Caso EDP: Salgado e Pinho sabem se vão a julgamento já esta sexta-feira
Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, Ricardo Salgado, ex-líder do BES, e Alexandra Pinho saberão esta sexta-feira se irão a julgamento e por que crimes. Decisão instrutória marcada para as 14h00.
Esta sexta-feira, dia 14 de abril, a juíza Gabriela Assunção vai realizar a leitura da decisão instrutória do caso EDP. Ou seja, Manuel Pinho, antigo ministro da Economia, Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, e Alexandra Pinho saberão se vão a julgamento e, se sim, por que crimes. A acusação do Ministério Público (MP) foi conhecida no final de 2022, 11 anos depois do início da investigação. A decisão será anunciada no Tribunal Central de Instrução Criminal, pelas 14h00.
A instrução, que é uma fase processual facultativa, foi pedida pelos três arguidos do processo. A decisão tomada pela juíza no final da fase processual da instrução revela se os arguidos vão a julgamento – com um despacho de pronúncia – ou não, com um despacho de não pronúncia.
Gabriela Assunção rejeitou todas as diligências pedidas pelas defesas dos arguidos e a audição de 68 testemunhas, das quais 36 do ex-presidente do BES, 29 de Manuel Pinho e três de Alexandra Pinho. A juíza recusou também a realização de uma perícia médica que comprove a doença de Alzheimer pedida pela defesa do ex-banqueiro, considerando que essa perícia seria “manifestamente contrária aos fins da instrução” e que isso não iria interferir com uma eventual pronúncia do arguido para julgamento.
A investigação do caso EDP centrou-se nas suspeitas de favorecimento do Governo, na altura de José Sócrates, à EDP. Mas com o decorrer da investigação várias outras suspeitas foram nascendo, como a dos subornos superiores a cinco milhões de euros de Salgado, ex-líder do BES, a Manuel Pinho, à data ministro da Economia de Sócrates.
Foi no dia 15 de dezembro de 2022 que o MP deduziu acusação contra Pinho, Salgado e Alexandra Pinho, mulher do antigo ministro da economia. Em causa estão crimes de corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais. O ex-ministro da economia, que está em prisão domiciliária, foi acusado de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, outro de corrupção passiva, um crime de branqueamento de capitais e um crime de fraude fiscal.
Já Ricardo Salgado foi acusado em concurso efetivo e autoria material de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, um crime de corrupção ativa e outro de branqueamento de capitais. A mulher do ex-ministro, Alexandra Pinho, foi acusada em concurso efetivo e co-autoria material com Manuel Pinho de um crime de branqueamento de capitais e outro de fraude fiscal.
Já os ex-líderes da EDP, António Mexia e João Manso Neto, vão continuar a ser investigados num processo à parte e não foram acusados ainda.
Debate instrutório
No debate instrutório o Ministério Público pediu a ida a julgamento dos três arguidos por todos os crimes que constam da acusação. Os procuradores do MP, Carlos Casimiro e Hugo Neto, reiteraram a existência de um acordo corruptivo entre o antigo ministro da Economia e o ex-presidente do BES.
“Trata-se de corrupção da mais grave e ao mais alto nível”, referiu o procurador Hugo Neto, que salientou a “confissão do recebimento de meio milhão de euros” do Grupo Espírito Santo por Pinho, além de cerca de 15 mil euros por mês enquanto ocupou o cargo de ministro. “Só isso já justificava a pronúncia por corrupção, pelo que o desfecho da instrução só pode ser este, além da pronúncia por branqueamento”, sublinhou.
A questão do branqueamento de capitais foi aprofundada pelo procurador Carlos Casimiro que explicou que os argumentos eram comuns aos três arguidos. “A situação é a da receção do dinheiro vindo de um saco azul do BES e a sua colocação num paraíso fiscal numa sociedade que ocultava o beneficiário”, disse o magistrado, reforçando que Salgado “sabia que estava a pagar uma quantia ilícita a uma pessoa que, sendo ministro, poderia ter influência”.
Já a defesa de Ricardo Salgado, o advogado Francisco Proença de Carvalho, nas alegações finais criticou a juíza Gabriela Assunção por ter rejeitado todas as diligências pedidas pelas defesas para a fase de instrução e assumiu ter pensado em não dizer nada por entender que o debate instrutório era “para cumprir calendário”.
“Teria trazido outros temas se tivéssemos tido uma instrução. Não havendo instrução, não vai esta defesa cavalgar numa instrução que parece um mero exercício formal para uma decisão que já todos esperamos”, disse. O advogado sublinhou não ter dúvidas de que a “única resposta que defende o estado de Direito é a não-pronúncia de Ricardo Salgado e é isso que pedimos”.
Francisco Proença de Carvalho realçou o que disse ser uma evolução da posição do MP sobre uma perícia médica e salientou que “não era inútil” ter uma perícia nesta fase processual. “A situação de saúde de um arguido tem de ser considerada em qualquer fase do processo e tem direito a defender-se na fase de instrução. Demos um passo em frente, pelo menos hoje, com o MP a admitir que deve ser sujeito a perícia independente”, afirmou.
Por outro lado, a defesa de Manuel Pinho apresentou um protesto. O advogado Ricardo Sá Fernandes defendeu que os atos instrutórios pedidos pelo arguido “eram suscetíveis de poder ser levados a cabo em poucos dias”, enquanto o MP conduziu um “inquérito que demorou mais de 10 anos a ser concluído”.
Ricardo Sá Fernandes lembrou uma nulidade invocada sobre uma eventual constituição irregular de Pinho como arguido para explicar que, se houver uma prescrição de crimes por essa circunstância, os procuradores é que “têm de ir para o pelourinho da opinião pública”.
“Deu como bom e assente o prato que o Ministério Público lhe serviu, sem dar conta das suas incongruências e inconsistências. A outro tempo, não deu aos arguidos o direito de se defenderem”, disse o advogado que notou que a magistrada “delimitou a presente instrução em termos que consubstanciam uma verdadeira denegação de justiça”.
Ricardo Sá Fernandes reiterou também que o ex-governante já assumiu que recebeu verbas sem declarar fiscalmente e que “tem hoje a perfeita consciência de que fez mal”, mas lembrou que esse era um sistema de pagamento usado no BES, que as verbas foram regularizadas e que recusa assumir o rótulo de corrupto, sublinhando que nomeá-lo como “criado de Ricardo Salgado é uma calúnia” para os dois arguidos.
“Esta histórias das vantagens concedidas por Pinho ao GES são uma pura fantasia de vossas excelências, arranjada à última hora quando a história dos CMEC vos fugiu”, considerou o advogado aos procuradores, em alusão à investigação que esteve na origem do caso e que acabou por ser separada para outro processo.
Por último, a defesa de Alexandra Pinho apontou “prepotência e arbítrio” ao MP, questionando quais as provas para se indicar que a mulher do ex-governante faria parte do suposto pacto corruptivo com Ricardo Salgado, e que os autos relativos à arguida devem ser arquivados na decisão instrutória, seja por ausência de provas, seja por prescrição do crime.
Processo dividido e parado no STJ
No dia 5 de dezembro, o processo — originalmente chamado de processo EDP — foi dividido em dois. Assim, a parte que respeita aos arguidos António Mexia, ex-líder da EDP, e João Manso Neto, antigo administrador da elétrica, chama-se de processo EDP/CMEC. Nele, vai ainda estar Manuel Pinho mas pelas decisões que tomou enquanto governante e que terão beneficiado a EDP, no caso relativo a novos 32 CMEC.
Uma dúvida está a atrasar o processo EDP/CMEC. Segundo avançou a revista Visão, os tribunais estão divididos sobre quem tem competência para apreender emails já abertos: o Ministério Público ou o juiz de instrução. Será o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que irá solucionar este problema e interpretar a lei através do chamado acórdão de fixação de jurisprudência.
Após decisões contraditórias do Tribunal da Relação de Lisboa, a defesa de Mexia e Manso Neto decidiu avançar para o STJ. Uma das decisões considera os emails que se encontram armazenados num sistema informático só podem ser apreendidos com um despacho do juiz de instrução, refere a Visão. Outra decisão sublinha que só o juiz de instrução pode apreender os emails quando estes não tenham sido abertas pelo destinatário, podendo o MP apreender os mesmos.
O pontapé de saída da investigação
Foi há dez anos, em 2012, que se deu a abertura de inquérito deste processo. O foco da investigação centrava-se nas suspeitas de favorecimento do Governo, na altura de José Sócrates, à EDP. Mas com o decorrer da investigação várias outras suspeitas foram nascendo, como a dos subornos superiores a cinco milhões de euros de Salgado, ex-líder do BES, a Manuel Pinho, à data ministro da Economia de Sócrates.
O inquérito investigou práticas de corrupção e participação económica em negócio nos procedimentos relativos à introdução no setor elétrico nacional dos Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC).
No âmbito desta investigação está ainda a aprovação da classificação das Herdades da Comporta, do Grupo Espírito Santo (GES), e do Pinheirinho, grupo imobiliário Pelicano, como Projeto de Interesse Nacional, através de financiamento do BES. Outro dos eixos da investigação é a autorização para que a Brisa passasse a explorar as autoestradas do Atlântico, também pelo financiamento do BES, após ter sido chumbada pela Autoridade da Concorrência e revertida por Pinho.
Entre os arguidos neste processo está Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, a sua mulher, Alexandra Pinho, e Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, já acusados. E ainda António Mexia, ex-presidente da EDP, João Manso Neto, ex-presidente da EDP Renováveis, Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia de um Governo PSD, Miguel Barreto, ex-diretor geral de Energia, João Conceição, administrador da REN e antigo consultor de Pinho, e Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas.
Dos CMEC ao favorecimento do BES
Foi em julho de 2017 que Manuel Pinho foi constituído arguido por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo. Na altura o ex-ministro da economia do governo de José Sócrates garantiu que não foi favorecido pela empresa e solicitou ainda que a investigação fosse levada até “às últimas consequências”, declarando-se disponível para prestar os esclarecimentos necessários.
O caso está relacionado com os CMEC no qual Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas, no qual, segundo o Ministério Público, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade. O alegado favorecimento da EDP no desenho final dos CMEC.
Os CMEC são uma compensação relativa à cessação antecipada dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE), que aconteceu na sequência da transposição de legislação europeia no final de 2004. Ou seja, é um regime de compensação da elétrica por grande parte das suas centrais elétricas passarem a vender a sua energia ao preço de mercado, ao invés de manterem os contratos de preço fixo que já tinham.
Os CMEC e a licença da central a carvão de Sines levaram o MP a crer que este “negócio” foi oneroso para os consumidores de eletricidade e beneficiou a EDP. Daí que, Manuel Pinho, seja um dos arguidos no processo.
Em causa estão benefícios de mais de 1,2 mil milhões de euros alegadamente concedidos por Manuel Pinho à EDP, entre outubro de 2006 e junho de 2012. Os pagamentos teriam alegadamente como destino uma nova sociedade ‘offshore’ de Pinho – chamada “Tartaruga Foundation”, com sede no Panamá – e seriam feitos pela Espírito Santo Enterprises – empresa que também é uma ‘offshore’, nas Ilhas Virgens Britânicas, e que ficou conhecida como o Saco Azul do Grupo Espírito Santo (GES).
Segundo a tese defendida pelo Ministério Público, o grupo GES/BES teria interesse em decisões favoráveis à elétrica porque na altura era acionista da EDP, com pouco mais de 2%.
No período em que Manuel Pinho foi ministro da Economia — entre março de 2005 a julho de 2009 — a ES Enterprises transferiu um total de cerca de 508 mil euros por via de uma transferência mensal de valor exatamente igual (de 14.963,94 euros).
Ricardo Salgado é assim também um dos nomes deste processo. Sobre o ex-presidente do BES recaem então suspeitas de alegados subornos superiores a cinco milhões de euros pagos a Pinho, enquanto era ministro da Economia, para favorecer os interesses do BES no governo de Sócrates, entre os anos de 2005 e 2009.
Do Governo para a universidade
Manuel Pinho foi ministro da Economia do Governo de José Sócrates entre 2005 e 2009 e após a sua demissão do Executivo o economista foi dar aulas para a Universidade de Columbia nos Estados Unidos, num curso sobre energias renováveis patrocinado pela EDP.
O Ministério Público investiga também se existe qualquer ligação entre este convite e as condições que a EDP conseguiu em 2007 nos CMEC e a extensão da concessão de 27 barragens, sem um concurso público.
A EDP pagou ao Estado 704 milhões de euros por esta extensão, valor em linha com as avaliações do CaixaBI e do Crédit Suisse. Mas o valor acordado está a ser investigado pelo Ministério Público, pois fica abaixo dos 1.600 milhões de euros apurados por um outro estudo realizado pela REN.
Barragem do Baixo Sabor
Outro dos pontos que incide o caso EDP é sobre a adjudicação da barragem do Baixo Sabor, perto de Torre de Moncorvo. Os procuradores responsáveis pelo caso suspeitam que uma adjunta de Manuel Pinho terá recebido de representantes da construtora Odebrecht uma mala com dinheiro vivo no próprio Ministério da Economia.
Em causa está uma entrega de 190 mil euros em dinheiro vivo no dia 1 de fevereiro de 2008, o que é desmentido pela adjunta, existindo ainda a suspeita de mais 505 mil euros entregues numa segunda reunião, a 9 de abril.
No documento, do Tribunal Central de Instrução Criminal, assinado pelo juiz Carlos Alexandre e onde o magistrado cita o Ministério Público, os arguidos Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, António Mexia e João Manso Neto, alegadamente concertaram posições durante um almoço para a adjudicação da obra a este consórcio.
Foi já feita uma auditoria, encomendada pela EDP à EY, ao processo de adjudicação da barragem do Baixo Sabor à Odebrecht, que encontrou irregularidades graves, nomeadamente relativas às regras.
As alegadas luvas terão um valor total de 4,7 milhões de euros pagos entre 2008 e 2015, sendo que poderão ter sido usadas duas sociedades offshore dominadas pela Odebrecht para fazer circular os fundos. As suspeitas dos procuradores de corrupção na adjudicação por parte da EDP daquela barragem surgiram após o envio do Ministério Público Federal brasileiro para Portugal de uma certidão da parte da contabilidade paralela da holding da Odebrecht, em agosto de 2020.
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