“A TAP não constou da pasta de transição” do Governo de Passos Coelho, afirma Centeno
O ex-ministro das Finanças afirmou na comissão parlamentar de inquérito à TAP que não recebeu informação sobre a companhia aérea do Governo PSD/CSDS.
Mário Centeno, ex-ministro das Finanças, afirmou esta segunda-feira na comissão parlamentar de inquérito que a TAP não constava da pasta de transição que foi passada pelo segundo Governo de Pedro Passos Coelho ao Executivo socialista que se seguiu. O agora governador do Banco de Portugal rejeitou ter participado em reuniões para a compra da participação de David Neeleman pelo Estado.
“A TAP não constou da pasta de transição do XX para o XXI Governo Constitucional”, disse Centeno aos deputados. Perante a insistência de Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, reiterou “a pasta de transição na dimensão TAP era inexistente. Nem pen, nem dossiês”, reiterou.
Em resposta a Rita Borges Madeira, do PS, o atual governador do Banco de Portugal diz que foi “alertado pelos responsáveis do XX Governo para a extrema fragilidade da empresa em novembro de 2015”, numa reunião antes ainda de tomar posse, “fora da transição de governos, ainda noutra órbita”.
Filipe Melo, do Chega, lembrou a audição na CPI de Pedro Ferreira Pinto, antigo presidente da Parpública, que afirmou que numa reunião a 9 de dezembro de 2015 entregou um dossiê completo sobre a TAP aos ministros das Finanças e Infraestruturas e que passados vários minutos não recebeu questões, para seu espanto. “Disponibilizei-me para dar mais informações no futuro mas nunca mais me fui questionado o que me causou enorme espanto”, citou Filipe Melo.
O deputado do Chega perguntou se Mário Centeno tinha participado na reunião. “Claro que não”, foi a primeira resposta. “A 9 de dezembro, que por sinal é o meu aniversário, os dias nas Finanças eram muito longos. Se regressar a 9 de dezembro de 2015 e se lembrar o que estava a acontecer no Banif. Não há registo no meu gabinete dessa reunião”, assegurou. Ricardo Mourinho Félix, que foi seu secretário de Estado Adjunto do Tesouro e das Finanças, também afirmou na Comissão de Economia não ter registo da reunião.
“Houve, nas semanas seguintes, reuniões que foram crescentes em termos de número e incidência das reuniões, mas com o ministério das Infraestruturas, com o presidente da Parpública, onde foi passada informação. No momento em que cessou funções teve louvor do Governo, dado pelo secretário de Estado”.
O agora governador do Banco de Portugal quis depois sublinhar que o Ministério das Finanças recebeu informação Parpública, até por se tratar de uma entidade por si tutelada. “Foi passada a informação que a Parpública entendeu por bem passar ao Governo”, sublinhou.
O atual ministro das Finanças foi também confrontado com dois temas que têm marcado as audições: as cartas de conforto enviadas aos bancos na privatização de 2015 e os fundos Airbus usados pela Atlantic Gateway para capitalizar a companhia aérea naquele mesmo ano. Sobre as primeiras afirmou que teve conhecimento, embora não conseguisse apontar exatamente o momento. Sobre os fundos Airbus, disse que só soube recentemente pelas notícias.
Rita Borges Madeira insistiu e pediu a opinião do ex-ministro sobre validade dos fundos Airbus recebidos por David Neeleman, depois usados pela Atlantic Gateway para capitalizar a TAP com 227 milhões de dólares em prestações acessórias. “Ainda não sei muito bem o que se passou. A resposta não pode ser sim ou não. Soube da existência desse mecanismo muito recentemente, mais ao menos quando todos tivemos”, disse.
Bernardo Blanco também recuperou a audição de Pedro Ferreira Pinto, para lembrar que o antigo presidente da Parpública afirmou que a informação sobre a existência dos fundos Airbus constava do dossiê entregue. Centeno repetiu o que já dissera Mourinho Félix, de que nada foi transmitido às Finanças sobre o tema.
“Das discussões que tive no Governo não me lembro disto ser um problema do ponto vista da orientação estratégica. Se houvesse um tema negocial levantado que questionasse a capacidade financeiro ou o apport financeiro [do acionista] esse tema teria sido discutido. O que estou a responder é que não foi”, acrescentou. “Eu ainda hoje não sei como o mecanismo [dos fundos Airbus] funciona.
Pedro Filipe Soares questionou o antigo ministro sobre se os 55 milhões, pagos em 2020 pelo Estado a David Neeleman para comprar a sua participação de 22,5%, estavam relacionados com as prestações acessórias. “Nesse momento não tinha responsabilidade governativa e não tenho visibilidade sobre esse processo. Seria especulativo” responder, afirmou Mário Centeno.
Centeno rejeita ter negociado renacionalização da TAP
João Barbosa de Melo lembrou que o acordo com David Neeleman para a compra da sua participação (22,5%) pelo Estado foi fechado no mês seguinte à saída de Centeno do Governo. “Continua a dizer que não sabe de nada?”. “Escolheu a pessoa errada para responder a essa pergunta”, respondeu o ex-ministro.
“Nenhuma decisão estratégica foi tomada sem a presença do ministro das Finanças”, garantiu Centeno, que lembrou que além de ministro era presidente do Eurogrupo. “Eu tinha dois empregos, um na Europa”, lembrou. “Nem eu nem os meus secretários de Estado, o Ricardo Mourinho Félix ou o professor Álvaro Novo, participámos em reuniões conducentes à aquisição de participações sociais dos privados na TAP”, garantiu.
Nem eu nem os meus secretários de Estado, o Ricardo Mourinho Félix ou o professor Álvaro Novo, participámos em reuniões conducentes à aquisição de participações sociais dos privados na TAP.
“A 14 de junho [quando saiu do Governo] não havia nenhuma negociação para a aquisição de participações do Estado”, voltou a asseverar mais tarde o agora governador do Banco de Portugal.
Bruno Dias, do PCP, quis também saber se o antigo ministro das Finanças teve conhecimento da oferta de aquisição da TAP feita pela Lufthansa no início de 2020, antes da pandemia. “Nunca vi a proposta da Lufthansa. Não a conheço”, respondeu.
A audição do antigo administrador não executivo da TAP, Diogo Lacerda Machado, também foi lembrada. Filipe Melo, do Chega, lembrou que o jurista afirmou aos deputados que foi pressionado por Souto de Miranda, ex-secretário de Estado de Pedro Nuno Santos, para chumbar um orçamento da TAP no conselho de administração. O então ministro das Finanças respondeu que o seu ministério “esteve de acordo em que o orçamento fosse aprovado”.
Despique com o PSD
A troca de argumentos mais intensa da audição acabou por ser com o PSD. João Barbosa de Melo questionou Centeno sobre a criação da comissão paritária para acompanhamento da privatização, que fazia parte do acordo fechado com a Atlantic Gateway e conferia ao Estado a possibilidade de reverter a venda se os compromissos não fossem cumpridos.
“O facto da dita comissão paritária não existir, mas ela ser tão relevante como releva, talvez justificasse que na pasta de transição tivesse sido mencionada”, respondeu Centeno. Perante a insistência, foi a vez do ex-ministro questionar o deputado do PSD porque o anterior Governo social-democrata não a criou logo após ter sido fechada a privatização a 12 de novembro de 2015. “A 13 de novembro talvez pudesse ter sido nomeada, nem a 13, nem a 14, nem a 15 ou 25 de novembro. A 26 de novembro [quando] eu tomo posse e havia outra visão”.
A “outra visão”, defendida por Mário Centeno, foi a operação de recompra que pôs o Estado novamente com 50% do capital da TAP e conferiu-lhe o direito de nomear vários membros não executivos para o conselho de administração, com o presidente a poder desempatar a favor do Estado. “Entre uma comissão paritária e sete membros de um conselho de administração não tenho dúvida de qual o modelo que tem maior controlo e supervisão” sobre a companhia”, apontou.
O ex-ministro das Finanças também defendeu uma interpretação das cartas de conforto dadas em 2015 aos bancos portugueses credores da TAP contrária à que tem sido defendida pelo PSD. “A interpretação que tínhamos no Ministério das Finanças àquela data e quando começámos a recolher informação mais detalhada era que, através daquele conjunto de cartas conforto, o Estado se obrigava em caso de não cumprimento a exercer o direito potestivo de recompra da TAP, e portanto a dívida passada, presente e futura” passava a ser responsabilidade do Estado.
O governador do Banco de Portugal também discordou da avaliação do Tribunal de Contas de que com a recompra as responsabilidades para o Estado aumentaram. Centeno explicou que, ao contrário do que acontecia nas cartas de conforto, com as garantias dadas após a recompra o Estado só se responsabilizava por 110% da dívida pré-existente, ou 542 milhões de euros. Soma que depois baixou para 156 milhões em 2019 com a redução da dívida aos credores.
Mário Centeno foi ministro das Finanças de Portugal entre 26 de novembro de 2015 e 15 de junho de 2020, apanhando a recompra de parte do capital da TAP vendido à Atlantic Gateway em 2017, que aumentou a participação do Estado para 50%, e o empréstimo de emergência de 1,2 mil milhões dado à companhia aérea logo após a pandemia.
A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estendendo-se até 23 de julho.
(notícia atualizada às 22h51)
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