“Não há um rumo para a agricultura, é um barco à deriva”, alerta CAP
O secretário-geral da CAP realça que o "problema não é a falta de dinheiro, mas sim a falta de visão e capacidade para utilizar o dinheiro disponível".
A falta de competitividade, de tecnologia, de trabalhadores qualificados e o excesso de legislação são os principais obstáculos para o crescimento da agricultura portuguesa. O problema não é a falta de dinheiro, mas sim a escassez de visão e de capacidade para utilizar os recursos disponíveis, alerta a Confederação dos Agricultores de Portugal.
“Em Portugal não há um objetivo para a agricultura, não há um rumo, é um barco à deriva”, diz Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), durante uma conferência sobre a Soberania Alimentar organizada pelo ECO e pela CAP.
Para Luís Mira, “o país devia ter como objetivo o equilíbrio da balança alimentar em termos de valor. Temos um défice de 5,2 mil milhões de euros. Se houvesse, por parte do Governo, o mínimo de atenção e estratégia conseguiríamos atingir isso num prazo muito curto”, realça, sublinhando que a soberania alimentar deve ser pensada em termos europeus e não nacionais.
O secretário-geral da CAP sublinha que o “problema não é a falta de dinheiro, mas sim a falta de visão e capacidade para utilizar o dinheiro disponível. Portugal nunca teve tantas verbas disponíveis como tem agora (…), mas dá-se ao luxo de não ter aplicado os 1.300 milhões de euros” do Portugal 2020, diz Luís Mira.
Para o responsável da CAP, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) foi uma “oportunidade perdida para o setor agrícola”. Luís Mira realça que “Portugal devia ter ganho resiliência com o PRR e não fez nada disso”.
A CAP acusa a “politização partidária” da utilização das verbas da Política Agrícola Comum (PAC). Luís Mira explica que “o setor tem vindo a exportar cada vez mais, mas não é por haver um grande mérito da política que é feita com as verbas disponíveis”.
Luís Mira crítica a opção do Executivo em não inscrever no PRR quaisquer verbas para garantir a cobertura total do território nacional para o 5G – -fundamental para a aplicação de novas tecnologias agrícolas que aumentem a eficiência da produção. A opção do Governo foi utilizar utilizar verbas do Portugal 2030 para servir os territórios que não ficaram abrangidos pelos leilões do 5G.
Felisbela Torres de Campos, presidente da Associação Nacional da Indústria para a Proteção das Plantas (ANIPLA), criticou o excesso de exigência em termos de legislação que obrigam por exemplo a que 25% do território europeu seja abrangido por agricultura biológica. No entanto, novas soluções tecnológicas como a utilização de drones para a aplicação de herbicidas em zonas cirúrgicas das colheitas são proibidas no espaço comunitário, embora sejam amplamente utilizados em países como Brasil, Argentina, Austrália e EUA. Países a que a UE recorreu para importar cereais na sequência da invasão da Rússia à Ucrânia.
Gabriela Cruz, presidente da Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo (APOSOLO), corrobora a ideia da presidente da ANIPLA e realça que “Portugal é o país do licenciamento. É preciso licenças para tudo”.
É preciso mão-de-obra qualificada e tecnologia de ponta para ser mais competitivo
A tecnologia é um aliado em vários setores de atividade, inclusive na agricultura. No entanto, aplicar tecnologia exige investimento, aquisição de novos conhecimentos e, consequentemente, mão-de-obra qualificada. Na ótica dos oradores, Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer nesse sentido.
Felisbela Torres de Campos, presidente da ANIPLA, alerta para a falta de mão-de-obra qualificada. “Toda a transformação tecnológica que a agricultura vai sofrer nas próximas décadas é fundamental que se consiga atrair mão-de-obra qualificada para o mundo rural”.
Para a presidente da ANIPLA, o uso de tecnologia na agricultura poderá “ser uma grande motivação para os jovens interessar-se pelo mundo agrícola”. Felisbela Torres de Campos lamenta que, presentemente, a agricultura não seja uma “profissão muito atrativa”, mas acredita que a transformação tecnológica do setor possa ser um “chamariz para os mais jovens”.
Para além da aposta na tecnologia, o diretor da Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (ANPROMIS), João Coimbra destaca que “Portugal precisa de ajuda para ser competitivo”. Uma ajuda que, no seu ponto de vista, passa por apostar na agricultura de precisão que permite, por exemplo. a utilização de pesticidas e herbicidas só onde são necessários — até porque este é um fator de produção caro –, mas também uma utilização racional da água.
Com o objetivo de reduzir o impacto nos custos de produção e aumentar, de certa forma, a competitividade das empresas, o Governo comprometeu-se em prolongar o apoio extraordinário de dez cêntimos por litro para o gasóleo agrícola. Apesar de a medida ser vista com bons olhos e tornar os empresários mais competitivos, o diretor da Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (ANPROMIS), João Coimbra, realça que “Portugal precisa é de um trator que gaste um terço do gasóleo”.
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