Governo quer municípios a fazer consulta jurídica e estágios de advocacia remunerados
Governo entregou proposta de revisão do estatuto dos Advohados na quarta-feira à noite e pede um parecer da bastonária até dia 13 de Junho, feriado em Lisboa. 48 dias úteis depois.
O Governo quer que organismos públicos, como municípios, juntas de freguesia, associações, organizações não-governamentais, funcionários públicos, empresas e não licenciados em direito possam prestar consulta jurídica aos cidadãos, sem qualquer supervisão por entidade externa.
Segundo a proposta de lei do Governo – que revê as competências dos advogados e solicitadores com a alteração dos seus estatutos, decorrente da nova lei das Associações Públicas Profissionais – várias entidades e profissionais não advogados poderão fazer consulta jurídica, elaborar de contratos, negociar a cobrança de créditos e disponibilizar serviços jurídicos online.
Esta proposta altera ainda o Estatuto da Ordem dos Advogados criando o conselho de supervisão, mudando as regras para as sociedades multidisciplinares e a prestação dos serviços jurídicos online, bem como as regras relativas ao estágio, designadamente duração e remuneração.
Esta proposta chegou à OA na quarta-feira, dia 7 de junho, por volta das 23h00. Tendo o MJ dado apenas 48 horas (dias úteis) para responder. Ou seja, até ao dia 13 de junho, dia feriado em Lisboa. Contactado pelo ECO/Advocatus, o Ministério da Justiça não se mostrou disponível para esclarecer esta questão.
Que mudanças estão contempladas na proposta de lei?
Consulta jurídica
A consulta jurídica deixa de ser ato próprio do advogado. Assim, poderão exercer a atividade de consulta jurídica: as entidades da administração direta ou indireta do Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais, outras pessoas coletivas da administração autónoma e demais pessoas coletivas públicas, em matérias incluídas no âmbito das respetivas atribuições e competências; os notários e os agentes de execução;
pessoas coletivas de direito privado e os licenciados em direito. A proposta diz que todos devem ficar sujeitos aos deveres de imparcialidade e sigilo, devendo organizar-se de forma a identificar potenciais conflitos de interesses.
Cobrança de créditos
As reclamações ou impugnações de atos administrativos ou tributários poderão ser praticado por sociedades comerciais que tenham por objeto a cobrança de créditos. Estas sociedades podem receber de terceiros os montantes relativos aos créditos devidos ao seu cliente.
Para efeitos da reclamação ou impugnação de atos administrativos ou tributários, a sociedade deverá indicar um advogado ou solicitador com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados ou na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, responsável pela supervisão da atividade da sociedade.
Serviços jurídicos online
O EOA passará a prever a prática de atos próprios da advocacia online por advogado, que constitui uma forma de exercício da profissão submetida às regras legais e regulamentares aplicáveis à advocacia. A identificação do advogado que pratica o ato deverá ser comunicada ao cliente antes do início da prestação do serviço. O advogado que pratique atos online deverá adotar as medidas necessárias para garantir, entre outros, o sigilo profissional e a inexistência de conflitos de interesses, designadamente através da comprovação da identidade do cliente e demais informação necessária ao cumprimento das respetivas obrigações legais e regulamentares.
Estágio remunerado para advogados
A proposta obriga à remuneração dos estagiários “em termos a definir por regulamento elaborado pelo conselho geral e aprovado pelo conselho de supervisão, o qual apenas produz efeitos após homologação pelo membro do Governo responsável pela área da justiça”.
O estágio passa a ter a duração de 12 meses, em vez dos atuais 18 meses. A formação inicial deverá ser disponibilizada em ensino presencial e à distância. Se for à distância, as taxas e emolumentos a cobrar serão reduzidos.
Por outro lado, estabelece-se que as taxas aplicáveis ao estágio são fixadas segundo critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade .
Estabelece a proposta do Governo que sempre que a realização do estágio implique a prestação de trabalho, deve ser garantida ao estagiário a remuneração correspondente às funções desempenhadas, em valor não inferior à remuneração mínima mensal garantida.
O estágio termina com a realização de prova de agregação. Esta avaliação é da responsabilidade de um júri independente que integrará entre os seus membros, em proporção não inferior a 1/3, personalidades de reconhecido mérito não inscritas na Ordem dos Advogados, a nomear pelo conselho geral, ouvidos os conselhos regionais.
Elaboração de contratos
A elaboração de contratos poderão ainda ser praticados por agentes de execução e notários, por sociedades comerciais, por licenciados em direito. Mas as sociedades comerciais e os licenciados em direito têm de celebrar um seguro de responsabilidade civil profissional de capital não inferior a 150.000 euros.
No caso das sociedades comerciais as regras obrigam a que a prestação de serviços deverá ser efetuada por licenciado em direito que exercerá as respetivas funções em regime de subordinação ou de exclusividade.
Os órgãos sociais bem como todas as pessoas que colaborem na atividade da sociedade ficam igualmente sujeitos ao dever de sigilo quanto a todos os elementos de que tenham conhecimento em função das respetivas atividades. As sociedades terão de aprovar um código de conduta, a rever a cada três anos.
Sociedades profissionais e multidisciplinares
Os advogados podem ser sócios ou associados em sociedades profissionais de advogados ou em sociedades multidisciplinares. As sociedades profissionais de advogados e as sociedades multidisciplinares gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres aplicáveis aos profissionais membros da Ordem.
Os membros do órgão de administração das sociedades profissionais de advogados e das sociedades multidisciplinares devem respeitar os princípios e regras deontológicos, a autonomia técnica e científica e as garantias conferidas aos advogados pela lei e pelo EOA.
Reações da Ordem dos Advogados
Em resultado da Assembleia Geral, a OA já avisou a Ministra da Justiça (MJ) de que os advogados podem parar a Justiça; basta-lhes não comparecer em qualquer ato urgente no âmbito do processo penal, nomeadamente no primeiro interrogatório de arguido detido, pelo tempo que for necessário.
Na prática, os advogados votaram 11 medidas contra o que designam como o ataque resultante das alterações à Lei das Associações Públicas Profissionais resultante das recomendações da Autoridade da Concorrência.
“Vão dar aconselhamento jurídico ilegal às populações. A partir de agora, os cidadãos mais carenciados têm ao seu dispor um conjunto de serviços que é prestado por pessoas que não são regulamentadas nem supervisionadas por ninguém externo”, sublinhou a bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, frisando que a ministra da Justiça quer “afastar os cidadãos da justiça e canalizá-los para os meios alternativos de resolução de litígios”.
A bastonária afirmou igualmente que “não é só a consulta jurídica que está em causa”, mas também “os contratos de promessa e compra e venda que vão passar a ser feitos livremente pelas empresas imobiliárias e pelos cidadãos não advogados”.
Depois de receber esta proposta do Ministério da Justiça (MJ), a OA deu logo conta que vai “reagir e lutar, lançando mão de todos os meios ao seu dispor, nos termos das deliberações aprovadas na assembleia geral, e apela, uma vez mais, à advocacia que se junte em peso a esta luta em defesa do Estado de direito democrático, dos direitos, liberdades e garantias das pessoas e bem assim da dignidade da profissão”.
Fernanda de Almeida Pinheiro considerou esta proposta “inaceitável”, já que pretende afastar os cidadãos da justiça, não podendo a OA “nunca compactuar com uma situação destas”. A bastonária critica ainda a hora em que o MJ enviou a proposta, sustentando que demonstra “a falta total de respeito pela instituição e pela advocacia portuguesa”.
“Aproveitaram o momento que é tradição em Lisboa de maior descanso para propor algo desta dimensão a todas as ordens profissionais”, referiu, acrescentando que o documento “reflete tudo aquilo que a OA disse que eram as linhas vermelhas”.
Alexandra Bordalo, presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da OA considera que esta proposta “evidencia a determinação governamental de acabar com a advocacia, subtraindo-lhe grande parte da função ao eliminar dos actos próprios a consulta jurídica, a elaboração de contratos e a negociação e cobrança de créditos. Portanto, fica o patrocínio judicial como acto próprio do advogado (e solicitadores). O demais, bem o demais é para quem quiser”.
Acrescentando que se cria “nesta versão hedionda, um Conselho de Supervisão, um Provedor dos Destinatários dos Serviços e impõem-se não inscritos nos Conselhos Disciplinares. Tudo somado, passará a Ordem dos Advogados a ter obrigatoriamente 51 membros de órgãos não inscritos na Ordem.E, pasme-se, impõe-se a remuneração, nomeadamente do provedor do destinatário dos serviços, quanto aos demais dependerá do volume de trabalho, podendo, ou não, ser remunerados. E, salvaguarda-se, até, a existência de senhas de presença e ajudas de custo”.
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