Auxílios do Estado à TAP correm risco de ser restituídos? Advogados explicam
O Tribunal Geral da UE anulou a aprovação da Comissão Europeia à ajuda estatal dada por Itália a companhias aéreas. O ECO falou com advogados que explicam o que pode acontecer no caso da TAP.
Esta semana, o Tribunal Geral da União Europeia (UE) anulou a aprovação dada pela Comissão Europeia à ajuda estatal dada por Itália a várias companhias aéreas, no valor de 130 milhões de euros – devido à pandemia Covid‑19 – e na sequência de uma queixa da Ryanair. A Comissão, sem dar início ao procedimento formal de investigação, decidiu não levantar objeções à medida “por ser compatível com o mercado interno”. A Ryanair contestou e o Tribunal Geral acaba por anular essa decisão “por violação do dever de fundamentação”.
Esta é a segunda anulação por parte do Tribunal Geral da UE. A 10 de maio, o Tribunal anulou a aprovação dada pela Comissão à ajuda de seis mil milhões de euros à alemã Lufthansa, por considerar igualmente que Bruxelas “cometeu vários erros” no processo de decisão.
Na altura, o Tribunal de Justiça da UE também anulou a decisão de Bruxelas sobre a ajuda de 1.200 milhões de euros do Estado TAP, que declarou este apoio compatível com o mercado interno, ainda que tenha suspendido a anulação. A justiça europeia deu assim razão a um recurso interposto pela Ryanair e anulou a decisão da Comissão, considerando que a mesma não foi “suficientemente fundamentada”.
No final de 2021, a Ryanair chegou a ameaçar voltar a tribunal europeu para contestar a aprovação do plano da TAP, que prevê ajudas públicas até 3,2 mil milhões.
Que consequências terão estas decisões para a TAP?
Questionado em Lisboa se a decisão relativamente à Lufthansa teria impacto sobre a TAP, o comissário europeu dos Assuntos Económicos já tinha lembrado que “as questões de concorrência são tratadas caso a caso”. “Não há um documento único para estas questões”, disse Paolo Gentiloni. “Imagino que o caso da TAP seja discutido no futuro”, acrescentou.
Jorge Brito Pereira, advogado e sócio da J+Legal, lembra que “os temas de concorrência sempre foram críticos para a atividade da TAP, como se viu pelas dificuldades na aprovação do plano de reestruturação, e continuarão a ser”. Acrescentando que “uma decisão como a que foi tomada pelo Tribunal da UE coloca esse plano de reestruturação sob mais apertado escrutínio, e não pode deixar de preocupar os responsáveis pela empresa”.
Mas alerta: “Assinale-se que cada caso é um caso, e que as razões que fundamentam esta decisão não são imediatamente transponíveis para o caso da TAP. Mas que vamos ter cenas dos próximos capítulos parece ser inevitável”.
Opinião semelhante tem Jane Kirby, advogada e sócia da Antas da Cunha ECIJA: “As questões de concorrência em sede da União Europeia são analisadas caso a caso, em função das circunstâncias concretas, como tal não podem ser retiradas ilações imediatas das decisões favoráveis obtidas pela Ryanair. Assim, não podemos antecipar que a mesma decisão seja tomada relativamente aos apoios concedidos à TAP, mas também não podemos afastar esse cenário”.
Importa recordar que já em 2021 o TJUE veio anular a decisão da Comissão que entendia compatível com o mercado interno a ajuda dada por Portugal à TAP, no valor de 1.200 milhões de euros mas, nessa mesma decisão, suspenderam-se os seus efeitos até que fosse adotada uma nova decisão pela Comissão. Em final desse mesmo ano e para grande descontentamento da Ryanair – que revelou intenções de sindicar estes atos junto do TJUE – foi aprovado o plano da TAP que previa ajudas públicas até 3,2 milhões.
“Caso seja tomada uma decisão semelhante à TAP, os efeitos serão gravíssimos, pois poderá implicar a restituição das quantias entregues pelo Estado Português”, concluiu a advogada.
Nuno Morais da PRAGMA, responsável pela área de concorrência, não duvida que esta decisão pode implicar que também o processo de financiamento da TAP pelo Estado português “pode ser posto em causa, por também ele não ter sido precedido de qualquer processo de investigação formal, o que deve preocupar as nossas autoridades, essencialmente por ver ressuscitado um problema que se julgava resolvido por mera negociação direta com a Comissão Europeia. Certamente novos episódios sobre esta matéria surgirão nos próximos meses, a acompanhar atentamente”.
O especialista acrescenta ainda que, apesar desta decisão ser ainda, “puramente processual, por simplesmente anular a decisão de admissão liminar dos apoios sem investigação, a verdade é que obriga a Comissão Europeia a abrir processos de investigação a cada um dos apoios concedidos, com a possibilidade de eventuais interessados poderem participar no respetivo processo, tendo a Ryanair como primeira interessada e que já demonstrou abundantemente vir a ser uma parte empenhada em tais investigações”.
Não deixando de referir um ponto que para a TAP e Estado português será preocupante, já que este novo procedimento de investigação poderá, “em última instância, vir a determinar que aqueles apoios constituíram auxílios de Estado, sendo por isso ilícitos, por violação do TFUE, obrigando as companhias aéreas a reembolsar os valores recebidos ou a implementar outras medidas corretivas”.
Miguel Miranda e Efigénia Marabuto Tavares, da área de Competition & EU da PRA, relembram, porém, que “apesar de, inclusivamente, em 2021, já ter sido anulada uma decisão da Comissão relativa a um auxílio de Estado concedido à TAP em 2020, o apoio renovado pelo Governo a esta em 2021, atualmente sob contestação da Ryanair, não terá necessariamente um impacto imediato e não tem que ter o mesmo desfecho dos casos descritos e, por isso, ser anulado pelas instâncias europeias, unicamente por força das decisões deste mês de maio”.
Por isso, na opinião dos advogados, “as resoluções que dirão respeito à TAP dependerão, não tanto das decisões que têm sido adotadas – sem prejuízo, naturalmente, da força do precedente em caso de pressupostos iguais –, mas, isso sim, do cumprimento ou não, em concreto, dos ditames aplicáveis, isto é, se certo auxílio de Estado, na circunstância, foi ou não legalmente concedido”.
O que deu origem a estas decisões?
A anulação da luz verde ao apoio às companhias aéreas italianas, na sequência de uma queixa da Ryanair é mais um caso a somar. Itália notificou a Comissão Europeia de uma medida de auxílio que consistia em subvenções pagas a algumas companhias aéreas através de um fundo de indemnização de 130 milhões de euros para compensar os danos sofridos devido às restrições adotadas durante a pandemia de Covid-19.
Para poderem beneficiar da ajuda, as companhias aéreas deviam pagar um salário igual ou superior à remuneração mínima fixada pela convenção coletiva nacional aplicável ao setor dos transportes aéreos. A Comissão, sem dar início ao procedimento formal de investigação, decidiu não levantar objeções à medida “por ser compatível com o mercado interno”. A Ryanair contestou e o Tribunal Geral anula agora essa decisão “por violação do dever de fundamentação”.
No caso da Lufthansa, a 10 de maio, o Tribunal Geral defendeu neste acórdão que “a Comissão cometeu vários erros, nomeadamente quando considerou que não era possível à Lufthansa encontrar financiamento nos mercados para cobrir todas as suas necessidades”. Porém, de acordo com o tribunal, “não exigiu um mecanismo que incentivasse a Lufthansa a voltar a adquirir a participação da Alemanha o mais rapidamente possível, quando negou que existia um poder de mercado significativo da Lufthansa em certos aeroportos e quando aceitou determinados compromissos que não garantiam a preservação de uma concorrência efetiva no mercado”.
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