões que continuam com perda real de poder de compra”, criticou o deputado comunista, Duarte Alves, à Lusa.
Questionado como votará o PCP o diploma – que o primeiro-ministro anunciou que irá ser ainda hoje aprovado em Conselho de Ministros e remetido na terça-feira ao parlamento –, Duarte Alves resguardou o sentido de voto dos comunistas para quando for conhecido o texto.
“Da nossa parte, nunca houve objeção à redução do IVA, desde que acompanhada pela regulação dos preços”, assegurou, lembrando que o partido já a propôs no setor da energia e defende que seja também estendida às telecomunicações. No entanto, alertou, “há riscos de esta redução não ser refletido na totalidade nos preços ou sê-lo apenas num primeiro momento”.
“Mesmo que a redução venha a ser totalmente refletida, estamos a falar em três euros num cabaz de 60 euros, não toca sequer nas margens da grande distribuição”, afirmou, lamentando que o primeiro-ministro confie apenas na “boa-fé” do setor. Duarte Alves considerou que a cerimónia “até serviu para lavar a face da grande distribuição, que tem aumentado os lucros de forma escandalosa”, e que sai com “as suas margens intocáveis”.
Por outro lado, o deputado do PCP lamentou que o Governo não tenha anunciado qualquer medida dirigida aos pensionistas e reiterou que os aumentos para a função pública de 1% “não repõem de maneira nenhuma” o poder de compra perdido no ano passado e este ano. “Não deixará de haver este profundo contraste entre o aumento dos lucros das grandes multinacionais e os cortes reais dos salários e pensões”, lamentou.
BE acusa Governo de “ajoelhar perante interesses” dos que têm abusado
O BE acusou o Governo de “ajoelhar perante os interesses daqueles que têm lucrado abusivamente” em Portugal uma vez que não teve a “coragem de tabelar preços” no “acordo de cavalheiros” sobre os alimentos com IVA zero.
Em declarações aos jornalistas após a assinatura do pacto para a estabilização e redução de preços dos bens alimentares entre o Governo, a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, acusou o executivo de “falhar no essencial” já que fez “um acordo com aqueles que têm abusado dos preços no nosso país”.
“Tanto suspense sobre esta medida resultou no Governo ajoelhar perante os interesses daqueles que têm lucrado abusivamente ao rejeitar a coragem de tabelar preços”, criticou Pedro Filipe Soares. Segundo o deputado bloquista, este pacto assinado pelo primeiro-ministro é “um acordo de cavalheiros com a mesma grande distribuição que tem ganho lucros milionários à custa do empobrecimento do país”.
“É o reconhecimento da falta de coragem do Governo para defender as famílias, para defender o poder de compra e mais um sinal de que, quando o Governo disse que aceitava o empobrecimento pela perda do salário, estava também a aceitar a desigualdade, em que uns tudo podem e outros tudo têm que pagar. Isso para o Bloco de Esquerda é inaceitável”, condenou. O bloquista criticou ainda o Governo por rejeitar “colocar preços máximos e tabelar preços para garantir o abuso, mantendo a liberdade de atuação à grande distribuição”.
Livre com dúvidas sobre se preços vão descer sem mecanismo de controlo
O Livre manifestou ceticismo em relação à medida do IVA zero para um conjunto de 44 bens essenciais alimentares, salientando que o Governo não anunciou “nenhum mecanismo de controlo de preços”. “Se por um lado foram anunciados mais apoios à oferta e à produção, e que era essencial que acompanhassem esta descida do IVA, não foi anunciado nenhum mecanismo de controlo de preços. Portanto, fica pura e simplesmente no ar como é que efetivamente os preços vão descer, que é o é urgente”, defendeu o dirigente do Livre Tomás Cardoso Pereira.
“Talvez só mesmo com um passe de mágica é que os preços vão efetivamente descer com esta redução do IVA”, ironizou o membro do partido, representado no parlamento pelo deputado único, Rui Tavares. O Livre encara com “algum ceticismo esta descida do IVA”, considerando que existe “um custo de oportunidade inerente”.
“As muitas dezenas de milhões, as centenas de milhões, que são efetivamente aplicadas nesta medida de descida de IVA poderiam ser aplicadas de maneiras que teriam um impacto muito mais direto nos bolsos de todos os portugueses e portuguesas, e que assim fica um bocadinho no ar se efetivamente se vai concretizar a descida de preços nos bens essenciais, que é aquilo que o Livre e todos nós desejamos que aconteça”, insistiu.
Tomás Cardoso Pereira salientou ainda que dentro da lista de 44 produtos “há bens com preços muito diferentes e que vão sofrer impactos muito diferentes” com esta medida, “o que pode gerar assimetrias e acabar por ter um efeito contrário àquele que o Governo pretende e ter efeitos injustos”. O Livre aguarda que a proposta seja entregue à Assembleia da República para a poder “analisar em mais detalhe” e vai pedir esclarecimentos no âmbito do debate no parlamento, disse o dirigente.
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